sábado, 29 de janeiro de 2011

A função dos juízes frente ao corte dos Direitos Sociais

Antonio Baylos
30/12/10 | 14:25


A função dos juízes frente ao corte dos Direitos Sociais
A metabolização pelos governos nacionais, das políticas econômicas determinadas pelo eixo Frankfurt-Bruxelas, no sentido de baratear e flexibilizar os salários, reduzir o gasto social e as pensões (sempre com a finalidade de reduzir o déficit e de aumentar a produtividade) estabelece graves problemas no terreno da administração e governo dos litígios gerados com tais medidas. Concreta e claramente suscita o papel a ser ocupado pelos juízes no âmbito da administração da justiça e da aplicação da lei.
A aplicação pelos países-membros das posições das Autoridades Europeias, independentemente de suas orientações políticas à direita ou à esquerda, é a afirmação do caráter subalterno dos direitos sociais em relação à recuperação econômica europeia. Isto é, a submissão da “dimensão social” aos interesses de redução do déficit financeiro dos Estados. Significa que os direitos sociais somente podem ser garantidos quando exista uma situação de crescimento econômico e de estabilidade financeira. Assim, a relação entre o nível dos direitos sociais que os cidadãos europeus estão em condições de usufruir passa a depender diretamente da recuperação do excedente empresarial e da restauração da economia “financeirizada”. Ou seja, o rebaixamento dos direitos sociais é encarado como condição para a recuperação econômica e a pressão é para que isso ocorra rapidamente para não atrapalhar o ritmo das reformas.
Para o olhar do jurista essa relação negativa entre recuperação econômica e degradação das regras sobre os direitos fundamentais da cidadania social se expressa de muitas formas. Mas provavelmente o território onde ela se manifeste de maneira mais clara é no espaço da atuação judicial. Ocorre que a função garantista dos direitos laborais e da seguridade social que tradicionalmente vem sendo realizada pelos juízes também é objeto de críticas do poder político e de suas “reformas estruturais”. Com efeito, desde o ponto de vista das mal chamadas “políticas de austeridade”, há uma hostilidade aos poderes dos juízes para controlar os atos privados, principalmente os atos dos empregadores. Dizendo de outra forma, a redução dos padrões dos direitos laborais e sociais como condição da recuperação econômica implica necessariamente na exclusão e no enfraquecimento dos mecanismos de garantia judicial desses direitos. Assim, a “desjudicialização” dos espaços de garantia jurídica é um objetivo central das medidas anti-déficit na Europa. É uma tendência constatável nas reformas legais que vêm ocorrendo em distintos países, e que tem como objetivo uma nova configuração da demissão.
Ocorreu na Itália, com a instituição da arbitragem individual (substitutiva do controle judicial), na França, com a demissão por acordo que criou a lei de “modernização” de 2008, e na reforma espanhola ao menos em dois aspectos relevantes. Na ampliação exorbitante dos poderes atribuídos ao empregador para utilizar-se da demissão sem justa causa pondo à disposição do empregado uma indenização correspondente, com a consequência de o empregado não poder receber parcelas a que tem direito se impugnar tal demissão ante os tribunais, e a definição em termos tão genéricos como ampliativos das causas da demissão por motivo econômico, de forma que a alegação do motivo apresentado pelo empregador dificulte extraordinariamente o seu controle judicial.
Junto a essa pressão para a “desjudicialização” das garantias do emprego, avança outra afirmação não menos importante porque tem a ver com um elemento extremamente decisivo na justificação das medidas de saída da crise que é a geração de confiança nos mercados e nos operadores financeiros. Constata-se, ou ao menos se afirma que é assim, uma evidente desconfiança dos sujeitos intervenientes nos mercados financeiros em relação ao funcionamento da justiça em geral e da prestação jurisdicional social em particular, com base em dois motivos: uma certa imprevisibilidade da resposta judicial quanto aos resultados desejados pelos legisladores, e a convicção de que essa justiça é incapaz de realizar mediações que compreendam e recomponham, no terreno da aplicação da lei, a posição de subordinação dos direitos laborais ao interesse de empresa e ao interesse econômico que está presente como tendência nas reformas legais empreendidas. Essa desconfiança está relacionada com as iniciativas de “desjudicialização”, mas centra-se antes de tudo em outro objetivo. O aplicador do direito deve, por coerência institucional, incorporar à sua ação quotidiana a defesa da economia, restaurando a confiança dos meios econômicos na justiça mediante a elaboração de linhas de interpretação da norma nas quais os direitos sociais e laborais sejam funcionais, submetidos, à realização das liberdades econômicas e fundamentais.
Essa situação está gerando ao mesmo tempo uma ampliação e extensão dos conflitos e uma crise de legitimidade da governança tanto da Europa como de seus países-membros. Ela é produzida pela afirmação cada vez mais generalizada de que a Europa e sua capacidade de governo econômico e social situa-se em uma determinada posição “de classe”. Isto é, evidencia políticas hostis aos trabalhadores, aos aposentados, aos desempregados, aos imigrantes e aos informais. A reação frente a essas políticas é complicada. Requer uma organização articulada, dentro e fora da reposta jurídica, e da representação política do sindicalismo confederal em distintos países da Europa, que atualmente a está protagonizando com uma tênue coordenação a cargo da Confederação Europeia de Sindicatos. São muitas as medidas que integram essa estratégia, mas uma delas é bastante clássica e tem acompanhado há muito tempo a prática sindical de nosso país. Consiste em forçar o pronunciamento dos juízes sobre aspectos essenciais das reformas ocorridas, de forma que mediante o acesso à justiça obtenha-se certa reformulação dos elementos presentes na norma, restabelecendo um certo equilíbrio e limitando a assimetria de poder que foi criada.
Essa estratégia de defesa desafia os juízes a desenvolver um rol ativo na definição do conteúdo e das garantias dos direitos laborais e sociais. Em primeiro lugar desempenhando seu papel de garantidores do marco constitucional esclarecendo as condições de exercício dos direitos fundamentais e os limites ao poder público para a regulação de seu conteúdo essencial. Nesse sentido, em nosso país contamos com uma primeira experiência de enorme importância que é o Auto da Audiência Nacional propondo a Questão de Inconstitucionalidade do RDL 8/2010 e sua violação da liberdade sindical associada à força vinculante do convênio coletivo e o princípio de igualdade. Mas certamente haverá mais casos derivados de elementos de duvidosa constitucionalidade na Lei 35/2010. É também significativa a “judicialização” dos litígios derivados da aplicação concreta do contrato de trabalho e de sua extinção segundo a nova normativa promulgada, como efetivamente está começando a suceder em matéria de contratação temporária irregular e com a nova regulação das demissões objetivas. O planejamento da ação jurídica por parte de CCOO e UGT se inclui nessa linha e comparte esses objetivos.
Aqui a justiça estará sendo posta à prova e nesse particular a atitude do juiz será decisiva. O juiz certamente não pode mudar a norma, mas sempre deve partir do paradigma democrático que legitima sua função enquanto reconhece o rol dirigente e canalizador do direito sobre a desigualdade e a violência dos mercados e da competição econômica sobre as condições de existência digna das pessoas e de preservação do trabalho decente como obrigação constitucional. Nos próximos meses poderemos analisar as reações do aparelho judicial a essa pressão para a redefinição dos direitos sociais e a consideração dos limites de ação do governo.

* Professor de Direito Trabalhista
Tags:
Auto da Audiência Nacional, déficit financeiro, direitos sociais, dirieots laborais, eixo Frankfurt-Bruxelas, Europa, França, Itália, Justiça, reformas estruturais

Disponível em http://sul21.com.br/jornal/2010/12/notas-sobre-a-funcao-dos-juizes-frente-as-politicas-de-corte-dos-direitos-sociais/

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Agravo de Instrumento no TST: processamento deverá ser feito nos autos do recurso denegado

Notícias do Tribunal Superior do Trabalho
31/08/2010
Agravo de Instrumento no TST: processamento deverá ser feito nos autos do recurso denegado


O Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, em sessão realizada nesta segunda-feira (30/08), aprovou, por unanimidade, a Resolução Administrativa nº 1418, que disciplina, no âmbito da Corte, o processamento do agravo de instrumento nos próprios autos do recurso denegado. O presidente do TST, ministro Milton de Moura França, ressaltou que a medida se impunha, ante a implantação do processo judicial eletrônico, por força da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que exige a substituição do processo físico pelo virtual, com evidentes vantagens, inclusive a de se evitar a duplicidade de processos. Portanto, o Agravo de Instrumento oriundo dos Tribunais Regionais somente tramitará por meio eletrônico, e nos próprios autos do recurso que teve negado seu seguimento para o Tribunal Superior do Trabalho.

Veja a íntegra da Resolução Administrativa nº 1418, que será divulgada hoje no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho.




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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Penhora do Saldo da Conta Vinculada do FGTS

Fredie Didier Jr.
Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa; Professor-Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA; Conselheiro Editorial da Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil.

Penhora do saldo da conta vinculada do FGTS Fredie Didier Jr. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa; Professor-Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA; Conselheiro Editorial da Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil.
Controverte-se sobre a penhorabilidade dos créditos do trabalhador no FGTS. Há decisões que admitem a penhora de tais créditos (assim, p. ex., admitindo a penhora do saldo do FGTS em execução de crédito trabalhista, STJ, 3ª. T., REsp n. 1.083.061/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.02.2010).

A questão, porém, é delicada e merece análise mais detida.

O patrimônio do FGTS é utilizado para investimentos em habitação, infraestrutura e saneamento. Por isso, os valores depositados no FGTS são indisponíveis: o titular do crédito não pode levantá-los quando bem entender. O saque do dinheiro depositado na conta vinculada do FGTS somente pode ser feito em situações tipicamente previstas na legislação (extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores temporários regidos pela Lei nº 6.019, de 1974; suspensão do trabalhador avulso por período igual ou superior a noventa dias; quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for acometido de neoplasia maligna; aplicação, na forma individual ou por intermédio de Clubes de Investimento - CI-FGTS, em quotas de Fundos Mútuos de Privatização - FMP-FGTS, conforme disposto no inciso XII do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes for portador do vírus HIV; quando o trabalhador permanecer, a partir de 14/07/90, mais de três anos seguidos, afastado do regime do FGTS; para moradia própria, comprada através do Sistema Financeiro de Habitação – SFH ou, mesmo fora desse Sistema, desde que o imóvel preencha os requisitos para ser por ele financiado; e quando o trabalhador ou qualquer de seus dependentes estiver em estágio terminal, em razão de doença grave).

Indisponível, o crédito depositado na conta vinculada do FGTS é consequentemente impenhorável, por força do inciso I do art. 649 do CPC.

A penhora desses valores, com o posterior levantamento do dinheiro pelo exeqüente, transformar-se-ia em hipótese atípica de saque do FGTS, cujo montante poderia ser revertido para o pagamento de qualquer dívida. As possibilidades de fraude ao FGTS multiplicar-se-iam.

Pode-se argumentar que se trata de penhora de crédito futuro. Penhora-se o valor, que, quando tornar-se disponível, uma vez preenchida alguma das hipóteses que autorizam o saque da conta vinculada, poderia ser levantado pelo exequente.

A opção também não parece viável, ao menos como regra.

Primeiro, porque não haveria interesse processual na penhora de um crédito atualmente indisponível e somente por hipótese no futuro disponível, se o advento desta disponibilidade depender da manifestação de vontade do próprio executado (no caso de saque para aquisição de imóvel, p. ex.).

Em segundo lugar, é preciso notar que as hipóteses que autorizam o saque da conta vinculada estão sempre relacionadas à proteção da dignidade do trabalhador. Ou seja: esses valores somente podem ser sacados, pois a proteção do trabalhador torna-se imprescindível, tendo em vista as situações de vulnerabilidade presumida apontadas pelo legislador. Tais valores seriam, também por isso, e agora sob outra razão, impenhoráveis.

Nessas situações, quando o crédito já se tiver tornado disponível, será possível, no limite, penhorá-lo nos casos de execução alimentícia, por aplicação da regra do inciso IV do art. 649, já examinado (admitindo a penhora dos créditos do FGTS, sem fazer a diferenciação proposta no texto quanto à disponibilidade ou não desse valor, STJ, 5ª T., REsp n. 805.454 /SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 04.12.2009, acórdão publicado no DJe de 08.02.2010).



Informações bibliográficas:
DIDIER Jr. Fredie. Penhora do Saldo da Conta Vinculada do FGTS. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 20 jan. 2011. Disponível em: . Acesso em: 24 jan. 2011.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Família de trabalhador alcoólatra que se suicidou após demissão será indenizada.

A Infraero (Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária) terá que indenizar a família de um empregado alcoólatra que se suicidou meses depois de ter sido demitido sem justa causa pela empresa. O valor da indenização por danos morais foi fixado em R$ 200 mil em decisão unânime da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

No caso relatado pelo ministro Walmir Oliveira da Costa, a Justiça do Trabalho do Paraná tinha considerado indevido o pedido de indenização, por entender que não havia nexo de causalidade entre a demissão e o dano sofrido (suicídio). O Tribunal da 9ª Região concluiu ainda que a Infraero não tinha obrigação de compensar a família do trabalhador, tendo em vista a legalidade do ato de dispensa.

Entretanto, o ministro Walmir destacou que, desde 1967, a Organização Mundial de Saúde considera o alcoolismo uma doença grave e recomenda que o assunto seja tratado como problema de saúde pública pelos governos. Segundo a OMS, a síndrome de dependência do álcool é doença, e não desvio de conduta que justifique a rescisão do contrato de trabalho.

Portanto, esclareceu o relator, o empregado era portador de doença grave (alcoolismo) e deveria ter tido seu contrato de trabalho suspenso para tratamento médico. De fato, o alcoolismo comprometia a produção do trabalhador (ele era sistematicamente advertido pela chefia e chegou a pedir demissão que foi recusada). A questão é que, ao dispensar o empregado, mesmo que sem justa causa, a empresa inviabilizou o seu atendimento nos serviços de saúde e até eventual recebimento de aposentadoria provisória, enquanto durasse o tratamento.

O ministro Walmir explicou que a indenização, na hipótese, não dizia respeito ao suicídio, mas sim em razão da dispensa abusiva, arbitrária, de empregado portador de doença grave (alcoolismo). O suicídio apenas seria causa de agravamento da condenação. Para o relator, na medida em que ficou comprovado o evento danoso, é devida a reparação do dano moral sofrido pela vítima, pois houve abuso de direito do empregador quando demitira o trabalhador alcoólatra, que culminou com o seu suicídio.

Para chegar à quantia de R$ 200mil de indenização, o relator levou em conta os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, as circunstâncias do caso e o caráter pedagógico e punitivo da medida.

De acordo com a OMS, pelo menos 2,3 milhões de pessoas morrem por ano no mundo em conseqüência de problemas relacionados ao consumo de álcool (3,7% da mortalidade mundial).
RR-1957740-59.2003.5.09.0011