segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A Liquidação da Reparação do Dano Moral Trabalhista

Rodolfo Pamplona Filho

Sumário: 01. Introdução. 02. Conceitos básicos sobre o dano moral. 02.01. Conceito e denominação. 02.02. Natureza jurídica da reparação do dano moral. 03. A reparação pecuniária do dano moral. 03.01. O arbitramento judicial como critério de quantificação por excelência. 03.02. Sugestões de critérios para o arbitramento judicial. a) Dias-multa. b) Analogia à indenização por tempo de serviço. c) Outras previsões legais de critérios de fixação do valor. 04. Algumas palavras sobre o bom senso do julgador. 05. Considerações finais.

01. Introdução.

Talvez uma das grandes questões jurídicas deste novo século seja o problema da reparação dos danos morais, tema em grande voga na atualidade.
E dentro da grande gama de controvérsias decorrentes, uma que se reveste, muitas vezes, de cores dramáticas é a que se refere à quantificação das condenações em reparação de danos morais.
Para entendê-la, porém, em toda sua complexidade, vale a pena lembrar alguns conceituais fundamentais sobre o tema.

02. Conceitos Básicos sobre o Dano Moral.

Gramaticalmente, o termo "dano", segundo Aurélio Buarque de Holanda, tem as seguintes acepções:
"DANO. [Do lat., damnu.] S. m. 1. Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral: Grande dano lhe fizeram as calúnias. 2. Prejuízo material causado a algúem pela deterioração ou inutilização de bens seus. 3. Estrago, deterioração, danificação: Com o fogo, o prédio sofreu enormes danos.  Dano emergente. Jur. Prejuízo efetivo, concreto, provado. [Cf. lucro cessante.] Dano infecto. Jur. Prejuízo possível, eventual, iminente." .
Este verbete, ilustrativo quanto a sua forma, já nos demonstra com certa precisão a grande amplitude do vocábulo "dano".
O fato, como acentua Clayton Reis, "é que a concepção normalmente aceita a respeito do dano envolve uma diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência da ação lesiva de terceiros. A conceituação, nesse particular, é genérica. Não se refere, como é notório, a qual o patrimônio é suscetível de redução" .
É interessante, porém (diria mais, sintomático), que a primeira acepção proposta pelo maior dicionarista brasileiro para o termo dano já contemple a noção de prejuízo moral.
Isso porque, conforme aponta Gislene A. Sanches com bastante felicidade, “a ofensa a bens de caráter moral já estava implicitamente contida no conceito de dano, mas devido à resistência da doutrina até certo ponto e, principalmente, da jurisprudência, foi preciso adjetivar o substantivo dano para que adquirisse um conceito inequívoco.”
Sendo assim, passaremos a explicar didaticamente a sistemática do dano moral, começando pelo seu conceito e denominação.

02.01. Conceito e denominação.

O dano moral consiste no prejuízo ou lesão de interesses e bens, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente .
A apreensão deste conceito é fundamental para o prosseguimento do nosso estudo, notadamente no que diz respeito ao fato da lesão de se dar em direitos, “cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.”
Repisamos esse aspecto de forma a afastar de nossa análise, de uma vez por todas, qualquer relação ao efeito patrimonial do dano moral ocorrido, pois muitos dos debates sobre a matéria (neste caso, bastante infrutíferos) residem na busca de uma quantificação do dano moral com base nos seus reflexos materiais.
Ora, se há reflexos materiais, o que se está indenizando é justamente o dano patrimonial decorrente do dano moral, e não este último propriamente.
Não é esta, definitivamente, a nossa proposta, pois pretendemos demonstrar a tutela dos direitos da personalidade pelo vigente ordenamento jurídico, com a possibilidade de compensações pecuniárias em caso de violações.
Apesar de já termos proposto um conceito de dano moral, faz-se mister tecer alguns comentários sobre a denominação utilizada.
Isso porque adotamos a expressão “dano moral” somente por esta estar amplamente consagrada na doutrina e jurisprudência pátria. Todavia, reconhecemos que a mesma não é tecnicamente adequada para qualificar todas as formas de prejuízo não fixável pecuniariamente.
Mesmo a expressão “danos extrapatrimoniais”, também de uso comum na linguagem jurídica , pode se tornar equívoca, principalmente se for comparada com a idéia de “patrimônio moral”, que abrange, entre outros bens jurídicos, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa.
Melhor seria utilizar-se o termo "dano não-material" para se referir a lesões do patrimônio imaterial, justamente em contraponto ao termo “dano material”, como duas faces da mesma moeda, que seria o patrimônio jurídico da pessoa, física ou jurídica.
Entretanto, como as expressões "dano moral" e "dano extrapatrimonial" encontram ampla receptividade, na doutrina brasileira, como antônimos de "dano material", estando, portanto, consagradas em diversas obras relevantes sobre o tema , utilizaremos indistintamente as três expressões (dano moral, dano extrapatrimonial e dano não-material), sempre no sentido de contraposição ao dano material.

02.02. Natureza jurídica da reparação do dano moral.

A premissa básica para se entender a reparação do dano moral é a compreensão de que a reposição natural não é possível na lesão aos direitos extrapatrimoniais da pessoa, eis que a honra violada jamais poderia ser restituída ao “status quo ante”.
Mas qual a natureza jurídica do pagamento?
Sancionadora, respondemos, sendo sanção entendida como a consequência lógico-normativa de um ato ilícito.
Então esse pagamento seria uma pena?
Para um segmento hoje minoritário da doutrina , que gozou de bastante prestígio em passado não longínquo, a reparação do dano moral não constituiria um ressarcimento, mas sim uma verdadeira “pena civil”, mediante a qual se reprovaria e reprimiria de maneira exemplar a falta cometida pelo ofensor.
Esta corrente de pensamento não dirigia suas atenções para a proteção da vítima ou para o prejuízo sofrido com a lesão, mas sim para o castigo à conduta dolosa do autor do dano. Somente isto justificaria o reconhecimento de uma indenização por dano moral, de modo que, nas palavras do jurista argentino Jorge J. Llambías, “no quede impune un hecho ilícito que ha mortificado malignamente a la víctima causándo-le una aflicción en su ánimo” .
Um dos fundamentos dogmáticos para esta construção doutrinária da “pena civil” estava justamente na suposta imoralidade da compensação do dano moral com dinheiro (o chamado “pretio doloris” - o “preço da dor”), objeção esta que já se encontra há muito superada, como vimos.
Por outro lado, não se pode afirmar que a reparação da dano moral se dá através de uma pena, tendo em vista que este instituto, do ponto de vista técnico, se presta a sancionar, como forma de repressão pública, quem lesiona, ainda que de forma mediata, interesses sociais.
Não é este o âmbito de atuação da responsabilidade civil, fundamento doutrinário pelo qual estamos estudando essa forma de pagamento, pois a reparação do dano moral, pela via pecuniária, visa a sancionar violações ocorridas na esfera privada de interesses.
Obviamente, não se despreza que o dano moral pode também motivar conseqüências lógico-normativas na esfera criminal, gerando a necessidade de uma repressão social, como nos casos de Calúnia, Difamação e Injúria, previstos respectivamente nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal.
E seria tal reparação uma indenização?
Apesar de ser essa a expressão tradicionalmente utilizada nos pretórios pátrios, o rigor técnico impõe que se reconheça que a resposta é negativa, haja vista que a noção de indenização também está intimamente relacionada com o “ressarcimento” de prejuízos causados a uma pessoa por outra ao descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito, significando a eliminação do prejuízo e das conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial.
A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as conseqüências da lesão.
Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha função de equivalência, como no dano material, mas sim, função satisfatória.
Quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família, não está definitivamente pedindo o chamado “pretio doloris”, mas apenas que se lhe propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as conseqüências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante.
Dessa forma, resta claro que a natureza jurídica da reparação do dano moral é sancionadora (como consequência de um ato ilícito), mas não se materializa através de uma “pena civil”, e sim por meio de uma compensação material ao lesado.
Essa nos parece a melhor solução, para que não continuemos a confundir logicamente o gênero “sanção” com a espécie “pena”, eis que esta última deve corresponder à submissão pessoal e física do agente, para restauração da normalidade social violada com o delito, enquanto a compensação (ou mesmo a indenização), pela teoria da responsabilidade civil, são sanções aplicáveis a quem viola interesses privados, como é o caso dos danos morais.
Não faltam, contudo, as teorias “ecléticas” que buscam classificar a reparação do dano moral como uma prestação de caráter duplo, em que coexistiriam a compensação e a “pena civil”.
Esse posicionamento, contudo, é questionado por alguns doutrinadores, notadamente no Direito Comparado.
Ramon Daniel Pizarro, por exemplo, questiona expressamente:
“?Cómo conciliar la tesis punitiva del daño moral, que parte de la base de la antijuridicidad e inmoralidad del resarcimiento del daño moral (“el precio del dolor”), com la tesis del resarcimiento que postula, como ya vimos, una cosmovisión totalmente diferente de la cuestión? ?Cómo conciliar ideas que son fruto de una ponderación individualista del Derecho y de la vida con otras que son resultado de una visión solidarista de la responsabilidad civil, obsesionada por la protección de la víctima? ?Como conciliar lo inconciliabre?”
Essa discussão, contudo, tem, para nós, importância somente acadêmica, pois mesmo nos filiando à corrente de pensamento, capitaneada pelo ilustre Orlando Gomes, que entende ser a reparação do dano moral uma sanção materializada através de uma compensação pecuniária, entendemos que a utilização do termo “indenização” não se constitui em uma aberração jurídica, mas sim apenas uma “atecnia consagrada jurisprudencialmente”.

03. A reparação pecuniária do dano moral.

Conforme observa João de Lima Teixeira Filho, “não há negar que a compensação pecuniária domina nas condenações judiciais, seja por influxos do cenário econômico, antes instável e agora em fase de estabilização, seja pela maior liberdade do juiz em fixar o quantum debeatur. Deve fazê-lo embanhado em prudência e norteado por algumas premissas, tais como: a extensão do fato inquinado (número de pessoas atingidas, de assistentes ou de conhecedoras por efeito de repercussão); permanência temporal (o sofrimento é efêmero, pode ser atenuado ou tende a se prolongar no tempo por razão plausível); intensidade (o ato ilícito foi venial ou grave, doloso ou culposo); antecedentes do agente (a reincidência do infrator deve agravar a reparação a ser prestada ao ofendido); situação econômica do ofensor e razoabilidade do valor.”
Dois são os sistemas que a dogmática jurídica oferece para a reparação pecuniária dos danos morais: o sistema tarifário e o sistema aberto.
No primeiro caso, há uma predeterminação, legal ou jurisprudencial, do valor da indenização, aplicando o juiz a regra a cada caso concreto, observando o limite do valor estabelecido em cada situação. Segundo nos informa Orlando Teixeira da Costa, é o que ocorre nos Estados Unidos da América do Norte .
Já pelo sistema aberto, atribui-se ao juiz a competência para fixar o quantum subjetivamente correspondente à reparação/compensação da lesão, sendo este o sistema adotado no Brasil.
Vejamos, nos próximos tópicos, algumas sugestões de critérios legais e doutrinários para a quantificação da reparação pecuniária do dano moral.
O que é importante deixar claro, porém, é que não existe um único critério absoluto, pelo menos no vigente ordenamento jurídico positivo, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral.

03.01. O arbitramento judicial como critério de quantificação por excelência.

Quanto ao ressarcimento dos danos morais, ensina Miguel Reale que se trata de um “domínio em que não se pode deixar de conferir ampla discricionariedade ao magistrado que examina os fatos em sua concretitude.
Nesse ponto, é inegável a existência de lacuna em nosso sistema legal, não se podendo invocar senão o disposto no art. 1.553 que prevê a fixação da indenização por arbitramento.
Eis uma norma translativa do problema de conteúdo, pertinente aos critérios de arbitramento, que não podem ser os usuais aplicáveis em assuntos de ordem econômica e patrimonial, exatamente em razão da natureza ‘não patrimonial’ do dano moral.
Penso que os critérios a serem aplicados, no arbitramento, devem resultar da natureza jurídica do dano moral, ou melhor da finalidade que se tem em vista satisfazer mediante a indenização.”
Dispõe o art. 1.553 do vigente Código Civil, referente à “Liquidação das Obrigações resultantes de atos ilícitos”, que, nos casos não previstos naquele capítulo, “se fixará por arbitramento a indenização”.
A doutrina nacional tem reconhecido a importância deste dispositivo, lembrando José de Aguiar Dias que “não é razão para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbitrário é até da essência das coisas” , observando, inclusive, que “o arbitramento, de sua parte, é, por excelência, o critério de indenizar o dano moral, aliás, o único possível, em face da impossibilidade de avaliar matematicamente o pretium doloris” .
Em verdade, consideramos que o arbitramento é o procedimento natural da liquidação do dano moral, até mesmo por aplicação direta do art. 602 do Código de Processo brasileiro (notadamente seu inciso II), que dispõe, expressamente:
“Art. 606. Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:
I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;
II - o exigir a natureza do objeto da liquidação”
Ora, o objeto da liquidação da reparação pecuniária do dano moral é uma importância que compense a lesão extrapatrimonial sofrida. Não há como evitar a idéia de que, efetivamente, a natureza do objeto da liquidação exige o arbitramento, vez que os simples cálculos ou os artigos são inviáveis, na espécie.
Uma questão que normalmente é omitida por muitos dos que se aventuram a escrever sobre a responsabilidade civil por danos morais, no que diz respeito à sua liquidação é a seguinte: no arbitramento, a prova pericial é indispensável?
Tal questão tem como base o disposto no art. 607 do vigente digesto processual civil, que preceitua:
“Art. 607. Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará o perito e fixará o prazo para a entrega do laudo.
Parágrafo único. Apresentado o laudo, sobre o qual poderão as partes manifestar-se no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença ou designará audiência de instrução e julgamento, se necessário.”
A interpretação literal do dispositivo supra transcrito resultaria numa resposta positiva.
Contudo, não é esta a nossa visão sobre a matéria.
Com efeito, entendemos que a prova pericial é efetivamente o meio de liquidação natural para se aferir, por exemplo, danos materiais como os lucros cessantes.
É este o exemplo clássico apontado pelo ilustre Desembargador Paulo Furtado para as “hipóteses em que a sentença não pode, de logo, determinar que o quantum se apure por cálculo do contador, porque esse cálculo dependeria de atividade do ‘árbitro’, ou perito, que forneceria elementos de que não se dispõe ainda.”
Todavia, no que diz respeito à reparação dos danos morais, a prova pericial terá pouca (se não nenhuma!) valia, eis que inexistem dados materiais a serem apurados para a efetivação da liquidação.
Desta forma, a resposta à questão suscitada deve ser negativa.
Mas como pode ser procedida a liquidação por arbitramento sem a prova pericial?
A resposta nos parece lógica.
O Juiz, investindo-se na condição de árbitro, deverá fixar a quantia que considere razoável para compensar o dano sofrido. Para isso, pode o magistrado valer-se de quaisquer parâmetros sugeridos pelas partes ou, mesmo, adotados de acordo com sua consciência e noção de eqüidade, entendida esta na visão aristotélica de “justiça no caso concreto”.
Nesse sentido, ensina Washington de Barros Monteiro que “inexiste, de fato, qualquer elemento que permita equacionar com rigorosa exatidão o dano moral, fixando-o numa soma em dinheiro. Mas será sempre possível arbitrar um quantum, maior ou menor, tendo em vista o grau de culpa e a condição social do ofendido.”
Sobre a matéria, já escrevemos anteriormente que existem, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, diversas hipóteses legais de decisão por eqüidade.
Entre elas, podemos elencar, por exemplo, a previsão do art. 20 do Código de Processo Civil, no que diz respeito à fixação de honorários nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, nas em que não houver condenação ou em que for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, em que se delega ao prudente arbítrio do julgador a estipulação do quantum debeatur.
Claríssima, ainda, é a hipótese do art. 1.109, dizendo que, nos procedimentos de jurisdição voluntária, o "juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é. porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna."
Em todos estes casos, é facultado expressamente que o julgador possa valer-se de seus próprios critérios de justiça, quando vai decidir, não estando adstrito às regras, parâmetros ou métodos de interpretação pré-estabelecidos.
Conforme ensina Tércio Sampaio Ferraz, o "juízo por eqüidade, na falta de norma positiva, é o recurso a uma espécie de intuição, no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional. O intérprete deve, porém, sempre buscar uma racionalização desta intuição, mediante uma análise das considerações práticas dos efeitos presumíveis das soluções encontradas, o que exige juízos empíricos e de valor, os quais aparecem fundidos na expressão juízo por eqüidade."
É preciso, sem sombra de dúvida, que o magistrado, enquanto órgão jurisdicional, não fique com seu raciocínio limitado à busca de um parâmetro objetivo definitivo (que não existe, nem nunca existirá) para todo e qualquer caso, como se as relações humanas pudessem ser solucionadas como simples contas matemáticas.
Dessa forma, propugnamos pela ampla liberdade do juiz para fixar o quantum condenatório já na decisão cognitiva que reconheceu o dano moral. Saliente-se, inclusive, que se o valor arbitrado for considerado insatisfatório ou excessivo, as partes poderão expor sua irresignação a uma instância superior, revisora da decisão prolatada, por força do duplo (quiçá triplo ou quádruplo, se contarmos a instância extraordinária) grau de jurisdição.
Todavia, o ponto mais importante para o reconhecimento desta possibilidade ampla de arbitramento judicial é a observância rigorosa, com controle revisional rígido, da regra do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.
Com efeito, ao dispor que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”, a Constituição Federal estabeleceu a maior garantia do cidadão em face da atuação da Justiça dos homens.
De fato, ao se reconhecer o arbitramento judicial como o meio, por excelência, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral, não se outorgou, de forma alguma, o poder ao magistrado para dizer, sem quaisquer parâmetros, o valor X ou Y para a sua condenação.
Embora se admita a subjetividade desta questão, é preciso que o juízo “tire as máscaras” e assuma, publicamente, o motivo pelo qual arbitrou tal valor, o que exigirá dele um esforço intelectivo de monta, mas para o qual também deve estar preparado.
Nos próximos tópicos, apenas a título de sugestão (nunca com finalidade de apresentar uma relação taxativa), elencaremos alguns critérios utilizáveis para este arbitramento judicial.

03.02. Sugestões de Critérios para o Arbitramento Judicial.

a) Dias-multa

Conheçamos uma interessante fórmula para a quantificação do dano moral trabalhista, proposta pelo ilustre Ministro João Oreste Dalazen em elucidativo artigo, no qual propõe a utilização analógica do critério criminal dos “dias-multa”.
Seu raciocínio toma por base, inicialmente, o preceituado no art. 1.547 do Código Civil, que dispõe, in verbis:
“Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550)”
A norma supra transcrita toma por base duas hipóteses distintas de dano: enquanto o caput se refere aos reflexos patrimoniais do dano moral, o parágrafo único visa a fixar um parâmetro objetivo para a indenização do dano moral puro. Esse critério legal delimita que o valor da indenização será simplesmente a importância equivalente ao dobro da pena criminal cominada aos crimes de injúria, calúnia e difamação.
O problema é que, com a reforma da Parte Geral do Código Penal brasileiro, através da Lei nº. 7.209/84, extinguiu-se o balizamento quantitativo fixo do valor cominado a título de multa para os crimes contra a honra (art. 2º da referida lei). O que ainda persiste é a cominação genérica de “multa” para essas infrações criminais, mas a importância correspondente é alcançada através das diretrizes traçadas na Parte Geral do C.P.
A atual redação do art. 49 do Código Penal preceitua o seguinte:
“Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.”
Ora, aplicando-se de forma rígida a letra da lei, teríamos que considerar o quantitativo máximo de dias-multa (360 dias-multa), tomando também o valor unitário máximo do dia-multa (cinco salários mínimos)? Caso a resposta seja afirmativa, a indenização civil pelo dano moral alcançaria, em valores de abril/2001 (com o salário mínimo fixado em R$180,00), a importância de R$648.000,00 [360 dias-multa X R$900,00 (cinco salários mínimos de R$180,00) X 2 (o dobro determinado no parágrafo único do art. 1.547 do Código Civil) = R$648.000,00].
Nas próprias palavras de João Oreste Dalazen, semelhante “critério, salta à vista, em que pese aferrado à literalidade do Código Civil, afigura-se absolutamente inaceitável. A um, porque leva em conta duas vezes o ‘grau máximo da pena criminal’: o máximo de dias-multa e o máximo do valor unitário do dia-multa. Há, portanto, bis in idem inadmissível e quebra da regra básica de hermenêutica segundo a qual as normas que prevêem sanção interpretam-se restritivamente. A dois, além de prefixar em quantia exorbitante a indenização, tem o inconveniente de privar totalmente o magistrado de individualizar a multa criminal que seria devida e, por conseguinte, dosar a própria indenização.”
Respondendo a essas indagações, impõe-se lembrar que o art. 60 do Código Penal determina que na “fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu”, bem como, nos termos da previsão do art. 59 do mesmo diploma, “à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima”, regra básica para a individualização da pena criminal.
Em função de tais critérios, sintetiza o ilustre Ministro Dalazen os seus parâmetros de quantificação do dano moral trabalhista da seguinte forma:
“a) de um lado, em observância ao que estatui o parágrafo único do art. 1.547, do CC, imperioso levar-se em conta o quantitativo máximo de dias-multa (360) previsto no art. 49 do CP;
b) de outro lado, incumbe ao magistrado trabalhista, atuando como se fora juiz criminal, fixar o valor de cada dia-multa em montante que deve oscilar de um trigésimo do salário mínimo a cinco salários mínimos (art. 49, § 1º, do CP);
c) na tarefa de fixar o valor unitário do dia-multa, toca ao magistrado trabalhista nortear-se pelos critérios de individualização da pena criminal elencados nos artigos 59 e 60, do CP, bem como pelo princípio da razoabilidade que informa o Direito do Trabalho;
d) assim obtido o valor da multa criminal, duplicá-lo para se alcançar finalmente o montante da indenização civil” .
Assim sendo, com o salário mínimo estipulado em R$180,00, isso equivaleria dizer que a compensação pelo dano moral causado variaria entre um valor mínimo de R$3.117,60 (360 X R$6,00 X 2 = R$4.320,00) e um valor máximo de R$648.000,00 (360 X R$900,00 X 2 = R$648.000,00).
Como se isso não bastasse, pode ser invocada também a regra do § 1º do art. 60 do Código Penal, que preceitua:
“Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.
§ 1º. A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”
Ora, tal dispositivo, ao possibilitar que, nas hipóteses em que a multa máxima não gere os efeitos sancionatórios necessários “em virtude da situação econômica do réu”, o Juiz aumente a sanção até o triplo, leva, no nosso exemplo prático, a condenação à astronômica quantia de R$1.944.000,00 (hum milhão, novecentos e quarenta e quatro mil reais), o que ninguém, em seu juízo perfeito, pode considerar um valor ineficaz.
Em que pese, contudo, a precisa lógica do critério proposto, há algumas objeções a serem feitas.
Em primeiro, a duvidosa constitucionalidade da utilização do salário-mínimo como parâmetro para a obtenção do valor dos dias-multa, tendo em vista o que preceitua o art. 7º, IV da Constituição Federal de 1988 (“salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”) .
Em segundo lugar, o impedimento lógico-normativo de se aplicar este critério para hipóteses de danos morais que não consistam juridicamente nos tipos penais de injúria ou calúnia, tendo em vista que a previsão do art. 1.547 do Código Civil diz respeito a estas previsões.
Por fim, não se pode esquecer a natural resistência da dogmática jurídica tradicional, seja por preconceitos injustificados ou mesmo acomodação intelectual, em aplicar institutos de natureza criminal no processo trabalhista, o que, para nós, apesar de não ser um argumento jurídico-dogmático, pode constituir-se no maior obstáculo para a plena aceitação desse critério matemático.
De qualquer forma, não afastamos, por certo, o critério proposto, considerando-o válido, obviamente não como parâmetro exclusivo e definitivo, mas sim apenas como mais uma forma possível, a disposição do magistrado, de se quantificar a reparação do dano moral.
É importante destacar, inclusive, que essa proposta permite ampla margem de discricionariedade ao julgador, para, de forma cautelosa, estipular criteriosamente uma importância a título de indenização pelo dano moral pura.

b) Analogia à indenização por tempo de serviço.

Na pesquisa jurisprudencial que empreendemos para o desenvolvimento dessa dissertação, verificamos, em diversos acórdãos, a fixação analógica, como parâmetro para a quantificação da compensação pelo dano moral, do critério original de indenização pela despedida imotivada, contido no art. 478 consolidado.
Com efeito, dispõe o referido dispositivo, in verbis:
“Art. 478. A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a seis meses.
§ 1º. O primeiro ano de duração do contrato por prazo indeterminado é considerado como período de experiência, e, antes que se complete, nenhuma indenização será devida.
§ 2º. Se o salário for pago por dia, o cálculo da indenização terá por base 20 (vinte) dias (obs.: o parâmetro atual é de 30 dias)
§ 3º. Se pago por hora, a indenização apurar-se-á na base de 200 (duzentas) horas por mês (obs.: o parâmetro atual é de 220 horas)
§ 4º. Para os empregados que trabalhem à comissão ou que tenham direito a percentagens, a indenização será calculada pela média das comissões ou percentagens percebidas nos últimos 12 (doze) meses de serviço.
§ 5º. Para os empregados que trabalhem por tarefa ou serviço feito, a indenização será calculada na base média do tempo costumeiramente gasto pelo interessado para realização de seu serviço, calculando-se o valor do que seria feito durante trinta dias.”
Valendo-se desse parâmetro, verifique-se este acórdão, relatado pelo ilustre magistrado e jurista paraense Georgenor de Sousa Franco Filho:
“I. IMPROBIDADE - A improbidade deve ser provada de modo insusceptível de dúvidas, dado seus graves reflexos, inclusive na vida privada do trabalhador. Recurso patronal a que se nega provimento.
II. DANO MORAL. COMPETÊNCIA. INDENIZAÇÃO.
1. É competente a Justiça do Trabalho para apreciar demandas envolvendo indenização por dano moral decorrente de relação de emprego.
2. A indenização por dano moral, à falta de norma específica que disponha sobre os critérios para sua fixação, deve ser calculada adotando-se, por analogia, a regra da indenização por tempo de serviço.
3. O seu valor deve ser igual à maior remuneração mensal do trabalhador multiplicada pelo número de anos ou fração igual ou superior a seis meses de serviço prestado.” (TRT 8ª Reg., 4ª T., Ac. TRT RO nº. 3795/96, Rel. Juiz Georgenor de Sousa Franco Filho, grifos nossos).
Na nossa opinião, este é apenas mais um critério à disposição do julgador para a fixação do quantum debeatur.
Todavia, apresenta algumas vantagens práticas em relação a outros critérios objetivos adotados.
Primeiramente, ressalte-se que a analogia está expressamente prevista no texto consolidado como forma de integração do ordenamento jurídico, conforme se infere da redação do seu art. 8º .
Em segundo lugar, o fato de ser um critério previsto na própria legislação laboral facilitará, sem qualquer dúvida, sua aceitação nos pretórios trabalhistas, notadamente nos setores mais conservadores, tradicionalmente arredios à utilização de critérios estranhos ao Direito do Trabalho positivado.
Por fim, a simplicidade desta forma de quantificação, que fixa uma importância razoável em função do tempo de serviço do empregado, traz a segurança necessária para o julgador cauteloso, evitando-se abusos generalizáveis de fixação de indenizações milionárias.

c) Outras previsões legais de critérios de fixação do valor.

Para a fixação do valor da indenização, pode o juiz, aplicando também a analogia, valer-se de algumas outras previsões legais de critérios para a quantificação da reparação do dano moral.
Entre eles, lembramos, a título exemplificativo, o art. 84 do Código Nacional de Telecomunicações (Lei nº 4.117/63), que prevê que “na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa”.
O art. 53 da Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/67), por sua vez, estabelece que:
“Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civel, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido.”
Todos estes critérios podem ser utilizados pelo Juiz do Trabalho, de forma supletiva, para arbitrar a compensação pecuniária correspondente ao dano moral verificado, de forma a proporcionar uma condenação o mais próxima possível do ideal de Justiça no caso concreto.
Do ponto de vista prático, porém, consideramos salutar que o autor, em sua petição inicial, já sugira ao órgão julgador uma importância que considere razoável para a compensação do dano moral sofrido, justificando os parâmetros que o levaram a propor esse valor.
Assim, poderá o magistrado vislumbrar objetivamente, quando da sentença de cognição, alguns parâmetros médios para a quantificação do julgado, isso quando já não for conveniente prolatar a decisão líquida, o que agilizará e muito a prestação jurisdicional.

04. Algumas palavras sobre o bom senso do julgador.

Embora sejamos defensores da tese da ampla liberdade fundamentada do julgador para fixar a reparação do dano moral, isso não quer dizer que o juiz esteja autorizado a fixar desarrazoadas quantias a título de indenização por dano moral, eis que “Não se paga a dor, tendo a prestação pecuniária função meramente satisfatória” (STJ, 2ª T., Proc. REsp 37.374-MG, Rel. Min. Hélio Mosimann, julgado em 28.09.94).
Sobre esta questão, veja-se este trecho do voto do eminente Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, no Ac. TRT-RO 3.608/94:
“A indenização é excessiva. Isso porque não se pode perder de vista que o seu principal fundamento foi a afronta à honra e à credibilidade do reclamante. Logo, a mesma deveria compensá-lo em relação a um período que seria suficiente para acalmar os ânimos na localidade, palco de todo o ocorrido, tempo este que possibilitaria ao reclamante refazer a sua imagem. Não se cogita, aqui, de um possível prosseguimento do vínculo até a aposentadoria do autor, já que o objetivo da presente ação era exatamente resguardar o patrimônio moral do reclamante. Dessa forma, entendo que o prazo de cinco anos é mais que razoável a esta finalidade, motivo pelo qual reduzo a condenação ao pagamento dos salários e demais vantagens (férias, gratificações natalinas e FGTS) a este período.”
A indenização por dano moral deve ter justamente esta função compensatória, o que implica dever sua estipulação limitar-se a padrões razoáveis, não podendo se constituir numa “premiação” ao lesado.
A natureza sancionadora não pode justificar, a título de supostamente aplicar-se uma “punição exemplar”, que o acionante veja a indenização como um “prêmio de loteria”, “baú da felicidade” ou “poupança compulsória” obtida às custas do lesante.
A inobservância dessas recomendações de cautela somente fará desprestigiar o Poder Judiciário Trabalhista, bem como gerar a criação de uma “indústria de litigiosidade sobre a honra alheia”, algo condenável jurídica, ética e moralmente.
Nas palavras de João de Lima Teixeira Filho:
“Precisamente porque sua função é satisfatória, descabe estipular a indenização como forma de ‘punição exemplar’, supostamente inibidora de reincidências ou modo de eficaz advertência a terceiros para que não incidam em práticas símiles. Os juízes hão que agir com extremo comedimento para que o Juidiciário não se transforme, como nos Estados Unidos, num desaguadouro de aventuras judiciais à busca de uma sorte grande fabricada por meio dos chamados punitive damages e suas exarcebadamente polpudas e excêntricas indenizações.”

05. Considerações finais.

Sem pretender esgotar a matéria, estas são as contribuições que apresentamos para o debate sobre a “liquidação da reparação do dano moral trabalhista”.
Muitas outras poderiam ser aqui feitas, mas preferimos apenas sistematizar o quanto já exposto, lembrando, mais uma vez, que não existe um único critério absoluto, pelo menos no vigente ordenamento jurídico positivo, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral.
Como dissemos, embora defendamos arduamente a ampla liberdade do julgador para fixar a reparação do dano moral, isso não o autoriza a estipular importâncias desarrazoadas quantias a este título.
E o controle desta razoabilidade se dará, sem sombra de qualquer dúvida, pelo próprio Poder Judiciário, que deve exigir, de forma rigorosíssima, o cumprimento da obrigação constitucional de fundamentação das decisões, o que implica na explicitação, pelo juízo de qualquer instância, do que o levou a fixar tal valor como sanção pela conduta ilícita do réu.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Princípios Internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário

Princípios Internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário
Gabriela Neves Delgado
Advogada; Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.

RESUMO: Nas ciências jurídicas os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. O Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário têm como princípio matriz o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico. O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Direito Previdenciário. Princípios Internacionais. Direitos Humanos.

1 Introdução

A palavra "princípio" traduz, na Língua Portuguesa, a ideia de "origem, começo, causa primária, base ou germe" 1.

Para Antônio Houaiss significa, ainda, "proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos" e, nesta dimensão, "proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia o raciocínio" 2.

Nas ciências, a palavra "princípio" é apreendida com sentido similar. Ou seja, os princípios são compreendidos como proposições ideais construídas a partir de dada realidade e direcionadas à compreensão da realidade examinada 3. São, portanto, proposições básicas e fundamentais de um sistema, que lhe garantem validade e legitimidade 4.

Nas ciências jurídicas, os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a eles se reportam, informando-o 5.

No Direito, os princípios cumprem funções diferenciadas.

Na fase pré-jurídica ou política, os princípios despontam como proposições fundamentais que influenciam, enquanto veios iluminadores, à elaboração de regras e institutos jurídicos. Nesse momento, os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se apresentam como fatores de influência na produção da ordem jurídica 6.

Na fase jurídica, os princípios desempenham funções diferenciadas, a seguir destacadas.

Revelam-se como princípios informativos ou descritivos quando auxiliam no processo de interpretação, contribuindo para a compreensão de regras e institutos jurídicos 7. Podem também cumprir o papel de fonte supletiva ou subsidiária do Direito, no caso da falta de regra jurídica própria utilizada pelo intérprete e aplicador do Direito em face de um caso concreto art. 8º, CLT; art. 4º, LICC, e art. 126, CPC 8.

Além das duas funções tradicionais destacadas, a doutrina contemporânea também identifica a função normativa própria dos princípios, reconhecendo-os por sua natureza de norma jurídica efetiva, e não de simples enunciado meramente programático, não vinculante 9. Essa é uma das razões, inclusive, para a qualificação dos princípios como "normas-chave" 10 ou "super-fonte" 11 do sistema jurídico, "verdadeiros mandamentos de otimização" 12 da ordem jurídica.

Nessa linha de reflexão, sobretudo a partir do destaque dado à função contemporânea dos princípios, é que se passou a concluir que as normas jurídicas revelam em si caráter duplo, ou seja, exteriorizam-se ao mesmo tempo como regras e princípios 13.

2 Princípios de Direitos Humanos

A formulação teórica sobre os Direitos Humanos é tarefa vasta e complexa, que exige do intérprete a sistematização de seus principais aspectos e prismas a partir de perspectivas diferenciadas de ordem filosófica, internacional e constitucional. O que importa, em verdade, é que tais perspectivas se ordenem a partir de um centro comum, que é a concepção de dignidade da pessoa humana, valor-fonte na contemporaneidade do Direito 14.

A existência dos Direitos Humanos foi justificada, originariamente, pelo jusnaturalismo, corrente do pensamento filosófico que considerava os homens dotados de direitos naturais anteriores à formação da sociedade, direitos que lhes pertenciam, pura e simplesmente, pelo fato de serem humanos. Foi com o contratualismo, todavia, que despontou a exigência de reconhecimento e garantia dos direitos do homem pelo Estado, a fim de que se tornassem juridicamente exigíveis 15.

Atualmente, predomina concepção voltada para a historicidade dos Direitos Humanos. Nessa perspectiva, os Direitos Humanos apresentam-se, no curso histórico, a partir de três momentos distintos do fenômeno jurídico: o da conscientização da existência de direitos naturais, evidentes à razão; o da positivação de direitos; e, finalmente, o da efetivação de direitos, eis que reconhecidos e concretizados no plano social 16.

Quanto à identificação dos Direitos Humanos, foram eles tradicionalmente classificados em gerações de direitos, conforme o momento histórico em que surgiram 17.

Há que se ressaltar, por oportuno, o fortalecimento, na doutrina, do uso da expressão "dimensão de direitos" em contraponto à clássica "geração de direitos", na tentativa de se evitar a compreensão de que os direitos encontram-se, no curso histórico, num processo de necessária alternância 18.

No curso do Estado Liberal de Direito desenvolveram-se os direitos de primeira dimensão ou direitos da liberdade civis e políticos , que valorizam o homem enquanto indivíduo singular, livre e independente do Estado 19.

Os direitos civis, conquistados no século XVIII, fundamentam a concepção liberal clássica de direitos. Os políticos, oriundos do século XIX, referem-se à liberdade de associação e participação política, eleitoral ou sindical 20.

Durante o Estado Social de Direito predominaram os direitos de segunda dimensão ou direitos da igualdade sociais, culturais e econômicos , que valorizam o homem enquanto indivíduo pertencente a uma coletividade institucionalizada por um poder estatal de intervenção 21.

Em meados do século XX, com o Estado Democrático de Direito, exaltam-se os direitos de terceira dimensão ou direitos de fraternidade e solidariedade, eminentemente difusos 22.

Há que se ressaltar que os Direitos Humanos não se revelam de forma estanque na marcha histórica. Por essa razão, inclusive, é que são identificados a partir de seu caráter indivisível, interdependente e inter-relacionado princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, há uma interseção permanente do "catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais" 23.

Os princípios de Direitos Humanos, enquanto postulados básicos dos sistemas jurídicos contemporâneos ocidentais, irradiam-se por todos eles, informando-os. Seu valor-fonte é a dignidade do ser humano, pressuposto indispensável para a sua construção normativa.

A dignidade é, pois, valor de referência do pensamento jurídico e político moderno 24, apresentando-se no gênero humano sem fronteiras.

A compreensão de que o ser humano é o centro convergente dos Direitos Humanos é fundamento indispensável para a construção do arcabouço principiológico da Ciência do Direito, ainda mais quando se trata de direitos sociais, como é o caso do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário.

Veja que o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário, respeitadas suas particularidades, têm como princípio matriz, considerada a ordem internacional e a legislação pátria, o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico.

O princípio da proteção, à luz do Direito do Trabalho, informa a necessidade desse ramo jurídico estruturar, através de seu complexo normativo, uma teia de proteção à parte hipossuficiente da relação de emprego o empregado e, por determinação constitucional, o trabalhador avulso , de modo a atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio fático inerente às partes contratantes, além de promover melhores condições de pactuação da força de trabalho 25.

O princípio da proteção, para o Direito Previdenciário, ressalta o direito de todo trabalhador de ser protegido pelo Estado em face de determinada contingência o designado "risco social" , sob pena de perecimento. Destaca, ainda, o dever do Estado de suportar tais contingências, quando houver eventos impeditivos da aquisição de meios habituais de subsistência pelo próprio trabalhador 26.

Evidentemente que no plano do Direito Previdenciário a tutela se estende por além da pessoa do trabalhador, atingindo também sua família, além de abranger outros segurados que não se enquadrem na posição efetiva de trabalhador ilustrativamente, profissionais liberais, empresários, entre outros.

O princípio da solidariedade social conclama pela necessidade de contribuição coparticipada da sociedade para o sustento de seus cidadãos. Corresponde, portanto, à universalização da técnica de proteção social.

Para Wladimir Novaes Martinez, a solidariedade ou solidarismo é "instituição humana profunda e permeia toda a organização social". Eleita como um dos objetivos permanentes da sociedade brasileira, adota como estratégia de proteção "a obrigatoriedade de pessoas com maior capacidade contributiva aportarem recursos a favor de si e de outros seres humanos sem essa força de contribuição" 27. Ou seja, as pessoas mais abastadas contribuem com parcela maior em relação aos mais empobrecidos 28. Nas palavras de Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão, "os que possuem rendimentos mais baixos se beneficiam da participação financeira dos que têm maior capacidade econômica" 29.

3 A Tutela dos Direitos Humanos

Quanto à tutela dos Direitos Humanos, três grandes eixos jurídicos de proteção, necessariamente complementares e interdependentes, se apresentam. São eles: eixo global, regional e nacional.

O primeiro eixo jurídico de proteção, de amplitude universal, refere-se aos direitos estabelecidos na ordem internacional tratados e convenções, por exemplo que refletem um patamar civilizatório universal de direitos compartilhados pelos Estados.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, integram a Carta Mundial dos Direitos Humanos.

Para Arnaldo Süssekind, tais diplomas revelam-se como direitos comuns da humanidade, dado seu grau de importância e universalismo comprovado 30.

O segundo eixo jurídico de proteção é composto pelos sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos, com destaque para os da Europa, América e África. Há também um sistema árabe e a "proposta de criação de um sistema regional asiático" 31.

Finalmente, o terceiro eixo jurídico de proteção é o nacional, cuja representação se dá especialmente pela previsão dos direitos fundamentais nas constituições, como é o caso brasileiro com a CF/88, marco jurídico da institucionalização dos Direitos Humanos no país. Como os diversos eixos jurídicos de proteção devem interagir em benefício dos indivíduos protegidos e o que importa é o grau de eficácia dessa proteção , deve-se aplicar, em cada caso concreto, "a norma que ofereça melhor proteção à vítima" 32, adotando-se o valor da dignidade da pessoa humana como referência maior para o seu cotejo. No caso do Direito do Trabalho, a norma mais favorável ao trabalhador será identificada pela teoria do conglobamento 33.

É, porém, pela vedação a qualquer medida de retrocesso social que os Direitos Humanos demonstram seu caráter progressivo decisivo princípio da vedação do retrocesso social 34.

O princípio da progressividade, em específico, pode ser analisado por meio das perspectivas estática e dinâmica. A perspectiva estática destaca a existência de um núcleo duro de direitos que deve ser efetivado independentemente das condições econômicas e culturais de cada país ou do processo de ratificação dos diplomas internacionais caso os estados-membros adotem formalmente o processo de ratificação. É a hipótese, por exemplo, da Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em sua 86ª sessão, em Genebra, a qual independe de ratificação pelos estados-membros para ser efetivada, considerado o destaque do patamar civilizatório de direitos que apresenta 35.

Quanto à perspectiva dinâmica, o princípio da progressividade exige que as normas internacionais aperfeiçoem a legislação nacional, não sendo adotadas, em hipótese alguma, para diminuir o padrão de proteção já firmado.

Resta comprovado o sentido bidirecional de referido princípio: determinar e estimular a progressão social, além de vedar medidas de retrocesso 36.

Por todas as razões expostas é que há de se ressaltar que os eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos revelam em seu conteúdo um prisma ético, já que exaltam o homem em sua condição valorosa e superior de ser humano, o que significa, em outra medida, o direito de viver em elevadas condições de dignidade.

4 A Tutela dos Direitos Humanos Trabalhistas e Previdenciários: uma Análise a partir dos Princípios Internacionais Decorrentes

A tutela dos direitos trabalhistas e previdenciários também pode ser identificada a partir dos eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos como um todo eixos internacional, regional e nacional.

O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagra princípios fundamentais da ordem jurídica internacional, sendo considerada fonte de máxima hierarquia no Direito 37.

Tamanha sua importância, "a Declaração transformou os direitos humanos num tema global e universal no sistema internacional e traçou a vis directiva de uma política do Direito voltada para a positivação dos Direitos Humanos no âmbito do Direito Internacional Público" 38.

No plano do Direito Individual do Trabalho, ressalta o direito de todo homem, sem qualquer distinção, a igual remuneração por igual trabalho; o direito a uma remuneração justa e satisfatória; o direito a repouso e lazer, inclusive com a limitação razoável das horas de trabalho; o direito às férias remuneradas periódicas; o direito ao trabalho; à livre escolha de emprego; a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

No plano do Direito Coletivo do Trabalho, assegura ao homem o direito de organizar sindicatos e a neles ingressar para proteger seus interesses.

No âmbito previdenciário, assegura ao homem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

A Declaração da Filadélfia declaração relativa aos fins e objetivos da OIT , de 1944, arrola os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho.

O primeiro de seus princípios afirma que "o trabalho não é uma mercadoria".

A afirmação do valor trabalho digno nas principais economias capitalistas ocidentais desponta como um dos marcos da estruturação da democracia social no mundo contemporâneo 39. Onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado por meio, sobretudo, da garantia dos direitos fundamentais de indisponibilidade absoluta não haverá dignidade humana que sobreviva. É, portanto, pelo trabalho digno que o homem encontra sentido para a vida. Nesse contexto, o Direito do Trabalho é o principal instrumento de desmercantilização do labor humano na economia capitalista, favorecendo esse trabalho com regras superiores aos simples imperativos do mercado 40.

O segundo princípio da Declaração da Filadélfia é o que manifesta a liberdade de expressão e de associação como condições indispensáveis a um progresso ininterrupto.

A liberdade de expressão e de associação firma a participação de toda a sociedade no Estado Democrático de Direito, garantindo a manifestação franca do pensamento e a larga possibilidade associativa no país.

A previsão do pluralismo político, no caso brasileiro, é exemplo do reconhecimento da liberdade de expressão, assim como o princípio da livre manifestação do pensamento 41.

Quanto à liberdade de associação, preceitua o art. 8º da CF/88 o direito à livre associação profissional ou sindical, independentemente de autorização dos entes públicos 42.

O terceiro princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho dispõe que "a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral".

A pobreza extrema e a exclusão social violam a dignidade da pessoa humana. Uma das alternativas para diminuir as desigualdades sociais se dá pela efetivação e generalização do Direito do Trabalho, por ser ele "o mais generalizante e consistente instrumento assecuratório de efetiva cidadania, no plano socioeconômico, e de efetiva dignidade, no plano individual" 43.

Finalmente, o quarto princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho expressa que "a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade com os do governo, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum".

A luta contra a carência constitui um dos principais objetivos da OIT e deverá ser promovida por meio de participação dos representantes dos empregados, empregadores e governo estratégia do "diálogo social" ou "tripartismo".

Além de discriminar os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho, a Declaração da Filadélfia afirma que a paz, para ser duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais revela perfeita sintonia com os princípios sociais consagrados pelas inúmeras convenções e recomendações da OIT. No entanto, conforme ensina Arnaldo Süssekind, o nível de proteção dos instrumentos adotados pela OIT supera, em muitos casos, as garantias inseridas no Pacto. Além disso, muitos preceitos do Pacto, ao contrário do que ocorre com a maioria das convenções da OIT, são de caráter promocional - o que, evidentemente, não desobriga os Estados que o ratificaram de implantarem suas normas progressivamente 44.

O que se percebe é que a OIT, desde sua criação, em 1919, pelo Tratado de Versalhes, demonstra preocupação permanente em proteger o trabalhador, assegurando-lhe condições dignas de trabalho e de seguridade social.

Importante iniciativa nesse sentido foi tomada pela OIT, no seio da 86ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, em que foi elaborada a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho doravante, Declaração de 1998.

Dito instrumento normativo definiu como direitos humanos básicos dos trabalhadores, os direitos à liberdade de associação e à negociação coletiva Convenção 87 da OIT, não ratificada pelo Brasil e Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil ; à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório Convenções 29 e 105 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil ; à efetiva abolição do trabalho infantil Convenções 138 e 182 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil e à eliminação da discriminação no que diz respeito ao emprego e à ocupação Convenções 100 e 111 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil.

Em razão da posição especial que os direitos humanos básicos dos trabalhadores ocupam, a Declaração de 1998 enfatiza que todos os estados-membros estão obrigados a respeitá-los, promovê-los e efetivá-los, pelo único motivo de se terem filiado à OIT e, portanto, independentemente de terem ratificado as Convenções da Organização que tratam do assunto 45.

Aos estados-membros é assegurada liberdade para definir a forma que os direitos serão incorporados ao seu ordenamento jurídico, sendo o processo de ratificação apenas uma das opções. Assim, é possível adaptar as diretrizes da OIT às particularidades de cada país 46.

Certamente, o respeito aos direitos humanos dos trabalhadores implicará na concretização dos principais objetivos da OIT: promover o trabalho digno e, assim, "garantir que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de um real desenvolvimento social" 47.

5 Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos: Breve Análise da Integração no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Os tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil integram o rol de suas fontes formais heterônomas.

Quando os tratados e convenções internacionais são ratificados no Brasil, ingressam na ordem jurídica interna com o status de norma infraconstitucional, com a qualificação de lei ordinária. Isso significa que se submetem aos critérios de constitucionalidade existentes, podendo ser declarados inválidos, mesmo após ratificados, se houver afronta a regra ou princípio constitucional 48.

Com a reforma do Poder Judiciário, promulgada em dezembro de 2004 EC 45 , os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos adquiriram status de emenda constitucional, mas desde que aprovados com ritos e quorum similares aos de emenda constitucional 3/5 de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos 49.

Em dezembro de 2008, o STF modificou em parte sua jurisprudência ao determinar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos têm patamar supralegal acima das leis ordinárias e complementares. Caso sua ratificação seja feita com o quorum especial das emendas constitucionais - e apenas nessa hipótese -, alcançam status de emenda constitucional 50.

Caso haja situação de conflito entre as regras de diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e diplomas legais internos, prevalece, conforme já ressaltado, o princípio da norma mais favorável ao trabalhador identificado por meio da teoria do conglobamento , como critério de solução do conflito normativo.

6 Considerações Finais

As propostas de desregulamentação estatal e de flexibilização trabalhista, além de romperem com a diretriz protetiva do Direito do Trabalho e, de certo modo, do próprio Direito Previdenciário , também fragilizam o sentido de dignidade humana, inerente a qualquer trabalho, base da seguridade social.

Os princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário, alçados à condição de Direitos Humanos, representam o avesso às propostas de desregulamentação estatal e de flexibilização trabalhista, por centralizarem o homem em seu valor maior de ser humano. Promovem, assim, uma visão humanitária dos direitos sociais, revelando o trabalho digno e a seguridade social como direitos fundamentais universais.

Enfim, a matriz filosófica dos diversos instrumentos internacionais de proteção social identificados realça o sistema da seguridade social e o valor-trabalho a partir de uma perspectiva ética, com suporte na dignidade do ser humano.

Obviamente que além do reconhecimento da importância social dos princípios de direitos humanos dos trabalhadores é preciso também concretizá-los, viabilizando sua afirmação ética, enquanto elemento indispensável para a constituição, crescimento e realização do sujeito-trabalhador.

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VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos das crianças e dos adolescentes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

VIEIRA, Listz. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997.

NOTAS
1 - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio - século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1369.
2 - HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2299.
3 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 171.
4 - CRETELLA Jr., José. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3.
5 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 172.
6 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 174.
7 - Idem, p. 174-175.
8 - Ibidem.
9 - Sobre a função normativa própria dos princípios, consultar: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4. ed. Brasília: UnB, 1994; ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
10 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. cit., p. 257.
11 - FLÓREZ-VALDEZ, Joaquín Arce y. Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990. p. 53 e 56.
12 - ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Op. cit., p. 86.
13 - Idem, p. 83.
14 - Sobre o valor da dignidade e o valor da dignidade no trabalho, consultar: DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.
15 - BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale et alii. Coord. João Ferreira e Rev. João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cascais. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 253. v. 1.
16 - SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 82, p. 15-69, jan. 1996, p. 16.
17 - MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e "status". Rio de Janeiro: Zahar, 1967; BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Op. cit.
18 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 53.
19 - VIEIRA, Listz. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 22.
20 - Ibidem.
21 - Ibidem.
22 - Idem, p. 23. Sobre o tema dos direitos difusos, consultar também: VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos das crianças e dos adolescentes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
23 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004, p. 22.
24 - BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
25 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 183; RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 28, 42 e 43.
26 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: LTr, 1992. p. 49-70.
27 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. Op. cit., p. 29.
28 - GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 28.
29 - SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho e previdência social: pareceres. São Paulo: LTr, s.d.. p. 285.
30 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1987. p. 325.
31 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
32 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
33 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 166.
34 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Op. cit., p. 415.
35 - Sobre o tema, consultar: BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Op. cit.
36 - REIS, Daniela Muradas. Contributo ao Direito Internacional do Trabalho: a reserva implícita ao retrocesso sociojurídico do trabalhador nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, UFMG, Belo Horizonte, 2007. Consultar também: REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
37 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. v. II. p. 1403. Consultar, ainda: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil 1948 - 1997 : as primeiras cinco décadas. 2. ed. Brasília: UnB, 2000. p. 23-27.
38 - LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: o desafio de ter direitos. Apud AGUIAR, Odílio Alves; PINHO, Celso de Moraes; FRANKLIN, Karen. Filosofia e direitos humanos. Fortaleza: UFC, 2006. p. 30.
39 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2005. p. 28-29.
40 - DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. Op. cit., p. 207.
41 - ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. A Organização Internacional do Trabalho e a Proteção dos Direitos Humanos Sociais do Trabalhador. Revista LTr, v. 71, p. 604-615, 2007. Consultar também: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009.
42 - Essa liberdade, na Constituição brasileira, não dispensa o registro no órgão competente art. 8º, II, CF/88 e Súmula nº 677, STF.
43 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. Op. cit., p. 142.
44 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. Op. cit., p. 325.
45 - ANDRADE, Fernanda Rodrigues Guimarães. Direitos humanos dos trabalhadores: uma análise da Declaração da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. Projeto de pesquisa orientado pela Profa. Dra. Gabriela Neves Delgado e apresentado, pela aluna bolsista, ao Programa de Iniciação Científica da FAPEMIG. Elaborado conforme as diretrizes do NAPq da Faculdade de Direito da UFMG. 2010.
46 - Ibidem.
47 - Ibidem.
48 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 144-145.
49 - § 3º do art. 5º da CF/88, inserido pela EC 45/04.
50 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 144.


Informações bibliográficas:
DELGADO, Gabriela Neves. Princípios Internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 18 nov. 2010. Disponível em: http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=868. Acesso em: 22 nov. 2010.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

PDV não quita dívidas trabalhistas não especificadas em recibo.

O valor de indenização correspondente ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) pago pela Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores Ltda. não pode ser utilizado para compensar dívidas trabalhistas devidas ao empregado e não especificadas no recibo de quitação.

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho não acatou recurso da Volkswagen e manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (SP) contra a compensação pretendida pela empresa.

No caso, o trabalhador aderiu ao PDV e recebeu R$ 31,7 mil como indenização pela adesão ao plano. Descontente com a decisão da empresa, que utilizou esse valor para quitar as dívidas trabalhistas, ele ajuizou ação na Justiça do Trabalho.

No entanto, de acordo com a Volkswagen, ao aderir ao plano, o empregado teria, com assistência sindical, dado quitação geral do contrato de trabalho. A empresa informou, ainda, que estabeleceu acordo coletivo com o sindicato do ABC paulista em que está incluída uma cláusula com a garantia de que os empregados que aderiram ao PDV dariam, ao receber o pagamento do plano, “plena, geral e irrevogável quitação do contrato de trabalho.”

Derrotada na 3ª Vara do Trabalho em São Bernardo do Campo (SP), a empresa recorreu, sem sucesso, ao TRT. De acordo com o Regional, o acordo individual, mesmo com assistência sindical, “não pode transacionar ou renunciar, de maneira genérica, o direito que eventualmente tenha adquirido no curso do contrato de emprego.”

O TRT acrescentou que, de acordo com a CLT, "o instrumento de rescisão ou recibo de rescisão de contrato de trabalho (...) deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas."

Para o TRT, o valor recebido como incentivo ao desligamento tem a natureza de indenização pela extinção do contrato de emprego (§ 2º do artigo 477 da CLT), “não possui aptidão para atingir direitos que não foram apontados de maneira expressa no termo de quitação.”

Por último, a Volkswagen recorreu ao TST. O ministro Fernando Eizo Ono, relator do acórdão na Quarta Turma, destacou que a Orientação Jurisprudencial nº 270 da SDI-1 esclarece que a adesão a plano de desligamento voluntário produz quitação com relação apenas às parcelas e aos valores constantes do recibo.

Assim, o fato de o PDV estar previsto em norma coletiva e de o empregado estar assistido pelo sindicato de sua categoria no momento da adesão ao Plano, não permite a quitação plena pretendida pela empresa. (AIRR - 8440-31.2007.5.02.0463)


(Augusto Fontenele)


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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sindicato terá que pagar honorários advocatícios porque perdeu ação de cobrança.

Sindicato terá que pagar honorários advocatícios porque perdeu ação de cobrança.


A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Tipo Artesanal a pagar honorários advocatícios de sucumbência (por ter perdido a causa) em processo contra o Sindicato das Indústrias de Instalações Elétricas, Gás, Hidráulicas e Sanitárias, ambos do Estado de São Paulo.

O colegiado acompanhou, por unanimidade, voto de relatoria da juíza convocada, Maria Doralice Novaes, no sentido de que, como a discussão no caso era sobre cobrança de imposto sindical, ou seja, matéria de natureza civil, os honorários advocatícios não recebem o mesmo tratamento dado aos honorários advocatícios assistenciais, nos termos da Súmula nº 219 do TST.

Pela súmula, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não ocorre apenas pela perda da causa, mas a parte também pode estar assistida por sindicato da categoria profissional, comprovar que recebe menos de dois salários mínimos ou declarar que não tem condições de pagar as despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da família.

De acordo com a juíza Doralice, os honorários advocatícios assistenciais são devidos apenas quando se trata de trabalhador individual, beneficiário da justiça gratuita, cuja assistência jurídica é promovida pelo sindicato (Orientação Jurisprudencial nº 305 da Seção I de Dissídios Individuais do TST). Já os honorários advocatícios do processo em exame são devidos em razão da mera sucumbência, tendo em vista a natureza civil da ação.

A relatora destacou ainda que essa condenação em honorários advocatícios é conseqüência das novas atribuições da Justiça do Trabalho, previstas na Emenda Constitucional nº 45/2004. Foi a partir da promulgação da emenda que a Justiça do Trabalho ganhou competência para julgar ações de representação sindical: entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores.

Para se adaptar à nova realidade, o TST, inclusive, regulamentou o assunto na Instrução Normativa nº 27/2005 (artigo 5º), ao determinar que, “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência”.

O Tribunal do Trabalho da 2ª Região (SP) tinha entendido que não era possível a condenação em honorários advocatícios no caso. Para o TRT, nas ações trabalhistas, a responsabilidade pela verba honorária não é definida pela sucumbência, e deve seguir o que estabelece a Lei nº 5.584/70.

Entretanto, a relatora Maria Doralice concluiu que a sistemática adotada na mencionada lei para a condenação em honorários advocatícios não pode mais ser exigida para as ações propostas na Justiça do Trabalho, em função das novas competências trazidas pela EC nº 45/2004. Assim, nas ações de natureza civil, os honorários são devidos pela mera sucumbência.

A Sétima Turma deu provimento ao recurso de revista do Sindicato das Indústrias para condenar o Sindicato da Micro e Pequena Indústria ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, no percentual de 15%, na forma do artigo 20, §3º, do CPC, segundo o qual o vencido pagará ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.
( RR-18040-21.2007.5.02.0061)

(Lilian Fonseca)

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terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Liquidação da Reparação do Dano Moral Trabalhista

A Liquidação da Reparação do Dano Moral Trabalhista

Rodolfo Pamplona Filho

Sumário: 01. Introdução. 02. Conceitos básicos sobre o dano moral. 02.01. Conceito e denominação. 02.02. Natureza jurídica da reparação do dano moral. 03. A reparação pecuniária do dano moral. 03.01. O arbitramento judicial como critério de quantificação por excelência. 03.02. Sugestões de critérios para o arbitramento judicial. a) Dias-multa. b) Analogia à indenização por tempo de serviço. c) Outras previsões legais de critérios de fixação do valor. 04. Algumas palavras sobre o bom senso do julgador. 05. Considerações finais.

01. Introdução.

Talvez uma das grandes questões jurídicas deste novo século seja o problema da reparação dos danos morais, tema em grande voga na atualidade.
E dentro da grande gama de controvérsias decorrentes, uma que se reveste, muitas vezes, de cores dramáticas é a que se refere à quantificação das condenações em reparação de danos morais.
Para entendê-la, porém, em toda sua complexidade, vale a pena lembrar alguns conceituais fundamentais sobre o tema.

02. Conceitos Básicos sobre o Dano Moral.

Gramaticalmente, o termo "dano", segundo Aurélio Buarque de Holanda, tem as seguintes acepções:
"DANO. [Do lat., damnu.] S. m. 1. Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral: Grande dano lhe fizeram as calúnias. 2. Prejuízo material causado a algúem pela deterioração ou inutilização de bens seus. 3. Estrago, deterioração, danificação: Com o fogo, o prédio sofreu enormes danos.  Dano emergente. Jur. Prejuízo efetivo, concreto, provado. [Cf. lucro cessante.] Dano infecto. Jur. Prejuízo possível, eventual, iminente." .
Este verbete, ilustrativo quanto a sua forma, já nos demonstra com certa precisão a grande amplitude do vocábulo "dano".
O fato, como acentua Clayton Reis, "é que a concepção normalmente aceita a respeito do dano envolve uma diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência da ação lesiva de terceiros. A conceituação, nesse particular, é genérica. Não se refere, como é notório, a qual o patrimônio é suscetível de redução" .
É interessante, porém (diria mais, sintomático), que a primeira acepção proposta pelo maior dicionarista brasileiro para o termo dano já contemple a noção de prejuízo moral.
Isso porque, conforme aponta Gislene A. Sanches com bastante felicidade, “a ofensa a bens de caráter moral já estava implicitamente contida no conceito de dano, mas devido à resistência da doutrina até certo ponto e, principalmente, da jurisprudência, foi preciso adjetivar o substantivo dano para que adquirisse um conceito inequívoco.”
Sendo assim, passaremos a explicar didaticamente a sistemática do dano moral, começando pelo seu conceito e denominação.

02.01. Conceito e denominação.

O dano moral consiste no prejuízo ou lesão de interesses e bens, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente .
A apreensão deste conceito é fundamental para o prosseguimento do nosso estudo, notadamente no que diz respeito ao fato da lesão de se dar em direitos, “cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro.”
Repisamos esse aspecto de forma a afastar de nossa análise, de uma vez por todas, qualquer relação ao efeito patrimonial do dano moral ocorrido, pois muitos dos debates sobre a matéria (neste caso, bastante infrutíferos) residem na busca de uma quantificação do dano moral com base nos seus reflexos materiais.
Ora, se há reflexos materiais, o que se está indenizando é justamente o dano patrimonial decorrente do dano moral, e não este último propriamente.
Não é esta, definitivamente, a nossa proposta, pois pretendemos demonstrar a tutela dos direitos da personalidade pelo vigente ordenamento jurídico, com a possibilidade de compensações pecuniárias em caso de violações.
Apesar de já termos proposto um conceito de dano moral, faz-se mister tecer alguns comentários sobre a denominação utilizada.
Isso porque adotamos a expressão “dano moral” somente por esta estar amplamente consagrada na doutrina e jurisprudência pátria. Todavia, reconhecemos que a mesma não é tecnicamente adequada para qualificar todas as formas de prejuízo não fixável pecuniariamente.
Mesmo a expressão “danos extrapatrimoniais”, também de uso comum na linguagem jurídica , pode se tornar equívoca, principalmente se for comparada com a idéia de “patrimônio moral”, que abrange, entre outros bens jurídicos, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa.
Melhor seria utilizar-se o termo "dano não-material" para se referir a lesões do patrimônio imaterial, justamente em contraponto ao termo “dano material”, como duas faces da mesma moeda, que seria o patrimônio jurídico da pessoa, física ou jurídica.
Entretanto, como as expressões "dano moral" e "dano extrapatrimonial" encontram ampla receptividade, na doutrina brasileira, como antônimos de "dano material", estando, portanto, consagradas em diversas obras relevantes sobre o tema , utilizaremos indistintamente as três expressões (dano moral, dano extrapatrimonial e dano não-material), sempre no sentido de contraposição ao dano material.

02.02. Natureza jurídica da reparação do dano moral.

A premissa básica para se entender a reparação do dano moral é a compreensão de que a reposição natural não é possível na lesão aos direitos extrapatrimoniais da pessoa, eis que a honra violada jamais poderia ser restituída ao “status quo ante”.
Mas qual a natureza jurídica do pagamento?
Sancionadora, respondemos, sendo sanção entendida como a consequência lógico-normativa de um ato ilícito.
Então esse pagamento seria uma pena?
Para um segmento hoje minoritário da doutrina , que gozou de bastante prestígio em passado não longínquo, a reparação do dano moral não constituiria um ressarcimento, mas sim uma verdadeira “pena civil”, mediante a qual se reprovaria e reprimiria de maneira exemplar a falta cometida pelo ofensor.
Esta corrente de pensamento não dirigia suas atenções para a proteção da vítima ou para o prejuízo sofrido com a lesão, mas sim para o castigo à conduta dolosa do autor do dano. Somente isto justificaria o reconhecimento de uma indenização por dano moral, de modo que, nas palavras do jurista argentino Jorge J. Llambías, “no quede impune un hecho ilícito que ha mortificado malignamente a la víctima causándo-le una aflicción en su ánimo” .
Um dos fundamentos dogmáticos para esta construção doutrinária da “pena civil” estava justamente na suposta imoralidade da compensação do dano moral com dinheiro (o chamado “pretio doloris” - o “preço da dor”), objeção esta que já se encontra há muito superada, como vimos.
Por outro lado, não se pode afirmar que a reparação da dano moral se dá através de uma pena, tendo em vista que este instituto, do ponto de vista técnico, se presta a sancionar, como forma de repressão pública, quem lesiona, ainda que de forma mediata, interesses sociais.
Não é este o âmbito de atuação da responsabilidade civil, fundamento doutrinário pelo qual estamos estudando essa forma de pagamento, pois a reparação do dano moral, pela via pecuniária, visa a sancionar violações ocorridas na esfera privada de interesses.
Obviamente, não se despreza que o dano moral pode também motivar conseqüências lógico-normativas na esfera criminal, gerando a necessidade de uma repressão social, como nos casos de Calúnia, Difamação e Injúria, previstos respectivamente nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal.
E seria tal reparação uma indenização?
Apesar de ser essa a expressão tradicionalmente utilizada nos pretórios pátrios, o rigor técnico impõe que se reconheça que a resposta é negativa, haja vista que a noção de indenização também está intimamente relacionada com o “ressarcimento” de prejuízos causados a uma pessoa por outra ao descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito, significando a eliminação do prejuízo e das conseqüências, o que não é possível quando se trata de dano extrapatrimonial.
A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as conseqüências da lesão.
Na reparação do dano moral, o dinheiro não desempenha função de equivalência, como no dano material, mas sim, função satisfatória.
Quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família, não está definitivamente pedindo o chamado “pretio doloris”, mas apenas que se lhe propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as conseqüências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante.
Dessa forma, resta claro que a natureza jurídica da reparação do dano moral é sancionadora (como consequência de um ato ilícito), mas não se materializa através de uma “pena civil”, e sim por meio de uma compensação material ao lesado.
Essa nos parece a melhor solução, para que não continuemos a confundir logicamente o gênero “sanção” com a espécie “pena”, eis que esta última deve corresponder à submissão pessoal e física do agente, para restauração da normalidade social violada com o delito, enquanto a compensação (ou mesmo a indenização), pela teoria da responsabilidade civil, são sanções aplicáveis a quem viola interesses privados, como é o caso dos danos morais.
Não faltam, contudo, as teorias “ecléticas” que buscam classificar a reparação do dano moral como uma prestação de caráter duplo, em que coexistiriam a compensação e a “pena civil”.
Esse posicionamento, contudo, é questionado por alguns doutrinadores, notadamente no Direito Comparado.
Ramon Daniel Pizarro, por exemplo, questiona expressamente:
“?Cómo conciliar la tesis punitiva del daño moral, que parte de la base de la antijuridicidad e inmoralidad del resarcimiento del daño moral (“el precio del dolor”), com la tesis del resarcimiento que postula, como ya vimos, una cosmovisión totalmente diferente de la cuestión? ?Cómo conciliar ideas que son fruto de una ponderación individualista del Derecho y de la vida con otras que son resultado de una visión solidarista de la responsabilidad civil, obsesionada por la protección de la víctima? ?Como conciliar lo inconciliabre?”
Essa discussão, contudo, tem, para nós, importância somente acadêmica, pois mesmo nos filiando à corrente de pensamento, capitaneada pelo ilustre Orlando Gomes, que entende ser a reparação do dano moral uma sanção materializada através de uma compensação pecuniária, entendemos que a utilização do termo “indenização” não se constitui em uma aberração jurídica, mas sim apenas uma “atecnia consagrada jurisprudencialmente”.

03. A reparação pecuniária do dano moral.

Conforme observa João de Lima Teixeira Filho, “não há negar que a compensação pecuniária domina nas condenações judiciais, seja por influxos do cenário econômico, antes instável e agora em fase de estabilização, seja pela maior liberdade do juiz em fixar o quantum debeatur. Deve fazê-lo embanhado em prudência e norteado por algumas premissas, tais como: a extensão do fato inquinado (número de pessoas atingidas, de assistentes ou de conhecedoras por efeito de repercussão); permanência temporal (o sofrimento é efêmero, pode ser atenuado ou tende a se prolongar no tempo por razão plausível); intensidade (o ato ilícito foi venial ou grave, doloso ou culposo); antecedentes do agente (a reincidência do infrator deve agravar a reparação a ser prestada ao ofendido); situação econômica do ofensor e razoabilidade do valor.”
Dois são os sistemas que a dogmática jurídica oferece para a reparação pecuniária dos danos morais: o sistema tarifário e o sistema aberto.
No primeiro caso, há uma predeterminação, legal ou jurisprudencial, do valor da indenização, aplicando o juiz a regra a cada caso concreto, observando o limite do valor estabelecido em cada situação. Segundo nos informa Orlando Teixeira da Costa, é o que ocorre nos Estados Unidos da América do Norte .
Já pelo sistema aberto, atribui-se ao juiz a competência para fixar o quantum subjetivamente correspondente à reparação/compensação da lesão, sendo este o sistema adotado no Brasil.
Vejamos, nos próximos tópicos, algumas sugestões de critérios legais e doutrinários para a quantificação da reparação pecuniária do dano moral.
O que é importante deixar claro, porém, é que não existe um único critério absoluto, pelo menos no vigente ordenamento jurídico positivo, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral.

03.01. O arbitramento judicial como critério de quantificação por excelência.

Quanto ao ressarcimento dos danos morais, ensina Miguel Reale que se trata de um “domínio em que não se pode deixar de conferir ampla discricionariedade ao magistrado que examina os fatos em sua concretitude.
Nesse ponto, é inegável a existência de lacuna em nosso sistema legal, não se podendo invocar senão o disposto no art. 1.553 que prevê a fixação da indenização por arbitramento.
Eis uma norma translativa do problema de conteúdo, pertinente aos critérios de arbitramento, que não podem ser os usuais aplicáveis em assuntos de ordem econômica e patrimonial, exatamente em razão da natureza ‘não patrimonial’ do dano moral.
Penso que os critérios a serem aplicados, no arbitramento, devem resultar da natureza jurídica do dano moral, ou melhor da finalidade que se tem em vista satisfazer mediante a indenização.”
Dispõe o art. 1.553 do vigente Código Civil, referente à “Liquidação das Obrigações resultantes de atos ilícitos”, que, nos casos não previstos naquele capítulo, “se fixará por arbitramento a indenização”.
A doutrina nacional tem reconhecido a importância deste dispositivo, lembrando José de Aguiar Dias que “não é razão para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente exato, porque, em matéria de dano moral, o arbitrário é até da essência das coisas” , observando, inclusive, que “o arbitramento, de sua parte, é, por excelência, o critério de indenizar o dano moral, aliás, o único possível, em face da impossibilidade de avaliar matematicamente o pretium doloris” .
Em verdade, consideramos que o arbitramento é o procedimento natural da liquidação do dano moral, até mesmo por aplicação direta do art. 602 do Código de Processo brasileiro (notadamente seu inciso II), que dispõe, expressamente:
“Art. 606. Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:
I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;
II - o exigir a natureza do objeto da liquidação”
Ora, o objeto da liquidação da reparação pecuniária do dano moral é uma importância que compense a lesão extrapatrimonial sofrida. Não há como evitar a idéia de que, efetivamente, a natureza do objeto da liquidação exige o arbitramento, vez que os simples cálculos ou os artigos são inviáveis, na espécie.
Uma questão que normalmente é omitida por muitos dos que se aventuram a escrever sobre a responsabilidade civil por danos morais, no que diz respeito à sua liquidação é a seguinte: no arbitramento, a prova pericial é indispensável?
Tal questão tem como base o disposto no art. 607 do vigente digesto processual civil, que preceitua:
“Art. 607. Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará o perito e fixará o prazo para a entrega do laudo.
Parágrafo único. Apresentado o laudo, sobre o qual poderão as partes manifestar-se no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença ou designará audiência de instrução e julgamento, se necessário.”
A interpretação literal do dispositivo supra transcrito resultaria numa resposta positiva.
Contudo, não é esta a nossa visão sobre a matéria.
Com efeito, entendemos que a prova pericial é efetivamente o meio de liquidação natural para se aferir, por exemplo, danos materiais como os lucros cessantes.
É este o exemplo clássico apontado pelo ilustre Desembargador Paulo Furtado para as “hipóteses em que a sentença não pode, de logo, determinar que o quantum se apure por cálculo do contador, porque esse cálculo dependeria de atividade do ‘árbitro’, ou perito, que forneceria elementos de que não se dispõe ainda.”
Todavia, no que diz respeito à reparação dos danos morais, a prova pericial terá pouca (se não nenhuma!) valia, eis que inexistem dados materiais a serem apurados para a efetivação da liquidação.
Desta forma, a resposta à questão suscitada deve ser negativa.
Mas como pode ser procedida a liquidação por arbitramento sem a prova pericial?
A resposta nos parece lógica.
O Juiz, investindo-se na condição de árbitro, deverá fixar a quantia que considere razoável para compensar o dano sofrido. Para isso, pode o magistrado valer-se de quaisquer parâmetros sugeridos pelas partes ou, mesmo, adotados de acordo com sua consciência e noção de eqüidade, entendida esta na visão aristotélica de “justiça no caso concreto”.
Nesse sentido, ensina Washington de Barros Monteiro que “inexiste, de fato, qualquer elemento que permita equacionar com rigorosa exatidão o dano moral, fixando-o numa soma em dinheiro. Mas será sempre possível arbitrar um quantum, maior ou menor, tendo em vista o grau de culpa e a condição social do ofendido.”
Sobre a matéria, já escrevemos anteriormente que existem, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, diversas hipóteses legais de decisão por eqüidade.
Entre elas, podemos elencar, por exemplo, a previsão do art. 20 do Código de Processo Civil, no que diz respeito à fixação de honorários nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, nas em que não houver condenação ou em que for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, em que se delega ao prudente arbítrio do julgador a estipulação do quantum debeatur.
Claríssima, ainda, é a hipótese do art. 1.109, dizendo que, nos procedimentos de jurisdição voluntária, o "juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é. porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna."
Em todos estes casos, é facultado expressamente que o julgador possa valer-se de seus próprios critérios de justiça, quando vai decidir, não estando adstrito às regras, parâmetros ou métodos de interpretação pré-estabelecidos.
Conforme ensina Tércio Sampaio Ferraz, o "juízo por eqüidade, na falta de norma positiva, é o recurso a uma espécie de intuição, no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional. O intérprete deve, porém, sempre buscar uma racionalização desta intuição, mediante uma análise das considerações práticas dos efeitos presumíveis das soluções encontradas, o que exige juízos empíricos e de valor, os quais aparecem fundidos na expressão juízo por eqüidade."
É preciso, sem sombra de dúvida, que o magistrado, enquanto órgão jurisdicional, não fique com seu raciocínio limitado à busca de um parâmetro objetivo definitivo (que não existe, nem nunca existirá) para todo e qualquer caso, como se as relações humanas pudessem ser solucionadas como simples contas matemáticas.
Dessa forma, propugnamos pela ampla liberdade do juiz para fixar o quantum condenatório já na decisão cognitiva que reconheceu o dano moral. Saliente-se, inclusive, que se o valor arbitrado for considerado insatisfatório ou excessivo, as partes poderão expor sua irresignação a uma instância superior, revisora da decisão prolatada, por força do duplo (quiçá triplo ou quádruplo, se contarmos a instância extraordinária) grau de jurisdição.
Todavia, o ponto mais importante para o reconhecimento desta possibilidade ampla de arbitramento judicial é a observância rigorosa, com controle revisional rígido, da regra do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988.
Com efeito, ao dispor que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”, a Constituição Federal estabeleceu a maior garantia do cidadão em face da atuação da Justiça dos homens.
De fato, ao se reconhecer o arbitramento judicial como o meio, por excelência, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral, não se outorgou, de forma alguma, o poder ao magistrado para dizer, sem quaisquer parâmetros, o valor X ou Y para a sua condenação.
Embora se admita a subjetividade desta questão, é preciso que o juízo “tire as máscaras” e assuma, publicamente, o motivo pelo qual arbitrou tal valor, o que exigirá dele um esforço intelectivo de monta, mas para o qual também deve estar preparado.
Nos próximos tópicos, apenas a título de sugestão (nunca com finalidade de apresentar uma relação taxativa), elencaremos alguns critérios utilizáveis para este arbitramento judicial.

03.02. Sugestões de Critérios para o Arbitramento Judicial.

a) Dias-multa

Conheçamos uma interessante fórmula para a quantificação do dano moral trabalhista, proposta pelo ilustre Ministro João Oreste Dalazen em elucidativo artigo, no qual propõe a utilização analógica do critério criminal dos “dias-multa”.
Seu raciocínio toma por base, inicialmente, o preceituado no art. 1.547 do Código Civil, que dispõe, in verbis:
“Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550)”
A norma supra transcrita toma por base duas hipóteses distintas de dano: enquanto o caput se refere aos reflexos patrimoniais do dano moral, o parágrafo único visa a fixar um parâmetro objetivo para a indenização do dano moral puro. Esse critério legal delimita que o valor da indenização será simplesmente a importância equivalente ao dobro da pena criminal cominada aos crimes de injúria, calúnia e difamação.
O problema é que, com a reforma da Parte Geral do Código Penal brasileiro, através da Lei nº. 7.209/84, extinguiu-se o balizamento quantitativo fixo do valor cominado a título de multa para os crimes contra a honra (art. 2º da referida lei). O que ainda persiste é a cominação genérica de “multa” para essas infrações criminais, mas a importância correspondente é alcançada através das diretrizes traçadas na Parte Geral do C.P.
A atual redação do art. 49 do Código Penal preceitua o seguinte:
“Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário de quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.”
Ora, aplicando-se de forma rígida a letra da lei, teríamos que considerar o quantitativo máximo de dias-multa (360 dias-multa), tomando também o valor unitário máximo do dia-multa (cinco salários mínimos)? Caso a resposta seja afirmativa, a indenização civil pelo dano moral alcançaria, em valores de abril/2001 (com o salário mínimo fixado em R$180,00), a importância de R$648.000,00 [360 dias-multa X R$900,00 (cinco salários mínimos de R$180,00) X 2 (o dobro determinado no parágrafo único do art. 1.547 do Código Civil) = R$648.000,00].
Nas próprias palavras de João Oreste Dalazen, semelhante “critério, salta à vista, em que pese aferrado à literalidade do Código Civil, afigura-se absolutamente inaceitável. A um, porque leva em conta duas vezes o ‘grau máximo da pena criminal’: o máximo de dias-multa e o máximo do valor unitário do dia-multa. Há, portanto, bis in idem inadmissível e quebra da regra básica de hermenêutica segundo a qual as normas que prevêem sanção interpretam-se restritivamente. A dois, além de prefixar em quantia exorbitante a indenização, tem o inconveniente de privar totalmente o magistrado de individualizar a multa criminal que seria devida e, por conseguinte, dosar a própria indenização.”
Respondendo a essas indagações, impõe-se lembrar que o art. 60 do Código Penal determina que na “fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu”, bem como, nos termos da previsão do art. 59 do mesmo diploma, “à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima”, regra básica para a individualização da pena criminal.
Em função de tais critérios, sintetiza o ilustre Ministro Dalazen os seus parâmetros de quantificação do dano moral trabalhista da seguinte forma:
“a) de um lado, em observância ao que estatui o parágrafo único do art. 1.547, do CC, imperioso levar-se em conta o quantitativo máximo de dias-multa (360) previsto no art. 49 do CP;
b) de outro lado, incumbe ao magistrado trabalhista, atuando como se fora juiz criminal, fixar o valor de cada dia-multa em montante que deve oscilar de um trigésimo do salário mínimo a cinco salários mínimos (art. 49, § 1º, do CP);
c) na tarefa de fixar o valor unitário do dia-multa, toca ao magistrado trabalhista nortear-se pelos critérios de individualização da pena criminal elencados nos artigos 59 e 60, do CP, bem como pelo princípio da razoabilidade que informa o Direito do Trabalho;
d) assim obtido o valor da multa criminal, duplicá-lo para se alcançar finalmente o montante da indenização civil” .
Assim sendo, com o salário mínimo estipulado em R$180,00, isso equivaleria dizer que a compensação pelo dano moral causado variaria entre um valor mínimo de R$3.117,60 (360 X R$6,00 X 2 = R$4.320,00) e um valor máximo de R$648.000,00 (360 X R$900,00 X 2 = R$648.000,00).
Como se isso não bastasse, pode ser invocada também a regra do § 1º do art. 60 do Código Penal, que preceitua:
“Art. 60. Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.
§ 1º. A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo”
Ora, tal dispositivo, ao possibilitar que, nas hipóteses em que a multa máxima não gere os efeitos sancionatórios necessários “em virtude da situação econômica do réu”, o Juiz aumente a sanção até o triplo, leva, no nosso exemplo prático, a condenação à astronômica quantia de R$1.944.000,00 (hum milhão, novecentos e quarenta e quatro mil reais), o que ninguém, em seu juízo perfeito, pode considerar um valor ineficaz.
Em que pese, contudo, a precisa lógica do critério proposto, há algumas objeções a serem feitas.
Em primeiro, a duvidosa constitucionalidade da utilização do salário-mínimo como parâmetro para a obtenção do valor dos dias-multa, tendo em vista o que preceitua o art. 7º, IV da Constituição Federal de 1988 (“salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”) .
Em segundo lugar, o impedimento lógico-normativo de se aplicar este critério para hipóteses de danos morais que não consistam juridicamente nos tipos penais de injúria ou calúnia, tendo em vista que a previsão do art. 1.547 do Código Civil diz respeito a estas previsões.
Por fim, não se pode esquecer a natural resistência da dogmática jurídica tradicional, seja por preconceitos injustificados ou mesmo acomodação intelectual, em aplicar institutos de natureza criminal no processo trabalhista, o que, para nós, apesar de não ser um argumento jurídico-dogmático, pode constituir-se no maior obstáculo para a plena aceitação desse critério matemático.
De qualquer forma, não afastamos, por certo, o critério proposto, considerando-o válido, obviamente não como parâmetro exclusivo e definitivo, mas sim apenas como mais uma forma possível, a disposição do magistrado, de se quantificar a reparação do dano moral.
É importante destacar, inclusive, que essa proposta permite ampla margem de discricionariedade ao julgador, para, de forma cautelosa, estipular criteriosamente uma importância a título de indenização pelo dano moral pura.

b) Analogia à indenização por tempo de serviço.

Na pesquisa jurisprudencial que empreendemos para o desenvolvimento dessa dissertação, verificamos, em diversos acórdãos, a fixação analógica, como parâmetro para a quantificação da compensação pelo dano moral, do critério original de indenização pela despedida imotivada, contido no art. 478 consolidado.
Com efeito, dispõe o referido dispositivo, in verbis:
“Art. 478. A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a seis meses.
§ 1º. O primeiro ano de duração do contrato por prazo indeterminado é considerado como período de experiência, e, antes que se complete, nenhuma indenização será devida.
§ 2º. Se o salário for pago por dia, o cálculo da indenização terá por base 20 (vinte) dias (obs.: o parâmetro atual é de 30 dias)
§ 3º. Se pago por hora, a indenização apurar-se-á na base de 200 (duzentas) horas por mês (obs.: o parâmetro atual é de 220 horas)
§ 4º. Para os empregados que trabalhem à comissão ou que tenham direito a percentagens, a indenização será calculada pela média das comissões ou percentagens percebidas nos últimos 12 (doze) meses de serviço.
§ 5º. Para os empregados que trabalhem por tarefa ou serviço feito, a indenização será calculada na base média do tempo costumeiramente gasto pelo interessado para realização de seu serviço, calculando-se o valor do que seria feito durante trinta dias.”
Valendo-se desse parâmetro, verifique-se este acórdão, relatado pelo ilustre magistrado e jurista paraense Georgenor de Sousa Franco Filho:
“I. IMPROBIDADE - A improbidade deve ser provada de modo insusceptível de dúvidas, dado seus graves reflexos, inclusive na vida privada do trabalhador. Recurso patronal a que se nega provimento.
II. DANO MORAL. COMPETÊNCIA. INDENIZAÇÃO.
1. É competente a Justiça do Trabalho para apreciar demandas envolvendo indenização por dano moral decorrente de relação de emprego.
2. A indenização por dano moral, à falta de norma específica que disponha sobre os critérios para sua fixação, deve ser calculada adotando-se, por analogia, a regra da indenização por tempo de serviço.
3. O seu valor deve ser igual à maior remuneração mensal do trabalhador multiplicada pelo número de anos ou fração igual ou superior a seis meses de serviço prestado.” (TRT 8ª Reg., 4ª T., Ac. TRT RO nº. 3795/96, Rel. Juiz Georgenor de Sousa Franco Filho, grifos nossos).
Na nossa opinião, este é apenas mais um critério à disposição do julgador para a fixação do quantum debeatur.
Todavia, apresenta algumas vantagens práticas em relação a outros critérios objetivos adotados.
Primeiramente, ressalte-se que a analogia está expressamente prevista no texto consolidado como forma de integração do ordenamento jurídico, conforme se infere da redação do seu art. 8º .
Em segundo lugar, o fato de ser um critério previsto na própria legislação laboral facilitará, sem qualquer dúvida, sua aceitação nos pretórios trabalhistas, notadamente nos setores mais conservadores, tradicionalmente arredios à utilização de critérios estranhos ao Direito do Trabalho positivado.
Por fim, a simplicidade desta forma de quantificação, que fixa uma importância razoável em função do tempo de serviço do empregado, traz a segurança necessária para o julgador cauteloso, evitando-se abusos generalizáveis de fixação de indenizações milionárias.

c) Outras previsões legais de critérios de fixação do valor.

Para a fixação do valor da indenização, pode o juiz, aplicando também a analogia, valer-se de algumas outras previsões legais de critérios para a quantificação da reparação do dano moral.
Entre eles, lembramos, a título exemplificativo, o art. 84 do Código Nacional de Telecomunicações (Lei nº 4.117/63), que prevê que “na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa”.
O art. 53 da Lei de Imprensa (Lei nº. 5.250/67), por sua vez, estabelece que:
“Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civel, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido.”
Todos estes critérios podem ser utilizados pelo Juiz do Trabalho, de forma supletiva, para arbitrar a compensação pecuniária correspondente ao dano moral verificado, de forma a proporcionar uma condenação o mais próxima possível do ideal de Justiça no caso concreto.
Do ponto de vista prático, porém, consideramos salutar que o autor, em sua petição inicial, já sugira ao órgão julgador uma importância que considere razoável para a compensação do dano moral sofrido, justificando os parâmetros que o levaram a propor esse valor.
Assim, poderá o magistrado vislumbrar objetivamente, quando da sentença de cognição, alguns parâmetros médios para a quantificação do julgado, isso quando já não for conveniente prolatar a decisão líquida, o que agilizará e muito a prestação jurisdicional.

04. Algumas palavras sobre o bom senso do julgador.

Embora sejamos defensores da tese da ampla liberdade fundamentada do julgador para fixar a reparação do dano moral, isso não quer dizer que o juiz esteja autorizado a fixar desarrazoadas quantias a título de indenização por dano moral, eis que “Não se paga a dor, tendo a prestação pecuniária função meramente satisfatória” (STJ, 2ª T., Proc. REsp 37.374-MG, Rel. Min. Hélio Mosimann, julgado em 28.09.94).
Sobre esta questão, veja-se este trecho do voto do eminente Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, no Ac. TRT-RO 3.608/94:
“A indenização é excessiva. Isso porque não se pode perder de vista que o seu principal fundamento foi a afronta à honra e à credibilidade do reclamante. Logo, a mesma deveria compensá-lo em relação a um período que seria suficiente para acalmar os ânimos na localidade, palco de todo o ocorrido, tempo este que possibilitaria ao reclamante refazer a sua imagem. Não se cogita, aqui, de um possível prosseguimento do vínculo até a aposentadoria do autor, já que o objetivo da presente ação era exatamente resguardar o patrimônio moral do reclamante. Dessa forma, entendo que o prazo de cinco anos é mais que razoável a esta finalidade, motivo pelo qual reduzo a condenação ao pagamento dos salários e demais vantagens (férias, gratificações natalinas e FGTS) a este período.”
A indenização por dano moral deve ter justamente esta função compensatória, o que implica dever sua estipulação limitar-se a padrões razoáveis, não podendo se constituir numa “premiação” ao lesado.
A natureza sancionadora não pode justificar, a título de supostamente aplicar-se uma “punição exemplar”, que o acionante veja a indenização como um “prêmio de loteria”, “baú da felicidade” ou “poupança compulsória” obtida às custas do lesante.
A inobservância dessas recomendações de cautela somente fará desprestigiar o Poder Judiciário Trabalhista, bem como gerar a criação de uma “indústria de litigiosidade sobre a honra alheia”, algo condenável jurídica, ética e moralmente.
Nas palavras de João de Lima Teixeira Filho:
“Precisamente porque sua função é satisfatória, descabe estipular a indenização como forma de ‘punição exemplar’, supostamente inibidora de reincidências ou modo de eficaz advertência a terceiros para que não incidam em práticas símiles. Os juízes hão que agir com extremo comedimento para que o Juidiciário não se transforme, como nos Estados Unidos, num desaguadouro de aventuras judiciais à busca de uma sorte grande fabricada por meio dos chamados punitive damages e suas exarcebadamente polpudas e excêntricas indenizações.”

05. Considerações finais.

Sem pretender esgotar a matéria, estas são as contribuições que apresentamos para o debate sobre a “liquidação da reparação do dano moral trabalhista”.
Muitas outras poderiam ser aqui feitas, mas preferimos apenas sistematizar o quanto já exposto, lembrando, mais uma vez, que não existe um único critério absoluto, pelo menos no vigente ordenamento jurídico positivo, para a quantificação da compensação pecuniária do dano moral.
Como dissemos, embora defendamos arduamente a ampla liberdade do julgador para fixar a reparação do dano moral, isso não o autoriza a estipular importâncias desarrazoadas quantias a este título.
E o controle desta razoabilidade se dará, sem sombra de qualquer dúvida, pelo próprio Poder Judiciário, que deve exigir, de forma rigorosíssima, o cumprimento da obrigação constitucional de fundamentação das decisões, o que implica na explicitação, pelo juízo de qualquer instância, do que o levou a fixar tal valor como sanção pela conduta ilícita do réu.