quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A APLICABILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO PROCESSO DO TRABALHO

A APLICABILIDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NO PROCESSO DO TRABALHO
Rodolfo Pamplona Filho
Fernanda Salinas Di Giacomo
Resumo: Este artigo possui como escopo analisar a eficácia da aplicação da denunciação da lide no Processo do Trabalho, tendo em vista o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 227 da SDI–1 do TST. Demonstrar-se-á, assim, que a denunciação da lide, ante a vantagem de concentrar em um só processo a solução de dois litigios não é incompatível com as citadas demandas, uma vez que visa a celeridade, a economia processual e a harmonia dos julgados, dispensando uma ação de regresso. Desse modo, verificar-se-ão hipóteses práticas de aplicação da denunciação nas ações trabalhistas, demonstrando-se a importância do instituto, uma vez que o mesmo visa aclarar obscuridades acerca da efetiva legitimidade passiva, permitindo uma maior segurança jurídica e afastando qualquer tipo de injustiça que, porventura, possa vir a ocorrer.
Palavras-chave: Processo do Trabalho, denunciação da lide, OJ nº 227 da SDI-1 do TST.

Abstract: This paper’s objective is to analyse the effectiveness of the application of the impleader in the labor proceedings, taking into account the abrogation of the JO nº 227 of the SDI-1 of the Labor Supreme Court. It will be demonstrated, in this manner, that the impleader, in view of the manifest advantage of concentrating the solution for two judicial claims in a single proceeding is not incompatible with these demands, as it aims procedural celerity and economy, as well as harmony in the decisions, dispensing a regressive action. In this manner, this article will examine practical hypotheses of applying impleaders in labor proceedings, revealing the importance of this institute, because it is essential to clear the obscurities surrounding the effective passive standing to sue, allowing for greater legal trustworthiness and averting any types of injustice which might occur.
Key words: Labor Proceedings, impleader, JO nº 227 of the SDI-1 of the Labor Supreme Court.

Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Intervenção de terceiros: noções conceituais – 3. Discussão sobre a aplicabilidade da intervenção de terceiros no processo do trabalho – 4. A denunciação da lide no Processo Civil (breve estudo sobre o art. 70, III, do CPC) – 5. A denunciação da lide no Processo do Trabalho: 5.1 Hipótese tradicional de discussão sobre aplicabilidade da denunciação da lide na Justiça do Trabalho; 5.2 Algumas palavras sobre a antiga Orientação jurisprudencial 277 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho; 5.3 Hipóteses exemplificativas de aplicabilidade de denunciação da lide no processo do trabalho: 5.3.1 Denunciação da lide nos casos de sucessão de empresas; 5.3.2 Denunciação da lide nas hipóteses de sub-empreitada; 5.3.3 Denunciação da lide em caso de assédio sexual (responsabilidade civil do empregador por ato de seus empregados); 5.3.4 Denunciação da lide em ações acidentárias; 5.3.5 Denunciação da lide nas hipóteses de terceirização; 5.3.6 Denunciação da lide em caso de paralisação do trabalho (factum principis); 5.3.7 Denunciação da lide no caso de recebimento de prêmio ou gratificação devido a outro empregado; 5.3.8 Denunciação da lide no caso de indenização por danos morais decorrente de ofensas perpetradas por um empregado em face de outro – 6. Considerações finais – 7. Referências.

01. Considerações iniciais.

O presente artigo tem como objetivo rediscutir um tema que, até bem pouco tempo, parecia repousar em berço esplêndido, aninhado nos braços aconchegantes da jurisprudência consolidada do colendo Tribunal Superior do Trabalho: é possível se falar em denunciação da lide no processo do trabalho?
Para responder seriamente esta pergunta, faz-se mister, previamente, uma revisão conceitual dos institutos em análise, bem como uma atualização da visão do processo trabalhista, em especial da competência da Justiça do Trabalho, com fulcro na nova dimensão propugnada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
Se é certo que se pode chegar a conclusões diametralmente opostas das hoje assentadas, teremos sempre a convicção de que se trata apenas de nossa modesta contribuição para um debate que, hodiernamente, está longe de ser encerrado.
Prossigamos, portanto, com a certeza de que não há caminho, mas sim que o caminho se faz caminhando...

02. Intervenção de Terceiros - Noções Conceituais.

O terceiro, para o processo, é aquele que não faz parte da relação jurídica de direito processual.
A concepção de limites subjetivos da coisa julgada tem por finalidade restringir a produção dos efeitos da res judicata aos sujeitos da relação jurídica processual.
Todavia, situações há em que alguém, que não compõe um dos pólos da lide, pode ser juridicamente interessado no processo pendente.
Nessas situações, a sistemática processual admite a utilização do instituto da intervenção de terceiros, em que este sujeito pode se tornar parte ou coadjuvante dela na demanda em curso.
Tal instituto, além de permitir o ingresso do terceiro no processo para defender direito seu ou que lhe é imputado, facilita uma solução integral da lide, uma vez que, atendendo aos princípios da economia e celeridade processual, evita o ajuizamento de um novo processo (ação de regresso) para discutir aquela situação – e suas conseqüências – já postas em juízo.

03. Discussão sobre a Aplicabilidade da Intervenção de Terceiros no Processo do Trabalho.

A aplicação da intervenção de terceiros, no âmbito do processo do trabalho, todavia, sempre foi alvo de acirrados debates e grandes controvérsias.
José Augusto Rodrigues Pinto, em alentado e pioneiro artigo (anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004), faz um interessante diagnóstico da cizânia doutrinária sobre o tema, senão vejamos suas exatas palavras:

Reina a propósito a mais viva e ampla divergência. Pesquisando os autores mais difundidos de Direito Processual do Trabalho no Brasil, conseguimos elaborar o seguinte quadro de opiniões:
- aproveitamento de todas as formas: Amauri Mascaro Nascimento e Wagner Giglio;
- de assistência, oposição, denunciação da lide e chamamento ao processo: Coqueijo Costa, Tostes Malta e Rodrigues Pinto;
- de assistência, denunciação da lide e chamamento ao processo: Wilson de S. Campos Batalha;
- de assistência e chamamento ao processo: Manoel Antonio Teixeira Filho;
- de assistência: Ísis de Almeida .

Diagnosticada, portanto, a cizânia doutrinária do ponto de vista da aplicação da intervenção de terceiros no processo do trabalho, façamos uma redução epistemológica para apenas uma de suas modalidades, a denunciação da lide, de forma a verificar se, pelo menos esta, pode ser aplicada na Justiça do Trabalho.

04. A denunciação da lide no Processo Civil (breve estudo sobre o artigo 70, III, do CPC).

No Processo Civil, sob a ótica geral da intervenção de terceiros, encontra-se o instituto conhecido como denunciação da lide, taxado nos artigos 70 a 76 do CPC.
Tal figura, assim como as demais espécies de intervenção de terceiros, presta-se a chamar alguém (sujeito estranho à relação processual) a responder aos termos do processo, do qual, originariamente, não fazia parte e cujos efeitos podem ou devem atingi-lo no futuro.
Este terceiro – denunciado - é convocado para defender os seus interesses contra uma suposta ação de regresso ou direito de garantia que o denunciante pretende contra ele, uma vez que a sentença faz coisa julgada e tal não pode acontecer sem que antes haja a aplicação do contraditório.
A denunciação da lide é uma espécie provocada de intervenção de terceiros, já que o denunciado citado é obrigado a integrar o pólo passivo do processo, desde que antes tenha havido o controle jurisdicional acerca de sua legitimidade. Tal convocação, para a maioria da doutrina, deve ocorrer até a fase de saneamento do processo de conhecimento, não havendo que se falar em denunciação, pois, em fase recursal.
É interessante registrar que, a priori, o melhor nome a ser utilizado para a figura processual seria “denunciação à lide”, e não denunciação da lide, uma vez que o terceiro é que chamado à demanda, e não a lide é que é denunciada a quem quer que seja...
Com a denunciação, instauram-se duas ações (a principal e a de denunciação da lide) e duas relações jurídicas (a do autor e do réu da ação principal e a do denunciante e do terceiro denunciado da ação de denunciação da lide) no mesmo processo. Cumpre ressaltar que o resultado da ação principal prejudica a ação de denunciação da lide, pois se o denunciante vencer a demanda, a ação regressiva será necessariamente julgada improcedente.
O artigo 70 do CPC taxa as hipóteses de cabimento do referido instituto. Os incisos I e II não geram maiores problemas, uma vez que abrangem o alienante, em relação à evicção, e o proprietário ou possuidor indireto, por força de obrigação ou direito. O alvo de debates, entretanto, se situa no inciso III do mesmo dispositivo, senão vejamos:

A denunciação da lide é obrigatória:
(...)
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda, grifos nossos.

Como se observa, a norma fala em “contrato”, porém não exemplifica quais os contratos que são abrangidos pelo referido artigo. Desse modo, há quem entenda que o inciso é genérico e, portanto, ineficaz. Nesse sentido, é o magistério de SIDNEY SANCHES, quando diz que:

A hipótese prevista no inciso III do art. 70 não é senão uma norma de encerramento: nos incisos I e II o legislador prevê a denunciação da lide em situações de garantia específicas; no inciso III, generaliza, afirmando que cabe a denunciação em outras hipóteses em que houver garantia. Não cabe a denunciação, fundada neste inciso III, em qualquer, absolutamente qualquer situação, sob pena de inviabilizar-se o julgamento da demanda. A interpretação há de ser restrita.

Outros, porém, têm interpretado a norma de maneira distinta, tal como VICENTE GRECO FILHO, que afirma:

Parece-nos que a solução se encontra em admitir, apenas, a denunciação da lide nos casos de simples ação de regresso, isto é, a figura só será admissível quando, por força de lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante. Em outras palavras, não é permitida, na denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente da lei e do contrato.

O entendimento predominante, com o qual concordamos, compreende a denunciação da lide como uma modalidade de intervenção de terceiros que, genericamente, pode ser utilizada para resguardar o direito à ação regressiva.
Nesse diapasão, observa ATHOS GUSMÃO CARNEIRO que a denunciação da lide “é prevista no vigente Código de Processo Civil como uma ação regressiva, ‘in simultaneus processus’, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão ´de reembolso´, caso ele, denunciante, vier a sucumbir na ação principal”.
Ainda sobre a denunciação da lide, vale observar que, embora o artigo 70 mencione que a mesma é obrigatória, a expressão não nos parece empregada no seu sentido técnico, mas sim apenas como necessária/indispensável para a execução, nos próprios autos em que ocorreu a denunciação, do obrigado final pelo dano ocorrido.
Neste sentido, concordamos com o jurista paranaense MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO, na conclusão de que “se a denunciação não for efetuada, a parte, que a deveria ter realizado, não perderá o direito de exercitar, mais tarde, em processo autônomo, a ação regressiva para reembolsar-se do que teve de pagar, por força da sentença: perderá, tão somente, o benefício legal de munir-se, no mesmo processo em que a intervenção de terceiro deveria ter ocorrido, de título executivo, materializado na sentença que compôs a lide (CPC, art. 76)” .
A sua utilização, todavia, é sempre recomendável, para uma resolução integral da lide, possibilitando uma maior celeridade na efetiva solução do litígio e uma economia processual no sentido macro da expressão.

05. A denunciação da lide no Processo do Trabalho.

A denunciação da lide, conforme ensina Manoel Antonio Teixeira Filho, “traduz a ação incidental, ajuizada pelo autor ou pelo réu, em caráter obrigatório, perante terceiro, com o objetivo de fazer com que este seja condenado a ressarcir os prejuízos que o denunciante vier a sofrer, em decorrência da sentença, pela evicção, ou para evitar posterior exercício da ação regressiva, que lhe assegura a norma legal ou disposição do contrato” .
Esta forma de intervenção de terceiros está prevista, como já visto, no artigo 70 do vigente Código de Processo Civil brasileiro, que dispõe, in verbis:

Art. 70 - A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda, grifos nossos.

As duas primeiras previsões não interessam, por certo, a este trabalho, uma vez que é muito pouco provável que o direito material discutido em um processo trabalhista se refira aos temas ali tratados.
Todavia, a terceira hipótese (obrigação, pela lei ou pelo contrato, de indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda) pode ser aplicável, em nosso entendimento, em diversos litígios de natureza trabalhista, como vislumbraremos nos itens abaixo.
Cumpre-nos, por conseguinte, analisar a possibilidade de aplicação da denunciação da lide no Processo do trabalho, uma vez que o artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil (que se aplica supletivamente ao primeiro) prevê a possibilidade de denunciação (intervenção) daquele que está obrigado por contrato.
Não obstante, como já pontuado, há uma grande dificuldade em aceitar a intervenção de terceiros no Processo do Trabalho.
Sendo assim, percebe-se que boa parte dos magistrados acaba seguindo teorias restritivistas, pois entendem que a lide existente deriva tão somente das partes contratuais, ou seja, de empregado e empregador e que, caso fosse admitida a participação de um terceiro, haveria tumulto processual, uma vez que o interveniente traria à lide questões estranhas àquelas apresentadas pelos primeiros. É o que se percebe do acórdão abaixo transcrito:

“DENUNCIAÇÃO À LIDE – O indeferimento da denunciação à lide não induz à nulidade do processo, pois, a rigor, falece competência ao juízo trabalhista para decidir questão entre pessoas jurídicas e sobre matéria estranha à relação de emprego.” (ACÓRDÃO Nº 24.431/99 - 3ª TURMA - RO Nº 34.02.99.0204-50 - Relator(a): Juiz(a) JOSÉ JOAQUIM DE ALMEIDA NETTO).

Desse modo, tal como afirma MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO, muitos doutrinadores têm entendido que a denunciação da lide foge da competência dos Juízes do Trabalho, uma vez que tal instituto não está previsto no artigo 114 da Constituição Federal, senão vejamos:

A denunciação da lide é ação regressiva incidental, exercida de forma antecipada e condicional (in eventum litis) à sucumbência do denunciante na ação. Não há lide entre ambos, portanto. Só há litisconsórcio deles diante dos pedidos formulados pelo autor. A Justiça do Trabalho insista-se, não tem competência para solucionar conflitos de interesses estabelecidos entre empregadores. Tais lides competem à Justiça Comum.

Este não nos parece, porém, o melhor entendimento sobre a matéria.
Demonstremos porque com um bosquejo histórico sobre o tema.

05.01. Hipótese Tradicional de Discussão sobre Aplicabilidade da Denunciação da Lide na Justiça do Trabalho.

Tradicionalmente, a hipótese mais comum em que se discutia a aplicação da denunciação da lide na Justiça do Trabalho era a referente ao fenômeno jurídico trabalhista da sucessão de empregadores ou continuidade empresarial, prevista nos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Nessas situações, verificava-se que, pela sucessão operada, o empregador sucedido não era responsável pelos créditos trabalhistas, devendo o sucessor arcar com todas as custas, despesas e ônus processuais.
Nesse caso, a empresa sucessora podia, no entanto, instaurar nova demanda judicial para cobrar, da sucedida, tudo o que gastou com o empregado reclamante.
Desse modo, a solução integral da lide se alongava indefinidamente, podendo gerar prejuízos a quem se responsabilizou apenas por força de lei, sem uma contrapartida necessária.
Considerando que tal disciplina gerava uma situação juridicamente desarrazoada, passou-se a se discutir a possibilidade da empresa sucedida ser denunciada à lide pela sucessora, para que não houvesse necessidade de se cobrar regressivamente e de se instaurar novo processo, visando ao resguardo dos princípios da celeridade e economia processual, já que o terceiro esclareceria e prestaria informações sobre pontos controversos da lide.
Ocorre, no entanto, que a grande maioria dos Juízes do trabalho indeferia o pedido de intervenção de terceiro, sob o fundamento de que, se o contrato social (civil) firmado entre empresa sucessora e empresa sucedida estivesse viciado formalmente, com o intuito de fraudar as obrigações e encargos trabalhistas, não teria competência para apreciar tal demanda.
Além disso, fundamentavam que a omissão da Consolidação das Leis do Trabalho seria proposital, justamente para evitar uma maior demora na satisfação dos créditos dos trabalhadores, normalmente autores das reclamações trabalhistas.
Contudo, parece-nos que esta é uma solução simplista.
De fato, resguardada a competência material, visivelmente ampliada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, parece-nos que a homenagem ao novo princípio constitucional de duração razoável do processo impõe admitir uma teoria extensiva, a qual permite a ampliação dos limites subjetivos da lide e a aplicação de toda e qualquer espécie de intervenção de terceiros (inclusive a denunciação da lide), no Processo do trabalho, visando esclarecer todos os pontos e matérias controvertidas em uma só demanda (simultaneus processus), evitando, assim, gastos desnecessários, longas tramitações, julgados desarmonizados e insegurança jurídica.
Com efeito, cumpre salientar que, após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, é possível se sustentar que o inciso IX, do artigo 114, da Constituição Federal, admite a solução desta controvérsia decorrente da relação contratual trabalhista, com fulcro no artigo 70, III, do Código de Processo civil, firmando a competência dos Juízes do Trabalho para decidir controvérsias relacionadas à referida espécie de intervenção de terceiros no Processo Trabalhista.
Pesquisando acórdãos do Tribunal Regionais do Trabalho da 5ª Região, constatamos que a matéria continua em aberto, havendo decisões que ora admitem a denunciação da lide, ora rejeitam o instituto, senão vejamos:

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INAPLICABILIADE AO CASO CONCRETO. Aplicável ao processo do trabalho a denunciação da lide, contudo, somente será admitida quando prevista em lei ou contrato a obrigação regressiva – garantia do resultado da demanda.
Entende esta Juíza que a denunciação da lide não se aplica ao caso dos autos, vez que ausentes os requisitos do art. 70, III, do CPC, supletivo. Segundo esse dispositivo a denunciação será admitida quando prevista em lei ou contrato a obrigação regressiva – garantia do resultado da demanda.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. (ACÓRDÃO Nº 16.921/04 - 5ª. TURMA - RO Nº 00014-2002-691-05-00-7-Relator(a): Juiz(a) MARIA ADNA AGUIAR), grifos nossos.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE – A denunciação da lide é incompatível com o processo do trabalho, porquanto é intuitivo que a solução da controvérsia travada em derredor da relação de direito material que, em tese, obrigará o denunciado a indenizar o denunciante foge à competência da Justiça do Trabalho.
REJEITO. NEGO PROVIMENTO AO RO. (ACÓRDÃO Nº 32.308/01 - 2ª TURMA - RO Nº 28.01.01.0058-50 - Relator(a): Juiz(a) HORÁCIO PIRES).

E como pensa a mais alta corte trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho?
É o que veremos no próximo tópico.

05.02. Algumas palavras sobre a antiga Orientação Jurisprudencial nº 277 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho.

Não obstante a divergência jurisprudencial dos Tribunais Regionais do Trabalho, cumpre ressaltar que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, até bem pouco tempo, tinha como pacificada a questão, tendo editado a Orientação Jurisprudencial nº 227 da SDI-I, que preceituava: "Denunciação da lide. Processo do trabalho. Incompatibilidade"
Ocorre que, a referida OJ, que apontava a incompatibilidade da denunciação da lide com o Processo do Trabalho, foi cancelada, em mais uma etapa do trabalho de atualização de sua jurisprudência, pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho.
De acordo com o Presidente da Comissão de Jurisprudência, ministro Luciano de Castilho Pereira, o cancelamento foi necessário em razão da nova realidade introduzida na Justiça do Trabalho, pela reforma do Judiciário, a qual ampliou a competência desta especializada e passou a aceitar a possibilidade da denunciação da lide no Processo trabalhista. Era necessária a adaptação da Jurisprudência do TST ante o alargamento das matérias que passaram a poder ser suscitadas em sede de Processo do Trabalho, após a Emenda Constitucional nº 45/2004.
A denunciação da lide, como já vislumbrado, é espécie de intervenção de terceiros, que permite que uma das partes (denunciante) traga para a disputa judicial um terceiro com quem mantenha uma certa relação jurídica. Desta ligação poderá decorrer a condenação do denunciado a ressarcir o denunciante ou compensá-lo pelos prejuízos oriundos da demanda.
Pois bem, ante a evidente vantagem de concentrar em um só processo a solução de duas pendências judiciais, ainda mais após a ampliação das matérias que podem ser ventiladas no Processo do Trabalho foi que entendeu, o Colendo tribunal Superior do Trabalho, que a denunciação da lide não é incompatível com a referida demanda, uma vez que visa, primordialmente, a celeridade e a economia processuais, dispensando um outro litígio (eventual ação de regresso).
Assim, verificada que a OJ nº 227 do TST foi consolidada antes da reforma sofrida pelo artigo 114 da Constituição Federal, pela promulgação da Emenda nº 45, percebe-se que o dispositivo ampliou a prerrogativa dos magistrados trabalhistas para o exame de todas as ações oriundas da relação de trabalho, não havendo que se falar, pois, em incompatibilidade com o instituto da denunciação da lide.
Se já não há mais a certeza da incompatibilidade do instituto – o que, ao revés, impõe aceitar a sua aplicação – parece-nos relevante passar em revista algumas hipóteses em que a denunciação da lide poderia ser invocada.
É o que faremos nos próximos sub-tópicos.

05.03. Hipóteses Exemplificativas de Aplicabilidade de Denunciação da Lide no Processo do Trabalho.

Se acreditamos ser a denunciação da lide plenamente compatível com o Processo do Trabalho, é preciso demonstrar tal convicção com exemplos factíveis.
Sendo assim, resolvemos apontar oito hipóteses que demonstram a aplicabilidade da referida modalidade de intervenção de terceiros no Processo do Trabalho, salientando-se que a denunciação da lide é um instrumento super útil à celeridade, à segurança jurídica e à economia processual, já que esgota toda a discussão fática no mesmo processo, evitando, assim, decisões conflitantes.

05.03.01. Denunciação da lide nos casos de sucessão de empresas.

A primeira dessas hipóteses ocorre no caso de sucessão de empregadores, em que há a continuidade da empresa.
Se nenhuma mudança na titularidade da Reclamada afetará o direito adquirido do empregado ou o seu contrato de trabalho (artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho), tem-se que a empresa sucessora adquire todas as obrigações da sucedida.
Supondo que o empregado ajuíze Reclamação Trabalhista contra a sucessora, poderá esta denunciar a empresa sucedida à lide?
Ora, do ponto de vista teórico e de acordo com o quanto estabelecido no inciso III, do artigo 70, do CPC, a resposta é afirmativa. Na prática, no entanto, a maciça doutrina e grande parte dos Tribunais entendia, até bem pouco tempo, que não, uma vez que o Juiz do Trabalho acabaria sendo competente para discutir e julgar a relação contratual (cível) firmada entre sucessora e sucedida.
A nosso ver, entretanto, e após a Emenda Constitucional nº 45/2004, pode e deve a sucessora reclamada denunciar a empresa sucedida ao processo, já que, de qualquer modo, restará por cobrar regressivamente o montante referente à condenação através de um novo processo, o que tornará a prestação jurisdicional mais onerosa e morosa, uma vez que, caso fosse aplicada a modalidade de intervenção de terceiros em estudo, não haveria necessidade de ajuizamento de nova ação e tudo seria resolvido, discutido e esgotado em um só processo, o que geraria uma maior segurança jurídica.

05.03.02. Denunciação da lide nas hipóteses de sub-empreitada.

A segunda hipótese que exemplifica a aplicação da denunciação da lide no Processo do Trabalho ocorre quando há um contrato de sub-empreitada, pois o artigo 455 da CLT estabelece que o sub-empreiteiro responderá pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, podendo o empregado, todavia, demandar em face do empreiteiro principal.
Desse modo, a doutrina debate acerca da possibilidade do empreiteiro principal, quando reclamado diretamente pelo obreiro contratado pelo sub-empreiteiro, denunciar este último à lide, com o intuito de agilizar o processo, para que não haja necessidade de ajuizamento de ação regressiva autônoma.
Ora, está claro que há um direito de regresso do empreiteiro em face do sub-empreiteiro, nos termos do parágrafo único do dispositivo supracitado e, ainda, que há uma relação legal/contratual entre ambos, consoante determina o inciso III, do artigo 70, do Código de Processo Civil, já transcrito.
Assim, resta desatualizado o entendimento de que como a relação existente entre empreiteiro e sub-empreiteiro possui natureza cível seria impossível aplicar-se a denunciação. Isto porque, levando-se em consideração a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar lides oriundas de relações de trabalho (não mais apenas de emprego), após a Emenda Constitucional nº 45/2004, que modificou o inciso I, do artigo 114, da Carta Magna, vê-se que não há mais qualquer empecilho à plena utilização de tal espécie de intervenção de terceiros nesses casos.
Desse modo, se o empreiteiro requerer a denunciação do sub-empreiteiro à lide, deverá o juiz notificar este último para que, caso queira, ofereça defesa, ou, por outro lado, aceite os termos da demanda, integre o processo e se torne litisconsorte do empreiteiro principal.
Não obstante o entendimento acima esposado, verifica-se que alguns doutrinadores persistem com o pensamento contrário à aplicação da denunciação da lide nos casos de sub-empreitada, como se observa das palavras do ilustre CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, senão vejamos o que diz em seu Curso de Direito Processual do Trabalho”:

Parece-nos incabível a denunciação da lide em tal hipótese, pois a Justiça do Trabalho é incompetente para processar e julgar a segunda lide, ou seja, aquela que surge entre o denunciante (empreiteiro) e o denunciado (sub-empreiteiro), pois ambos se encontram na relação processual na qualidade de co-responsáveis pelas obrigações trabalhistas, isto é, como “empregadores”.

Pelo exposto e a partir da análise conjugada dos artigos 70, III, do CPC e 455, parágrafo único, da CLT, chega-se a conclusão e que o sub-empreiteiro, se não incluído na demanda diretamente pelo empregado, pode vir a ser chamado para integrar a lide pelo réu originário da ação, que é o empreiteiro principal, tornando-se litisconsorte deste último.
Saliente-se, ainda, que, no caso do magistrado indeferir o pedido de denunciação da lide, precisará, ao menos, decidir se a responsabilidade do sub-empreiteiro será solidária ou subsidiária (levando-se em consideração o benefício de ordem), tema este ainda não pacificado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, tampouco pelos Regionais, já que o empreiteiro poderá demandar regressivamente em face do sub-empreiteiro.
Cumpre ressaltar, também, que o próprio reclamante, após ajuizar sua ação, também poderá denunciar o sub-empreiteiro à lide, requerendo a sua notificação para que venha integrar o pólo passivo da demanda. tal caso é muito corriqueiro, pois nem sempre o empregado sabe quem foi o seu real empregador, só tomando ciência desse nome já em audiência.
Por fim, observa-se que, no que diz respeito ao dono da obra, que contratou o empreiteiro principal, em regra ele não responde pelas dívidas trabalhistas dos empregados contratados pelo sub-empreiteiro, exceto se ele fizer parte de um grupo econômico ou de uma incorporadora, consoante Orientação jurisprudencial nº 191.
Desse modo, em relação ao caso em foco, entendemos, mais uma vez, que seja possível a denunciação da lide, visando dar celeridade ao processo e diminuir os gastos, se não do mesmo órgão Judicante, com certeza do Estado como um todo, já que não haverá necessidade de ação regressiva autônoma movida pelo empreiteiro principal contra o sub-empreiteiro.

05.03.03 Denunciação da lide em caso de assédio moral ou sexual (responsabilidade civil do empregador por ato de seus empregados – culpa in vigilando e in eligendo).

A terceira hipótese em que poderá ser vislumbrado o instituto ora em análise ocorre nos casos de assédio moral ou sexual, quando a alegada vítima ajuíza ação de indenização por danos morais diretamente contra o empregador e não contra o efetivo assediador, que, para tornar mais fácil o entendimento, será considerado um outro empregado da empresa. Nesse caso, poderá a empresa ré denunciar o verdadeiro legitimado passivo à lide?
Para muitos não, devendo ocorrer uma posterior ação de regresso. No entanto, parte da doutrina já tem se filiado à tese que admite a intervenção do terceiro nessa situação fática, tal como a professora ALICE MONTEIRO DE BARROS , devendo a empresa demandada denunciar o empregado assediador à lide, para que ele, sozinho, responda pelos supostos danos ou prejuízos causados ao obreiro assediado.
E é justamente esse o nosso melhor entendimento, por ser ele ampliativo e menos oneroso ao Poder público, já que todas as circunstâncias fáticas, incluindo-se a culpa ou o dolo (responsabilidade subjetiva) do assediador serão vislumbrados simultaneamente ao processo principal, que está sendo movido contra o empregador/empresa da qual fazia parte o primeiro. Desse modo, não haverá necessidade de cobrança regressiva, uma vez que o verdadeiro devedor da indenização (agente causador do dano) haverá participado de todo o processo e efetivado o seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
Ademais, de acordo com o artigo 462, parágrafo 1º, da CLT, o empregador poderá descontar do salário do empregado todo e qualquer valor referente aos danos dolosamente causados. Pois bem, o assédio moral ou sexual é uma atitude de natureza essencialmente dolosa, podendo, ou melhor, devendo a empresa ser ressarcida pelos prejuízos causados pelo assediador.
Nesse aspecto, entendemos perfeitamente aplicável o artigo 70, III, do CPC, o qual admite a intervenção de quem estiver obrigado por lei a indenizar aquele que perder a demanda. Assim, o empregado assediador é responsável pelo ressarcimento do empregador (empresa) pelos danos que dolosamente lhe causou, salientando-se que tal reposição poderá ser efetivada a partir de um desconto no salário do obreiro (denunciado) ou, em não sendo aceita a denunciação da lide, no que não acreditamos, com a cobrança em ação regressiva autônoma.
Pelos motivos expostos e após a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que ampliou as hipóteses do artigo 114 da Constituição Federal, como já demonstrado, torna-se plenamente aplicável, ao Processo do Trabalho, a denunciação da lide, mais especificamente em casos de assédio sexual, até porque não se estaria criando um dissídio entre duas empresas, mas sim entre o empregador demandado pelo empregado assediado e o obreiro assediador. Entre a empresa e o assediador já existe uma relação de emprego, razão pela qual, nos termos do dispositivo supracitado, é competente a Justiça do Trabalho para analisar e julgar esse litígio decorrente da denunciação da lide, devendo, no entanto, a sentença definir e estabelecer quais as responsabilidades de cada parte envolvida na demanda.
Na verdade, a hipótese é de ação regressiva decorrente de uma situação de responsabilidade civil por ato de terceiros, a saber, do empregador por dano causado por seu empregado, no caso, a outro empregado.
Em que pese a existência de previsão legal específica de responsabilidade patrimonial do empregador por ato de seus prepostos, a responsabilização subsidiária do verdadeiro agente assediante (e, por conseqüência, a sua correspondente denunciação da lide) é medida da mais lídima justiça.

05.03.04. Denunciação da lide em ações acidentárias.

O quarto exemplo que demonstra quão útil é a aplicação da denunciação da lide no Processo do Trabalho ocorre nas ações acidentárias movidas contra o INSS. Pode o referido Instituto denunciar o empregador à lide ou ao menos chamá-lo para participar do processo?
Entendemos que sim, ante a desnecessidade de uma ação autônoma de regresso, já que o suposto ato negligente, imprudente ou imperito do empregador, em relação ao acidente sofrido por seu empregado, poderá ser discutido simultaneamente ao processo principal, não havendo necessidade de uma posterior cobrança regressiva do INSS, em face do empregador. TUPINAMBÁ MIGUEL C. DO NASCIMENTO entende ser impossível a intervenção do empregador na lide movida contra o INSS, senão vejamos:

O empregador, mesmo que não tenha satisfeito o pagamento das contribuições para fins infortunísticos ou outras obrigações que a lei lhe confere, como a de comunicar o acidente, jamais irá comparecer na ação acidentária como litisconsorte ou assistente.

Já SYDNEY SANCHES, em sua obra já citada no presente trabalho, ressalta que “a denunciação da lide somente seria admitida quando, por força da lei ou do contrato, o denunciado ficasse obrigado a garantir o resultado da demanda. Não basta a possibilidade do direito de regresso”.
Essa, portanto, nos parece a melhor solução.
Assim sendo, consideramos recomendável o deferimento da denunciação da lide no caso concreto em comento, possibilitando uma maior celeridade na solução do litígio.
Tal entendimento nos parece ainda mais coerente após a edição da Emenda constitucional nº 45/2004, pois, embora ainda seja polêmico, há sinais no horizonte de que o Supremo Tribunal Federal pode interpretar no sentido de que tais ações passaram a ser da competência da Justiça do Trabalho . Desse modo, não há como negar a aplicabilidade da denunciação da lide nas hipóteses de ações movidas pelo acidentado contra o INSS, ainda mais quando, de fato, foi o empregador quem agiu culposamente, dando causa ao referido acidente.

05.03.05. Denunciação da lide nas hipóteses de terceirização.

Outra hipóetese que nos permite vislumbrar a modalidade de intervenção de terceiros em estudo ocorre nos casos de Terceirização.
A Terceirização é um negócio jurídico em que o tomador se vale de uma empresa prestadora de mão de obra (atividades meio, em regra, de segurança e de limpeza) e essa disponibiliza determinado número de pessoas, para compor o quadro funcional da empresa tomadora.
O tomador de serviço responde subsidiariamente pelos créditos porventura devidos pela empresa fornecedora de mão de obra, nos termos da Súmula 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Essa responsabilização subsidiária persiste mesmo que o processo licitatório, por exemplo, não seja idôneo ou que a Administração pública não figure no pólo passivo, ao contrário do quanto estabelecido no artigo 71 da Lei nº 8666/93.
Supondo que o terceiro, que foi prestar o serviço na empresa tomadora, ajuíze Reclamação Trabalhista contra essa última, caberá a denunciação da empresa terceirizada à lide?
Mais uma vez, a resposta adequada nos parece ser afirmativa, desde que respeitados os requisitos de competência estabelecidos no artigo 114 da Constituição Federal, modificado pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Isto porque, se a empresa terceirizada efetivamente integrar a lide, não haverá necessidade de instauração de dois processos distintos (Reclamação trabalhista e Ação regressiva) para discutir a mesma matéria fática, qual seja: responsabilidade para pagar os créditos de origem trabalhista.
Assim, cumpre trazer à baila o entendimento jurisprudencial, através do aresto abaixo colacionado:

A empresa Reclamada mantém contrato de prestação de serviços com a empresa “Brasil – entregas rápidas”, situada na Av. São Paulo nº 35, Vila Progresso, São Paulo – SP, CEP. 01014-020, conforme cópia em anexo. No contrato que mantém com a empresa Reclamada, encontra-se estabelecido que são de sua inteira responsabilidade todos os encargos e prejuízos que venha a causar, inclusive, em virtude de encargos trabalhistas e previdenciários de seus empregados e/ou prepostos.
Sendo assim, obrigatória a sua denunciação da lide, vez que obrigada por força do contrato a ressarcir a Empresa Reclamada, dos eventuais prejuízos sofridos em virtude do presente feito, de conformidade com o art. 76, do mesmo diploma legal... (RO 75486-3/2001 – TRT – SP).

Desse modo, para evitar-se decisões conflitantes e assegurar-se, desde logo, o contraditório e a ampla defesa, deverá ser aplicada a denunciação da lide, sendo o denunciado (empresa terceirizada) citado para integrar o feito, restando suspenso o processo até que ocorra tal aditamento, resguardando-se, assim, a proteção jurídica.

05.03.06. Denunciação da lide em caso de paralisação do trabalho (factum principis).

Vislumbra-se, ainda, a hipótese de aplicação da denunciação da lide no Processo Trabalhista quando ocorrer a paralisação do labor determinada por fato do príncipe, nos termos do artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho.
De fato, tal dispositivo trata da paralisação definitiva ou temporária do trabalho, motivada por ato ou determinação de ente Público (ex: proibição de funcionamento dos bingos e demais casas de jogo). Os empregados da empresa paralisada, em regra, ajuizarão ação indenizatória contra o empregador. Desse modo, poderá o Reclamado denunciar o Município, o Estado ou a União à lide, uma vez que foi a referida entidade federativa quem deu causa à paralisação?
Entendemos que sim, assim como boa parte da doutrina, a exemplo de CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, já que o próprio parágrafo 1º do referido artigo prevê a hipótese de “chamamento à autoria”, que nada mais é que a própria denunciação. O ente público possui trinta dias para se manifestar e, caso entenda o magistrado que a hipótese efetivamente constitui factum principis, deverá a ação ser enviada à Fazenda Pública, para que essa tome as medidas cabíveis .
Desse modo, verifica-se que essa hipótese é a única expressamente tipificada de intervenção de terceiros no Processo Trabalhista. A competência para fixar a indenização, ou seja, para executar o ente público responsável, passa, no caso em foco, a ser da Fazenda Pública Federal ou Estadual, a depender da situação fática (artigo 486, parágrafo 3º, da CLT). No entanto, cumpre salientar que a verificação acerca da plausibilidade do direito, isto é, a certificação sobre a ocorrência ou não do factum principis e sobre a necessidade de se pagar ou não indenização, continua sendo da Justiça do Trabalho, sob pena de invasão de competência por parte da Fazenda Pública.
Assim, observa-se que, não obstante ter ocorrido a denunciação da lide, a Justiça Comum (Federal ou Estadual) acabará por executar matéria trabalhista, ratificando-se que o conhecimento e a certificação da mesma continuarão sendo feitos pelo Juiz do Trabalho competente.
Cumpre ressaltar, por fim, que, em todas as hipóteses exemplificadas, o terceiro interventor prestará esclarecimentos essenciais à lide, cabendo ao magistrado o controle interno acerca do nexo causal e da responsabilidade (integral, solidária ou subsidiária) do denunciado.

05.03.07. Denunciação da lide no caso de recebimento de prêmio ou gratificação devido a outro empregado.

A penúltima hipótese que admite a aplicação da denunciação da lide no Processo do Trabalho diz respeito ao caso de um empregado que recebe determinado prêmio ou gratificação quando na verdade era outro obreiro que fazia jus à referida parcela.
Como exemplo, pode-se imaginar o caso de um trabalhador que ajuíza reclamação trabalhista em face da empresa em que labora, sob o argumento de que foi o autor de determinada invenção ou de certo ato que lhe ensejou o percebimento de uma gratificação e que seu empregador repassou o prêmio para outro empregado, que se dizia o criador da utilidade ou o autor do ato.
Nesse caso, vê-se claramente que o empregador, ao ser demandado pelo obreiro, poderá denunciar o outro empregado à lide, requerendo que o mesmo intervenha no processo e devolva a quantia recebida a título de prêmio ou gratificação.
Isto porque, é clara a existência de um direito de regresso do patrão em face do empregado que, dolosamente, mentiu e se apropriou do montante.
Assim, visando acelerar a demanda, observa-se que não há qualquer empecilho à utilização de tal espécie de intervenção de terceiros nesse caso, sob pena da empresa ter que pagar nova quantia ao reclamante e cobrar o ressarcimento, via ação regressiva, do empregado faltoso, o que demorará um bom tempo e aumentará os gastos do Judiciário.

05.03.08. Denunciação da lide no caso de indenização por danos morais decorrente de ofensas perpetradas por um empregado em face de outro.

Por fim, como último exemplo prático, depreende-se que a denunciação da lide também poderá ser suscitada no caso do empregador ser condenado a pagar uma indenização por danos morais a um empregado, sendo que esta derivou da conduta abusiva e desrespeitosa perpetrada por outro trabalhador ou, ainda, pelo gerente ou preposto da empresa.
É o que ocorre, por exemplo, quando o diretor da companhia ofende moralmente o obreiro, injuriando-o, caluniando-o ou difamando-o, desmotivadamente.
Assim, caso o empregado ofendido ingresse com uma reclamação requerendo a decretação da sua despedida indireta, com base no artigo 483, alínea “e”, da CLT, e a empresa negue que tenha autorizado o procedimento arbitrário do diretor, poderá a companhia denunciar este último à lide, já que a indenização se originou da prática dolosa adotada pelo mesmo.
Caso o magistrado defira o pedido de intervenção, a empresa ficará protegida, pois será ressarcida pelo diretor (efetivo causador do dano) caso venha a pagar a indenização.
Dessa forma, levando-se em consideração a celeridade, a eficiência na prestação jurisdicional e, ainda, a economia processual, há de ser aplicada a denunciação da lide, tornando desnecessário o ajuizamento posterior de uma ação de regresso.

06. Considerações finais.

Ante o exposto, infere-se a importância de se aplicar a denunciação da lide no Processo Trabalhista, uma vez que, tal como no Processo Civil, o instituto é essencial para aclarar obscuridades acerca da efetiva legitimidade passiva, permitindo uma maior segurança jurídica e afastando qualquer tipo de injustiça que, porventura, possa vir a ocorrer.
Assim, defendemos a solução integral da lide em um processo único (simultaneus processus), ante a desnecessidade de ajuizamento de duas ações distintas, cuja finalidade, em regra, é a discussão da mesma matéria fática: quem é o réu e, portanto, o devedor.
Desse modo, para que sejam efetivados os direitos ao contraditório e à ampla defesa daquele que está, em tese, respondendo injustamente a um processo e para evitar decisões conflitantes, deverá ser invocada, de logo, a denunciação da lide, nos limites da competência material do Juiz do Trabalho, ampliada pela Emenda Constitucional 45/2004 e levando-se em consideração, ainda, o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 227 da SDI-I do TST.
Pelos motivos apontados, verifica-se que não há motivo razoável, ainda mais depois da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, para se afastar do Processo Trabalhista a modalidade de intervenção de terceiros vislumbrada nesse texto, uma vez que a competência estabelecida no artigo 114 da Constituição Federal de 1988 estará sendo estritamente respeitada, já que os litígios não deixarão de versar sobre causas atinentes às relações travadas entre empregadores e trabalhadores.
Sendo assim, consideramos não somente possível, mas especialmente recomendável a aplicação da denunciação da lide no Processo do Trabalho, garantindo, assim, uma resolução integral da demanda e o esgotamento da matéria nela ventilada, possibilitando uma economia processual e uma maior celeridade na solução do litígio.

7. REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Proteção a intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 6. ed. São Paulo, Saraiva, 1994.
DIAS, Maria Berenice. O terceiro no processo. Rio de Janeiro: Aidê Editora, 1993.
DIDIER JR., Fredie. Recurso de terceiro – juízo de admissibilidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
DIDIER JR, Fredie. Direito Processual civil, V. 1. Salvador, Jus podium, 2003.
GRECO FILHO, Vicente. Intervenção de Terceiros. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
HOUAISS, Antônio, e VILLAR, Mauro de Salles, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 3ª edição, São Paulo: LTR, 2005.
MARTINS, Sérgio Pinto, Direito Processual do Trabalho. 18ª Edição, São Paulo, Atlas, 2002.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro Do. Curso de Direito Infortunístico. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1983.
PINTO, José Augusto Rodrigues. “Intervenção de Terceiro no Processo do Trabalho” in Revista Trabalho & Processo, nº 1, São Paulo, Saraiva, junho/1994, p.117/127.
PINTO, José Augusto Rodrigues Pinto. Processo Trabalhista de Conhecimento. São Paulo: LTR, 2003.
SANCHES, Sidney. Denunciação da Lide no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo, RT, 1984.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, Litisconsórcio, Assistência e Intervenção de Terceiros no Processo do Trabalho, 2. ed. São Paulo, LTr, 1993.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio. Curso de Processo do Trabalho, vol. 4 (Litisconsórcio, Assistência e Intervenção de Terceiros). São Paulo: LTr Editora, 1996.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual civil, V. 1, 41. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Técnico em radiologia tem salário profissional mínimo desvinculado do mínimo nacional

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (2), cauterlamente, desvincular do salário mínimo nacional a remuneração mínima dos técnicos em radiologia, determinando sua conversão em valor monetário. Ainda de acordo com a decisão, tomada no julgamento de pedido de liminar formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 151, proposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNS), a Suprema Corte decidiu que, para evitar o estado de anomia (ausência de lei disciplinando a matéria), o valor monetário do salário mínimo da categoria, vigente na data de hoje, deverá ser reajustado anualmente, com base nos parâmetros gerais que regem a correção dos salários no país.
Também de acordo com a decisão desta quarta-feira, este regramento valerá até o advento de nova lei federal que discipline o salário profissional mínimo da categoria, convenção ou acordo coletivo que o defina ou, ainda, de lei estadual amparada na Lei Complementar nº 103/2000, que autoriza os estados a instituírem o piso salarial a que se refere o inciso V do artigo 7º da Constituição Federal (“piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”), quando não há lei federal específica a respeito.
O caso
Na ADPF, a Confederação Nacional de Saúde sustenta a ilegalidade do artigo 16 da Lei nº 7.394/1985 (regula o exercício da profissão de técnico em radiologia), que fixa o salário mínimo desses profissionais no valor “equivalente a dois salários mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% de risco de vida e insalubridade”.
A CNS sustenta que a expressão “salários mínimos profissionais da região” equivale à figura do salário mínimo e, assim, ofende tanto a Constituição Federal que, em seu artigo 7º, inciso IV, que instituiu o salário mínimo nacionalmente unificado e veda sua vinculação para qualquer fim.
Ofende também, segundo a CNS, o previsto na Súmula Vinculante nº 4 do STF, que dispõe: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”
Votos
A ADPF foi protocolada em novembro de 2008. O pedido de liminar nela formulado foi colocado em julgamento no Plenário do STF em 1º de dezembro de 2010. Na oportunidade, após o relator, ministro Joaquim Barbosa, indeferir o pedido e o ministro Marco Aurélio se pronunciar pelo seu deferimento, o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Ao trazer, hoje, a matéria de volta a plenário, o ministro Gilmar Mendes propôs a concessão de liminar parcial, que foi aceita pela maioria dos ministros presentes à sessão. Em seu voto, ele considerou o fato de que a lei questionada (Lei 7.394/1985) já está em vigor há 26 anos. Por outro lado, teve presente a inconstitucionalidade do seu artigo 16, que vincula os salários da categoria a salário mínimo regional, extinto com a unificação nacional do salário mínimo.
Assim, para a Suprema Corte não endossar a inconstitucionalidade do dispositivo, nem prejudicar a categoria profissional, Mendes propôs a solução alternativa aceita pela maioria: o salário da categoria é fixado em valor monetário atual, deixando de ser vinculado ao mínimo. E será reajustado anualmente, de acordo com os critérios gerais para reajuste salarial. Essa regra valerá até o advento de nova lei federal, convenção ou acordo coletivo da categoria com seus empregadores, ou ainda, pela fixação em lei estadual, dentro dos critérios estabelecidos pela LC 103/2000.
O ministro Joaquim Barbosa, um dos três votos vencidos, manteve sua decisão pelo indeferimento do pedido de liminar, defendendo uma consulta ampla às categorias profissional e patronal envolvidas. Segundo ele, a decisão da Suprema Corte em sede de liminar “é temerária” e atende mais aos interesses dos empregadores. Também a ministra Ellen Gracie, que acompanhou o voto do relator, manifestou sua opção pela decisão do litígio apenas no seu julgamento de mérito. O ministro Marco Aurélio defendeu a suspensão da eficácia do dispositivo impugnado.
FK/CG

SDI-2 anula reintegração de ex-empregado da Telepar.

SDI-2 anula reintegração de ex-empregado da Telepar.

A Seção II de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho anulou decisão do Tribunal do Trabalho paranaense (9ª Região) que condenara a Brasil Telecom a reintegrar ex-empregado demitido sem justa causa. Na interpretação da SDI-2, mesmo o trabalhador tendo sido contratado após aprovação em concurso público pela Telepar – Telecomunicações do Paraná (adquirida posteriormente pela Brasil Telecom), o empregador não precisa de motivação para demiti-lo.

Depois da demissão, o empregado requereu, na Justiça do Trabalho, entre outras vantagens, a reintegração no emprego e os salários do período de afastamento. O trabalhador defendeu a tese de que não podia ter sido dispensado sem motivação, pois havia prestado concurso público para ser contratado pela sociedade de economia mista Telepar – sucedida pela Brasil Telecom. A Vara do Trabalho negou o pedido de reintegração, mas o TRT deu razão ao empregado.

Como a empresa não podia mais apresentar recursos à decisão do Regional, ajuizou uma ação rescisória, no próprio Tribunal, para anular a condenação. O TRT julgou improcedente a ação com o argumento de que o trabalhador foi contratado originalmente pela Telepar que, na condição de sociedade de economia mista, deveria observar os princípios inerentes ao regime jurídico de direito público (artigo 37 da Constituição Federal) quanto à motivação da dispensa de empregado público.

No recurso ao TST, a empresa sustentou que as sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas, de modo que a dispensa de seus empregados não exige motivação. Solicitou ainda, em ação cautelar, a suspensão da execução trabalhista para ficar desobrigada de reintegrar o empregado e de pagar as diferenças salariais decorrentes.

Ao analisar o processo, o ministro Emmanoel Pereira concluiu que é inexigível a motivação do ato de dispensa sem causa de trabalhador vinculado a empresa pública ou a sociedade de economia mista. Apesar de integrarem a Administração Pública Indireta, o relator explicou que essas empresas estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no que diz respeito às obrigações trabalhistas, nos termos do artigo 173, II, §1º, da CF.

De acordo com o relator, a exigência de prévia aprovação em concurso público como requisito para ingresso em empresa pública ou sociedade de economia mista não significa existência de estabilidade no emprego capaz de impedir a dispensa imotivada (incidência da Súmula nº 390, item II, do TST). No mais, a Orientação Jurisprudencial nº 247 da SDI-1 estabelece que a despedida desses empregados, mesmo se admitidos por concurso público, independe de ato motivado.

Diferentemente do Regional, o ministro Emmanoel entendeu que não era nula a dispensa do empregado por ausência de motivação. Nesse ponto, o acórdão do TRT foi desconstituído e a sentença restabelecida. Por consequência, a ação cautelar da empresa também foi julgada procedente para determinar a suspensão da execução referente à reintegração e ao pagamento de salários. Todos os ministros da SDI-2 votaram na mesma linha do relator.

O trabalhador apresentou recurso de embargos declaratórios que aguarda julgamento no TST. (ROAR-603000-64.2006.5.09.0909)


(Lilian Fonseca)

Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

ATUALIZANDO UMA VISÃO DIDÁTICA DA ARBITRAGEM NA ÁREA TRABALHISTA

ATUALIZANDO UMA VISÃO DIDÁTICA DA
ARBITRAGEM NA ÁREA TRABALHISTA

Rodolfo Pamplona Filho

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. O que é arbitragem? 3. Esclarecimentos terminológicos. 4. Classificação da arbitragem no sistema de mecanismos de solução de conflitos. 5. Experiência histórica brasileira do uso de arbitragem (Direito Internacional). 6. Características gerais positivas da arbitragem: a) Celeridade; b) Informalidade do Procedimento; c) Confiabilidade; d) Especialidade; e) Confidencialidade ou Sigilo; f) Flexibilidade. 7. Natureza jurídica (teorias). 8. Espécies de arbitragem: a) Quanto ao modo; b) Quanto ao espaço; c) Quanto à forma de surgimento; d) Quanto aos fundamentos da decisão; e) Quanto à liberdade de decisão do árbitro. 9. Arbitragem X Poder Judiciário. 10. A atual lei de arbitragem (Lei 9.307/96 – “Lei Marco Maciel”). 11. Procedimento da arbitragem – conhecendo aspectos da Lei 9.307/96. 12. Incidência da arbitragem na legislação trabalhista brasileira. 13. A arbitragem (Lei 9.307/96) na área trabalhista. 14. A arbitragem não é uma “panacéia” (óbices a seu amplo desenvolvimento). 15. Bibliografia citada e/ou consultada.

1. Considerações iniciais.

Convidado fui pelo ilustre colega e amigo Prof. Fredie Didier Jr. para participar de uma justíssima homenagem ao Desembargador Paulo Furtado, por ocasião de sua aposentadoria na cadeira de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
Mestre de gerações, apesar de ainda estar no esplendor de seu brilho intelectual, seu precoce afastamento do meio acadêmico faz surgir uma lacuna que dificilmente será preenchida tão cedo.
Neste tom de homenagens, foi me sugerida a atualização de minhas primeiras reflexões sobre a utilização da arbitragem, tema de especial predileção do homenageado, na área trabalhista, ramo do direito ao qual dedico minha maior atuação profissional.
Para isso, buscaremos sistematizar didaticamente o instituto jurídico da arbitragem, discutindo a possibilidade de sua aplicação na área trabalhista, tema cada vez mais em voga nos últimos tempos.
Para isso, procuraremos apresentar um enfoque panorâmico sobre a matéria, sem compromissos eruditos, mas sim com a perspectiva objetiva de esgotar esquematicamente o juízo arbitral, de forma a proporcionar ao leitor um conhecimento o mais amplo possível da problemática.
Passemos, portanto, ao tema propriamente dito.

2. O que é arbitragem?

Nas palavras de José Augusto Rodrigues Pinto, arbitragem pode ser conceituada como “um processo de solução de conflitos jurídicos pelo qual o terceiro, estranho aos interesses das partes, tenta conciliar e, sucessivamente, decide a controvérsia” .
Este conceito nos parece bastante interessante, por trazer os elementos essenciais para a caracterização da arbitragem, quais sejam, a existência de um conflito e a atuação de um terceiro, mediante uma seqüência de atos ordenados (noção de processo) na busca de sua solução, seja pela conciliação, seja pela imposição de uma decisão.
Visando a completá-lo (se é que isto é possível!), vale lembrar que a regra geral no nosso ordenamento jurídico positivo é a de “preponderância” (preferimos esta expressão ao consagrado termo “monopólio”) da atuação estatal na solução dos conflitos jurídicos, sendo, portanto, de extrema relevância que haja previsão legal que autorize essa convocação de um terceiro.
Esta “autorização legal” ganha mais relevo justamente na arbitragem, que, como veremos, é, ordinariamente, voluntária e de natureza privada, tendendo ao total afastamento dos representantes do Estado.
Por isso mesmo, preferimos vislumbrar a arbitragem como um processo de solução de conflitos através da atuação de um terceiro, indicado pelas partes, mediante autorização legal.

3. Esclarecimentos terminológicos

A precisão terminológica é sempre muito relevante quando pretendemos conhecer metodicamente qualquer instituto.
Justamente por tal motivo, consideramos relevante abrir esse tópico, tendo em vista que é muito comum (lamentavelmente, até mesmo no ambiente acadêmico) a utilização de expressão semelhante, mas com significado completamente distinto.
Referimo-nos ao termo “arbitramento”, que nada mais é do que uma das formas de quantificação do julgado, prevista no vigente Código de Processo Civil brasileiro, que nada tem a ver com o instituto da “arbitragem”, apesar do perito designado (se for o caso, no arbitramento) também ser chamado de “árbitro”.
Nas palavras do sempre homenageado Paulo Furtado, há “hipóteses em que a sentença não pode, de logo, determinar que o quantum da condenação se apure por cálculo do contador, porque esse cálculo dependeria de atividade do ‘árbitro’, ou perito, que forneceria elementos de que não se dispõe ainda. Suponha-se, por exemplo, que a sentença, além da indenização, haja condenado o réu ao pagamento de lucros cessantes. A fixação desses lucros cessantes será feita pelo perito, incorporando-se o valor ao da indenização. Trata-se de uma produção de prova pericial, e às regras desta se submete esse tipo de liquidação” .
Da mesma forma, ainda que isso possa soar jocoso, não há que se confundir o “árbitro” (sujeito dessa forma de solução de conflitos) com o “árbitro” de competições esportivas (o popularmente conhecido “juiz de futebol”, v.g.), uma vez que este último não tem qualquer função jurisdicional, mas simplesmente fiscalizatória do cumprimento das regras da modalidade atlética em que está atuando.
Por fim, lembremos também que, apesar do radical comum, arbitragem não tem nenhuma relação com “arbítrio” ou “arbitrariedade”, que, em verdade, tem significado diametralmente oposto .

4. Classificação da arbitragem no sistema de mecanismos de solução de conflitos

Numa visão sistemática dos mecanismos de solução de conflitos, podemos classificá-los como autocompositivos ou heterocompositivos, em função do resultado final decorrer do entendimento das partes ou da imposição da vontade de um terceiro.
Na primeira classificação, temos, como exemplos clássicos, a negociação direta, a conciliação e a mediação, que, independentemente de haver a participação de um terceiro (a última modalidade, em especial), a solução do conflito somente ocorrerá pela autonomia da vontade dos litigantes.
Já entre as modalidades heterocompositivas, a doutrina elenca a própria arbitragem e a jurisdição estatal.
Vale notar, porém, que, na arbitragem, embora a decisão seja imposta por um terceiro, há, em regra, um teor autocompositivo na solução do dissídio, pelo menos na eleição deste mecanismo para por termo ao conflito.
Neste sentido, afirma Rodrigues Pinto que “a arbitragem tem da heterocomposição o elemento característico da intervenção de terceiro investido de autoridade decisória para a solução do conflito. Conserva, porém, da autocomposição o elemento consensual da escolha do árbitro na busca dessa solução.
Do mesmo modo que a mediação, a arbitragem privada ou o juízo arbitral, como se denomina em nosso direito, conserva em seu interior o traço autocompositivo da solução do conflito” .

5. Experiência histórica brasileira do uso de arbitragem (Direito Internacional)

No depoimento autorizado de Georgenor de Sousa Franco Filho, um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, “nosso país tem tido razoável experiência em matéria de arbitragem, a partir de 1863, quando enfrentamos grave crise diplomática com o Reino Unido. Foi a conhecida ‘Questão Christie’, que levou à ruptura das nossas relações com aquele país, em decorrência da detenção de tripulantes de um navio da armada britânica, no Rio de Janeiro, que provocaram desordens em um bairro daquela cidade. Levada à arbitragem do Rei Leopoldo, da Bélgica, o laudo arbitral foi favorável ao Brasil” .
E é justamente no Direito Internacional, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de fronteiras, que encontramos a maior freqüência da utilização da arbitragem no nosso país.
Assim sendo, vale lembrar que, em 1903, foi assinado o Tratado de Petrópolis, que tratava do processo de demarcação de fronteiras com a Bolívia, estabelecendo que, caso as tratativas fossem infrutíferas, os pactuantes deveriam se socorrer da arbitragem, o que, no caso em tela, não chegou a ser necessário.
Valemo-nos, porém, da arbitragem, por exemplo, nas discussões sobre a fronteira com a Argentina, em que se debatia a interpretação do Tratado de Madrid, de 1750, tendo sido necessária a assinatura de um novo Tratado, em 1889, em que, pela arbitragem dos Estados Unidos da América (através do Presidente Cleveland), a controvérsia foi decidida de forma favorável ao Brasil (o Laudo foi proferido em 1895).
Da mesma forma, em 1897, estivemos em litígio com a França, discutindo a questão do hoje estado (à época, contestado) do Amapá, tendo sido a solução alcançada pela arbitragem da Suíça, com laudo proferido em 1900, favorável ao Brasil.
Para não dizer, porém, que somente somos vitoriosos quando invocamos a arbitragem, lembremos que, em 1901, tivemos a questão da Guiana Inglesa, em que o Laudo proferido pelo Rei Vittorio Emmanuele III, da Itália (em 1904), foi favorável a Inglaterra.
Recentemente, o nosso país, através do seu Presidente Fernando Henrique Cardoso, atuou como mediador, com possibilidade de ser alçado a árbitro, em conflito territorial entre Peru e o Equador .
Além desses exemplos, específicos do Direito Internacional Público, podemos encontrar em outros ramos do Direito, inclusive do Direito do Trabalho, a edição de laudos arbitrais, apesar da pouca freqüência .

6. Características gerais positivas da arbitragem

Na perspectiva didática que pretendemos expor, acreditamos ser bastante razoável elencar algumas das características gerais positivas da arbitragem, o que possibilita ao leitor uma visão panorâmica das vantagens deste meio de solução de conflitos.
No nosso entender, as principais virtudes da arbitragem são as seguintes:

a) Celeridade:

A completa ausência de previsão expressa de possibilidade de interposição de recursos garante às partes, sem sombra de qualquer dúvida, uma redução da duração do litígio, pois um dos elementos mais irritantes na demanda judicial é justamente a ampla possibilidade de ajuizamento de medidas procrastinatórias, que apenas perpetuam o feito .
Em outra oportunidade, inclusive, cheguei a escrever que “a demora para o cumprimento, na prática, de todos os ritos legais leva-nos a concordar com a afirmação de que o processo judicial é a criação humana mais próxima do que se concebe como eternidade” .
Talvez por tal circunstância é que, na “última” reforma do Poder Judiciário (a expressão é aqui utilizada entre aspas, pois, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, passa-se por reformas que parecem não ter fim...), com a edição da Emenda Constitucional nº 45, foi inserida redação do inciso LXXVIII do art. 5º, garantindo como um direito e garantia fundamental, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
É óbvio, porém, que o fato do laudo arbitral ser irrecorrível pode ser um motivo para se questionar a conveniência ou não da arbitragem, pois o que proporcionalmente se ganha em celeridade, poder-se-ia perder em segurança.
Todavia, da mesma forma, não podemos olvidar de que, segundo a atual Lei de Arbitragem, são as próprias partes que escolhem o procedimento a ser adotado , o que não exclui, portanto, a possibilidade de que as próprias partes pactuem alguma espécie de recurso (tão rápido quanto o procedimento inicial) para eventual revisão da decisão.

b) Informalidade do Procedimento:

A informalidade do procedimento arbitral é também uma das características importantes desta forma de solução de conflitos
Por informalidade, não se entenda a ausência absoluta de ritos, mas sim a prescindibilidade de um rigor legal no seu processamento.
Conforme ensinam os Mestres Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, o “procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. A noção de processo é essencialmente teleológica, porque ele se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder (no caso, jurisdicional). A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem. Conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo” .
Na arbitragem, busca-se o afastamento do procedimento quase “litúrgico” previsto legalmente para a obtenção da prestação jurisdicional, com a estipulação/escolha, pelas próprias partes, das regras aplicáveis ao caso concreto.

c) Confiabilidade:

Uma outra característica/virtude da arbitragem, constantemente ressaltada pela doutrina, é a questão da confiabilidade do árbitro.
Quando se suscita esse elemento, não se está querendo dizer que os magistrados “oficiais” não sejam confiáveis, mas sim que, pelo fato do árbitro ser escolhido pelas partes, este já traz consigo uma legitimidade que não é imposta pelo Estado, mas sim pela autonomia da vontade dos litigantes.

d) Especialidade:

A especialidade (ou especialização) do árbitro é um dos pontos mais atrativos para a utilização do Juízo arbitral.
Com efeito, no imensa leque de possibilidades de litigiosidade, muitas demandas podem versar sobre temas não propriamente jurídicos, mas sim de questões relacionadas com outras técnicas do conhecimento humano, como, por exemplo, a engenharia, a medicina ou a astronomia.
Nesses casos, num processo judicial comum, o magistrado oficial teria obrigatoriamente que se valer de um “expert” na área, mesmo que, pessoalmente, tivesse conhecimento técnico suficiente para enfrentar a questão.
Tal hipótese não ocorre obrigatoriamente na arbitragem, pois os próprios conflitantes podem escolher como árbitro um técnico na área, de confiança comum das partes, que poderá enfrentar diretamente esta questão, sem essa espécie de “terceirização” da manifestação científica da matéria.

e) Confidencialidade ou Sigilo:

No processo arbitral, não há a obrigatoriedade da divulgação quase “paranóica” dos atos processuais, como ocorre no processo judicial comum.
Tal postura do processo tradicional decorre de expressa previsão constitucional, que determina que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, conforme se verifica do art. 5º, LX, da Carta Magna de 1988.
Note-se que a ausência de publicidade dos atos judiciais (salvo quando a lei expressamente o previr) será hipótese de nulidade do processo, pela violação do interesse público na divulgação dos litígios sob a jurisdição estatal.
Isto não ocorre obrigatoriamente na arbitragem, tendo em vista que, pelo fato da mesma decorrer de um negócio jurídico de direito material, somente aos próprios pactuantes é que interessa a solução do conflito, não havendo necessidade de divulgação dos procedimentos para terceiros.

f) Flexibilidade:

Por fim, a flexibilidade é uma característica nata da arbitragem.
De fato, a possibilidade do árbitro não estar adstrito a textos legais, podendo até decidir por equidade, se autorizado pelas partes, é um elemento muito atrativo para a sua utilização .
Há certas hipóteses em que a atividade de subsunção da norma ao fato, embora perfeitamente lógica (do ponto de vista estritamente jurídico), não consegue satisfazer qualquer uma das partes, até mesmo, muitas vezes, pela impropriedade da regulamentação legal sobre o tema.
Justamente por isso, é que dispõe o art. 2º da Lei 9.307/96:

“Art. 2º. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º. Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”

Note-se que a flexibilidade, portanto, não é somente procedimento, mas sim também quanto aos preceitos a serem observados no mérito da solução imposta às partes.

7. Natureza jurídica (teorias)

Na pesquisa sobre o instituto da Arbitragem, encontramos precioso artigo da lavra da estudiosa jurista Lilian Fernandes da Silva, que, de maneira lapidar, consegue sintetizar as teorias existentes sobre a natureza jurídica do Juízo Arbitral da seguinte forma:
“A Lei 9.037 de 23.09.96 revogou os arts. 1072 a 1102 do Código de Processo Civil, passando a regular integralmente a matéria. A doutrina não é pacífica, havendo diversas posições quanto à natureza jurídica da arbitragem. Para aqueles que defendem a natureza privatista, a arbitragem é um contrato, uma convenção na qual as partes concedem poderes ao árbitro e o laudo é uma manifestação das mesmas. Para os que têm como posição a natureza jurisdicional, a arbitragem é o verdadeiro processo e a jurisdição deve ser entendida como atuação da vontade da lei por meio de emissão de decisões não exclusivamente do Poder Judiciário. O árbitro, escolhido de comum acordo, tem o poder de proferir a decisão mais justa, utilizando-se da jurisdição. Para os defensores da natureza híbrida, a arbitragem é processo privado para a solução de controvérsias, é forma privada de sentença com as vestes do poder de uma decisão judicial entre particulares em oposição às cortes judiciais. É um acordo consensual no qual a solução da questão é dada por terceira pessoa; também é judicial porque põe fim à disputa, possibilitando seu cumprimento como um julgamento do mérito do judiciário.”

8. Espécies de arbitragem

É certo que toda classificação doutrinária em espécies depende, indubitavelmente, da visão metodológica do autor que a enuncia.
Sendo assim, não estranharemos se o leitor discordar da classificação que faremos neste tópico, deixando a matéria sempre em aberto, não por omissão, mas sim pela perspectiva dialética de aprofundamento analítico.
Feito tal esclarecimento, vejamos algumas “espécies” de arbitragem:

a) Quanto ao modo:

Nesta classificação, a arbitragem pode ser voluntária ou obrigatória.
A arbitragem voluntária é, por essência, a verdadeira arbitragem, onde as partes livremente optam por esta forma de solução de conflitos, tendo ampla liberdade para a escolha dos árbitros e procedimento. É a forma consagrada pela Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que rege atualmente o juízo arbitral no Brasil.
Já a arbitragem obrigatória é aquela compulsoriamente imposta pelo Estado como a forma de solução para determinados tipos de controvérsia. No nosso entender, a sua utilização de maneira indiscriminada no nosso país faleceria de constitucionalidade, tendo em vista o princípio da indeclinabilidade do Poder Judiciário, conforme verificaremos no próximo tópico (“Arbitragem X Poder Judiciário”).
Vale destacar, porém, que a arbitragem obrigatória é utilizada em muitos países , apesar de configurar, a nosso ver, uma violação à própria essência do instituto, verdadeira contradição de termos, mesmo que haja adaptações específicas.
Neste sentido, lecionam Orlando Gomes e Elson Gottschalk que a “arbitragem obrigatória de outros países apresenta-se com características bastante diferentes. Em primeiro lugar, não são livres as partes ou uma delas de recorrer a ela, e a sentença ou laudo arbitral impõem-se coercitivamente. Em segundo, os países que a adotam visam precipuamente à adoção de uma política de salário e de trabalho no quadro geral da política econômica do Governo. Sem se evadir dos lindes do princípio democrático, perfilha-se um sistema mais acentuadamente intervencionista, fruto quase sempre do dirigismo estatal da economia” .

b) Quanto ao espaço:

Quanto ao espaço de atuação da arbitragem, a mesma pode ser Internacional, a qual, nas palavras de Georgenor de Sousa Franco Filho, “é caracterizada pela dépeçage, ou seja, pelo despedaçamento do contrato, no qual cada parte pode ser regida por lei diferente, v. g., uma lei para cuidar da capacidade das partes; outra, da competência dos árbitros; uma terceira, sobre o procedimento arbitral.”
O Juízo Arbitral pode ser, porém, apenas Interno, ou seja, aquele onde há somente a atuação de um único sistema jurídico (direito positivo interno).

c) Quanto à forma de surgimento:

A arbitragem pode ser institucional, que é aquela ocorrente quando as partes se reportam a uma entidade arbitral ou a um órgão técnico especializado.
Este órgão geralmente possui regras e normas próprias de procedimento, o que facilita, sobremaneira, a instituição do compromisso arbitral .
Caso as partes não queiram optar por uma instituição específica, ocorrerá uma arbitragem Ad Hoc, ou seja, aquela criada para o caso concreto, onde os pactuantes terão de estabelecer, com o compromisso arbitral, o registro do procedimento, entre outros aspectos relevantes.

d) Quanto aos fundamentos da decisão:

Esta classificação tem por base o já transcrito art. 2º da Lei de Arbitragem, apenas para destacar que os fundamentos decisórios do árbitro podem estar embasados tanto em preceitos jurídicos stricto sensu (a chamada “arbitragem de Direito”) ou no seu livre convencimento do que seja a “Justiça no caso concreto” (a “arbitragem de Eqüidade”).

e) Quanto à liberdade de decisão do árbitro:

Finalmente, quanto à liberdade de decisão do árbitro, temos algumas espécies legais (bem distintas, a depender de cada caso apreciado) de arbitragem.
A arbitragem de “Oferta Final” (final offer), já com previsão expressa no nosso Direito positivo , consiste na hipótese em que o árbitro fica literalmente condicionado a optar por uma das ofertas de cada parte, sem a possibilidade de uma solução “salomônica” intermediária. É, sem sombra de qualquer dúvida, a espécie de arbitragem onde há a menor incidência de liberdade do árbitro.
Já a arbitragem por “Pacote” (package), na visão de Luiz Carlos Amorim Robortella, é a modalidade em que o “árbitro adota como decisão o pacote integral de ofertas do empregador ou o pacote total das reivindicações do sindicato em todos os seus itens de negociação” . Diferencia-se da forma anterior pelo fato de que aqui há um conjunto de propostas que deverão ser apreciadas pelo árbitro, enquanto naquela a solução é singular, sem qualquer flexibilidade.
A arbitragem “medianeira” (med-arb), por sua vez, é aquela em que o árbitro atua inicialmente como mediador, na busca de uma solução negociada, em que, somente após a frustração efetiva das propostas conciliatórias, é que estará autorizado a exercer a arbitragem propriamente dita.
Obviamente, além dessas formas lembradas, há que se incluir a arbitragem convencional, ou seja, aquela que se dá sem qualquer condicionamento, espécie que também é conhecida como “arbitragem de queixas” (para interpretação de controvérsias jurídicas).

9. Arbitragem X Poder Judiciário

Uma das maiores polêmicas em relação à constitucionalidade da arbitragem se refere ao seu aparente conflito com o Poder Judiciário.
Adotamos a expressão “aparente conflito” justamente por não vislumbrarmos a lesão alegada ao princípio constitucional da indeclinabilidade do Poder Judiciário, expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 .
Nas palavras de Joel Dias Figueira Júnior, há de se ressaltar “que a arbitragem como jurisdição privada opcional decorre da manifestação livre de vontade das partes contratantes, do que advém a sua natureza contratual jurisdicionalizante, sendo o compromisso arbitral ‘...um negócio jurídico de direito material, significativo de uma renúncia à atividade jurisdicional do Estado’. Regem-se os contratos pelo princípio da autonomia da vontade das partes, razão porque a elas deve ser reconhecida a alternativa sobre a opção ou não pela jurisdição estatal para a solução de seus conflitos ou para a revisão sobre o mérito da decisão arbitral.
Ademais, nunca se questionou a constitucionalidade das transações, não havendo diferença ontológica entre a opção pela jurisdição privada e a disposição de bens ou direitos de natureza privada de forma direta ou através de outorga a terceiros. Em outros termos, se o jurisdicionado pode dispor de seus bens particulares, nada obsta que possa o menos, isto é, dispor das respectivas formas de tutelas” .
Permitindo-nos um trocadilho, definitivamente não encaramos a arbitragem como a “privatização da Justiça”, mas sim como uma “Justiça Privada”, o que é algo bem distinto. Na primeira, estaríamos falando de um afastamento definitivo da atuação estatal na solução de conflitos, enquanto a segunda se refere à possibilidade das partes, de forma autônoma, escolherem os sujeitos a quem pretendem submeter as suas controvérsias.
Ademais, vale destacar que a possibilidade do reconhecimento judicial da nulidade da sentença arbitral já demonstra que, de forma alguma, o Poder Judiciário será afastado de suas prerrogativas constitucionais.
Por tal viés, dispõem os arts. 32/33 da Lei 9.307/96:

“Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I – for nulo o compromisso;
II – emanou de quem não podia ser árbitro;
III – não contiver os requisitos do art. 26 desta lei
IV – for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI – comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII – proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III , desta lei; e
VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º , desta lei.
Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta lei.
§ 1º. A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.
§ 2º. A sentença que julgar procedente o pedido:
I – decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e VIII;
II – determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses.
§ 3º. A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741, e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.”

Observe-se, portanto, que é plenamente possível anular a sentença arbitral, não havendo como se afastar a atuação do Poder Judiciário em relação às nulidades porventura ocorrentes.
Sua atuação, entretanto, não poderá, obviamente, modificar o mérito da decisão arbitral, o que, em si mesmo, não é algo inovador no Direito brasileiro, se levarmos em consideração, por exemplo, que o Poder Judiciário não pode discutir também o conteúdo do ato administrativo discricionário, mas apenas sua legalidade (o que a Doutrina e Jurisprudência consolidada consideram plenamente constitucional).
Recentemente, em agravo regimental interposto contra homologação de sentença estrangeira (AGRAVO REG. NA SENTENÇA ESTRANGEIRA Nr. 5206), decidiu, incidentalmente, pela constitucionalidade da Lei 9.307/96 .
Vale destacar, ainda, que também o Superior Tribunal de Justiça também tem reconhecido eficácia à arbitragem, conforme tem sido noticiado na imprensa especializada .

10. A atual lei de arbitragem (Lei 9.307/96 – “Lei Marco Maciel”)

A atual lei de arbitragem, tombada sob o nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, originou-se do Projeto de Lei do Senado nº 78, de 03/06/92, apresentado pelo então Senador Marco Maciel.
Sua justificação formal foi a de “criar um foro adequado às causas envolvendo questões de direito comercial, negócios internacionais ou matérias de alta complexidade, para as quais o Poder Judiciário não está aparelhado”, conforme expressamente consignado em sua exposição de motivos.
Como este novo diploma normativo revogou ou modificou todas as disposições anteriores sobre arbitragem, ele é, hoje, a única fonte normativa geral da matéria, pelo que sua análise, ainda que superficial, é imprescindível para sua efetiva compreensão.

11. Procedimento da arbitragem – conhecendo aspectos da Lei 9.307/96

Sem a intenção de pormenorizar cada detalhe da Lei 9.307/96, acreditamos ser bastante válido destacar alguns aspectos importantes da atual disciplina do procedimento de arbitragem.
No que diz respeito aos limites de atuação da arbitragem, o art. 1º da lei preceitua que as “pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”
A “capacidade” mencionada para contratar é a civil, na forma dos arts. 5º e 6º do vigente Código Civil brasileiro.
Destaque-se que a referência a “direitos patrimoniais disponíveis” é, como veremos no tópico 13 (“A arbitragem (Lei 9.307/96) na área trabalhista”), uma das dificuldades para a ampla aceitação do juízo arbitral no Direito Individual do Trabalho.
Anteriormente ao conflito, as partes poderão estabelecer, para o caso de seu eventual surgimento, que o mesmo seja resolvido por arbitragem. Tal estabelecimento se dará através da “Cláusula Compromissória”, cujo conceito está expresso no art. 4º da Lei .
Tal estipulação obriga às partes, em função da autonomia da vontade e do princípio geral do Direito do “pacta sunt servanda”, podendo ser exigido judicialmente o cumprimento do estipulado (no caso, a submissão do conflito – outrora previsto e agora existente – ao Juízo arbitral).
Surgindo realmente o conflito, os litigantes celebraram “Compromisso Arbitral”, entendido este como “a convenção através da qual as partes submetem um um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial” (art. 9º)
O conteúdo deste compromisso está previsto na Lei, onde constam elementos obrigatórios (art. 10) e facultativos (art. 11), o que deve ser cuidadosamente observado.
Note-se que os árbitros, apesar de naturalmente privados, terão características semelhantes (impedimentos, suspeições etc.) ao do julgador estatal, conforme se pode verificar dos arts. 13/18 da Lei de Arbitragem.
Os arts. 19/22 tratam do procedimento arbitral “stricto sensu”, o qual, como já dissemos, pode ser regulado pelas próprias partes ou, na ausência de estipulação expressa, ter sua disciplina delegada ao árbitro ou ao tribunal arbitral institucional.
Já os arts. 23/33 se referem à sentença arbitral propriamente dita, que, como verificado no já transcrito art. 18, é irrecorrível no mérito, não havendo necessidade de homologação pelo Poder Judiciário, inovação legal das mais importantes para a consolidação desta forma de solução de conflitos .
Saliente-se que a sentença arbitral, cujos requisitos e elementos estão previstos nos arts. 24/29, tem realmente a força de um sentença judicial, sendo, por força de lei, título executivo JUDICIAL, tendo em vista a inserção da sentença arbitral no inciso III do art. 584 do Código de Processo Civil.
Um dado que merece destaque, por demonstrar o caráter célere da arbitragem, é o fato de que a sentença arbitral tem prazo estipulado a ser observado, sob pena de nulidade (o que implicaria na perda dos honorários do árbitro, que teria, portanto, o maior interesse na prolação rápida da decisão).
Apenas a título de curiosidade, ressalte-se que a Lei, no seu art. 30, traz a previsão de um ajuizamento de uma espécie de “Embargos Declaratórios”, para o caso – sempre possível – de erro material, obscuridade, dúvida, contradição ou omissão na sentença arbitral.

12. Incidência da arbitragem na legislação trabalhista brasileira

Diversos dispositivos normativos fazem referência expressa à possibilidade da incidência da arbitragem no Direito do Trabalho.
A Lei de Greve (Lei 7.783/89), por exemplo, em seu art. 7º, preceitua que “Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.” (grifos nossos)
Já a Lei 10.101, que trata da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados, fruto da Medida Provisória nº 1.487/96 (a medida provisória mais duradoura que se tem notícia), traz previsão expressa de uma “Arbitragem de Ofertas Finais”, nos seguintes termos:

“Art. 4º. Caso a negociação visando à participação nos lucros ou resultados da empresa resulte em impasse, as partes poderão utilizar-se dos seguintes mecanismos de solução do litígio:
I – mediação;
II – arbitragem de ofertas finais.
§ 1º. Considera-se arbitragem de ofertas finais aquela em que o árbitro deve restringir-se a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes.
§ 2º. O mediador ou o árbitro será escolhido de comum acordo entre as partes.
§ 3º. Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência unilateral de qualquer das partes.
§ 4º. O laudo arbitral terá força normativa, independentemente de homologação judicial.”

Da mesma forma, a Lei 8.630, de 25/02/93, que dispõe sobre o regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalação portuárias (a chamada “Lei dos Portuários”), também estabelece uma Comissão Arbitral para resolver divergências, in verbis:

“Art. 23. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra, Comissão Paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação das normas a que se referem os arts. 18, 19 e 21 desta Lei.
§ 1º. Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais.
§ 2º. Firmado o compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes.
§ 3º. Os árbitros devem ser escolhidos de comum acordo entre as partes e o laudo arbitral proferido para solução da pendência possui força normativa, independentemente de homologação judicial.”

Não há, porém, uma lei específica da Arbitragem Trabalhista, o que, sob nosso prisma focal, seria o ideal, tendo em vista as peculiaridades próprias da relação jurídica laboral, notadamente o que chamamos de “alta carga de eletricidade social” do vínculo empregatício.
Logo, na ausência de dispositivos próprios, se quisermos aplicar a arbitragem aos conflitos trabalhistas, de forma ampla, somente podemos pensar hoje na Lei 9.307/96, uma vez que a mesma revogou expressamente todos as outras fontes normativas genéricas sobre o tema.

13. A arbitragem (Lei 9.307/96) na área trabalhista

Sem qualquer dúvida, o Direito Coletivo do Trabalho é, no conjunto das relações laborais, a área mais propícia hoje para a utilização da Arbitragem.
Vale destacar, a propósito, que os consagrados mestres Orlando Gomes e Elson Gottschalk consideravam o Poder Normativo da Justiça do Trabalho uma espécie de “arbitragem obrigatória” dos conflitos coletivos, através de órgão judiciários .
Mas a arbitragem propriamente dita tem realmente espaço em sede de relações coletivas de trabalho, até mesmo pela expressa previsão dos §§ 1º e 2º do art.114 da Constituição Federal .
Já o Direito Individual do Trabalho tem se mostrado um terreno mais resistente para aceitação da arbitragem.
Isto por causa do disposto no já transcrito art. 1º da Lei 9.307/96, que limita o uso da arbitragem a “litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Ora, em função do Princípio tradicional da Irrenunciabilidade de Direitos, há quem entenda que o Juízo Arbitral seria totalmente inaplicável às relações individuais de trabalho, o que tem encontrado respaldo nos setores mais conservadores da doutrina e jurisprudência.
Todavia, os tempos parecem estar mudando no horizonte, pois, pouco a pouco, a flexibilização dos direitos trabalhistas no plano individual, ainda que com a assistência das entidades sindicais, parece estar ganhando cada vez mais corpo.
Além das previsões constitucionais do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV (flexibilização de direitos trabalhistas com base na negociação coletiva), a política do atual Governo federal, com envio de projetos de reestruturação da legislação laboral, também infere que grandes transformações estão por vir, com o incentivo, cada vez maior, de formas de solução extrajudicial de conflitos, entre as quais a arbitragem se destaca .
Ademais, talvez já seja a hora de assumir, sem hipocrisias, que os direitos trabalhistas talvez não sejam tão irrenunciáveis assim, mas a própria possibilidade da conciliação judicial por valores menores do que o efetivamente devido já demonstra a real disponibilidade na prática (e com a chancela judicial!).

14. A arbitragem não é uma “panacéia” (óbices a seu amplo desenvolvimento).

Feitas todas essas considerações, fica a questão: se a arbitragem é tão boa assim, por que ela ainda não está totalmente disseminada na prática da sociedade brasileira?
A resposta é simples. Porque ela não é uma “panacéia”
Conferindo o Dicionário Aurélio, aprendemos o seu significado:
“panacéia. [Do gr. panákeia, pelo lat. panacaea.] S. f. 1. Remédio para todos os males: ‘O campo e a praia, o ar do monte e o ar do mar são... a universal panacéia para as moléstias endêmicas das grandes cidades, para as nevroses dos excitados de todas as espécies, ... para os doentes de todos os abusos do trabalho ou do prazer.’ (Ramalho Ortigão, As Farpas, I, p. 249.] 2. Preparado que tem certas propriedades gerais. 3. Fig. Recurso sem nenhum valor empregado para remediar dificuldades. [Sin. (p. us.), nessas acepç.: pancresto.] 4. V. braço-de-preguiça.”
Definitivamente, a arbitragem NÃO É o “remédio para todos os males” e nossa intenção nunca foi fazer reles proselitismo em seu favor.
A arbitragem realmente é uma das formas mais avançadas de solução de conflitos, pois incentiva a autonomia dos atores sociais, afastando a muitas vezes perniciosa intervenção estatal nas relações de Direito Material.
O reconhecimento, porém, da existência de dificuldades é medida de honestidade que deve ser explicitada, em função de alguns “óbices”, que podem ser sintetizados em dois tópicos: o custo e a mentalidade.
A arbitragem, por ser uma forma privada de solução de conflitos, implica na existência de custos pelas partes , dificuldade essa ampliada em relação ao processo do trabalho, em que estamos, do ponto de vista institucional, cada vez mais próximos de um regime de gratuidade.
A segunda dificuldade reside na cultura do cidadão brasileiro, que vem se caracterizando cada vez mais por uma mentalidade demandista, às vezes valendo-se do próprio atraso na prestação jurisdicional para obter vantagens ilícitas.
Somente com a superação de tais obstáculos, poder-se-á conseguir a criação de uma “cultura arbitral”, reservando ao Poder Judiciário estatal somente as grandes e inconciliáveis questões de Direito.

15. Bibliografia citada e consultada.

AMARAL, Lídia Miranda de Lima, Mediação e Arbitragem – uma solução para os conflitos trabalhistas no Brasil, São Paulo, LTr Editora, 1994.
BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas, Direito do Trabalho – Apontamentos para concursos, Salvador, 1998.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido R., Teoria Geral do Processo, 9ª ed., 2ª Tiragem, São Paulo, Malheiros Editores, 1993.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Lingua Portuguesa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999.
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, A nova lei de Arbitragem e as relações de trabalho, São Paulo, LTr Editora, 1997.
_______________, A Arbitragem e os Conflitos Coletivos de Trabalho no Brasil, São Paulo, LTr Editora, 1990.
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A Súmula nº 425 e a Incoerência do TST

A Súmula nº 425 e a Incoerência do TST
Benedito Calheiros Bomfim
Da Academia Nacional de Direito do Trabalho; Ex-Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros; Ex-Conselheiro Federal da OAB.

RESUMO: Para melhor compreender a gênese das primeiras normas de Direito do Trabalho no Brasil, a conjuntura em que foi editada a CLT e a inserção, nesta, do jus postulandi das partes, faz-se mister rememorar as condições sociais, econômicas e políticas da época em que surgiram. Faz-se uma revisão histórica do Direito Trabalhista no Brasil passando por uma análise da Súmula do TST
nº 425, aprovada no corrente ano, que retira o direito das partes de atuarem pessoalmente na mais alta corte da Justiça do Trabalho brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Jus Postulandi. Advocacia Trabalhista. Indispensabilidade do Advogado. Súmula do TST nº 425.

Gênese do Direito do Trabalho no Brasil

Para melhor compreender a gênese das primeiras normas de Direito do Trabalho no Brasil, a conjuntura em que foi editada a CLT e a inserção, nesta, do jus postulandi das partes, faz-se mister rememorar as condições sociais, econômicas e políticas da época em que surgiram.

O cenário do qual emergiram, no Brasil, as primeiras normas de proteção ao trabalho é assim descrito pelo Ministro do STF Clóvis Ramalhete, em prefácio à 1ª edição do nosso livro Conceitos sobre advocacia, magistratura, Justiça e Direito:

"O Direito do Trabalho esteve, de começo, lavrado na turbulência reprimida das ruas e dos portões de fábrica. A seguir, esboçou-se nos comícios, na voz dos bacharéis políticos precursores (Ruy Barbosa, Maurício de Lacerda, Evaristo de Moraes – no Rio; Joaquim Pimenta, em Recife; Lindolfo Collor, em Porto Alegre, e outros). Depois, nos anos 20, ganhou as primeiras leis e projetos, desarticulados e atirados à face do Estado Republicano de 91 que, ao tempo, tinha o coronelismo no município por base, e o liberalismo econômico por ideologia. Ao cabo, tendo em 1930 conquistado o Poder, o Direito do Trabalho ganhou Ministério, Comissão Permanente de Legislação, sindicatos e até partidos, quando suas leis passaram a surgir em série sob unidade doutrinária e que, bom ou não, erigia um corpo completo."

Jus Postulandi das Partes

Em 1943, quando da vigência da Consolidação Trabalhista, o Brasil ainda era um país de economia agrária e dava os primeiros passos no caminho da industrialização, com precária organização sindical, alarmante índice de analfabetos, abissal desigualdade social e alarmantes bolsões de pobreza. A incipiente Justiça do Trabalho encontrava-se então inserta no âmbito administrativo, e o país vivia sob o guante de uma ditadura, regida por uma carta constitucional por esta outorgada.

Nesse contexto, foi o jus postulandi estabelecido na nascente Justiça Trabalhista, composta de Juntas de Conciliação e Julgamento (hoje, Varas
do Trabalho), seis das quais no Rio de Janeiro; oito Conselhos Regionais do Trabalho, atuais Tribunais Regionais do Trabalho, classificados em duas categorias; Câmara de Justiça do Trabalho e Conselho Nacional do Trabalho (transformado, com a Constituição de 1946, em Tribunal Superior do Trabalho). Seus juízes, denominados Presidentes de Juntas eram nomeados sem concurso 1. Os dois outros integrantes das JCJs representavam as categorias de empregadores e empregados, formalmente designados vogais. Os Presidentes de Juntas, ainda não sobrecarregados de trabalho, suplementavam o desconhecimento das partes. Adotou a recém-criada Justiça um processo inovador, baseado na singeleza, informalidade, concentração, oralidade, gratuidade. Essas mudanças, junto com a citação por via postal, a obrigatoriedade de proposta de conciliação em audiência e outras práticas hoje adotadas no processo civil subverteram o tradicional conservadorismo jurídico e o formalismo processualista.

A Constituição de 1946, que incorporou a Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, não deslegitimou o instituto do jus postulandi, dado que as condições materiais, sociais e culturais do país pouco se alteraram.

A Criação da Justiça do Trabalho

Malvista a criação da Justiça do Trabalho pela maioria dos advogados e grande parte dos operadores do Direito, que rejeitavam suas inovações simplificadoras, contrárias ao formalismo processual e à tradição jurídica conservadora, a novel Justiça era hostilizada particularmente por patrões, que a tachavam de facciosa, de ter sido criada para proteger exclusivamente os interesses dos trabalhadores.

Sobre os primórdios da Justiça do Trabalho, relata o eminente Ministro do STF Clóvis Ramalhete:

"Àquela época, presidentes de junta tinham paciência e dispunham de tempo. Tornavam manifesto o princípio do moderno Processo, da intervenção condutora do Juiz. No caso, porém, acrescentavam uma refração do propósito de tutela do trabalhador. Era de vê-los. Encaminhavam acordo, sem forçar. Supriam de coragem os depoentes toscos. Aqueles Juízes despiam-se de pompa, em benefício da descontração dos tímidos. No ato de julgar, esses fundadores do Direito do Trabalho no Brasil foram criando Direito, também. Dada a legislação fragmentária e lacunosa de então. Honra pois aos juízes e advogados desta época inicial que contribuíram para modelagem de institutos jurídicos inteiros, no vazio ou na lacuna da norma de lei, como foram as questões sobre férias, punição disciplinar, despedida obstativa (da estabilidade), períodos descontínuos de relação de emprego e tantas outras, a que a jurisprudência ou criou ou completou o entendimento."

A Advocacia Trabalhista

Sobre os pioneiros da advocacia trabalhista no Rio de Janeiro, os quais, por constituírem um pequeno núcleo, mais se assemelhavam a uma espécie de família forense, narra ainda o saudoso prefaciador:

"Calheiros Bomfim, magro e tranquilo, de voz calma e palavra cortês, integrou as primeiras levas daqueles advogados que ajudaram a estabelecer, no Rio de Janeiro, a Justiça do Trabalho. Também eu estava entre eles; e aqui evoco Mário Borghini, Haroldo Aguinaga, Nélio Reis, Ruy Bessone, dentre os que lograram imagem de advogados integrais, pela ética, pelo saber, pela imaginação, pela linguagem oral e escrita e, é claro, pela adesão pessoal à causa do patrocinado."

O que teria levado esses profissionais do Direito, alguns dos quais já com sólida clientela, a optarem pela advocacia trabalhista? Antevisão da importância, de um futuro promissor da Justiça do Trabalho? Motivação social? Perspectiva de uma grande ampliação do mercado de trabalho? Desejo de dar assistência jurídica aos hipossuficientes? Preferência por uma advocacia célere, menos formal, mais próxima da realidade e da vida?

O Tribunal Superior do Trabalho, com base no art. 791 da CLT, que permite à parte reclamar e acompanhar o processo até final, entendia serem indevidos honorários advocatícios no processo trabalhista, salvo se o trabalhador fosse beneficiário da Justiça Gratuita, nos termos da Lei nº 1.060/50. Esse entendimento foi reafirmado na Súmula nº 11, editada na vigência do CPC/1939, inobstante prescrever o art. 64 desse diploma que a parte vencida (sem ressalva gratuidade) pagará os honorários do advogado da parte vencedora.

Em 1970, a Lei nº 5.584 estabeleceu que a assistência judiciária na Justiça do Trabalho será prestada pelo sindicato da categoria do trabalhador "a todo aquele que receber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal".

Súmula da mesma alta Corte do Trabalho dispôs que "atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/70, são devidos os honorários advocatícios ainda que o sindicato figure como substituto processual".

Essa orientação foi reafirmada em outra súmula (nº 219) aprovada em 1985.

Firmou-se, pois, o entendimento de que, daí por diante, para fazer jus à verba honorária, em caso de sucumbência, não mais bastava o trabalhador ser beneficiário da Justiça Gratuita, mas sim que ganhasse menos de dois salários mínimos e estivesse assistido por sindicato, revertidos os honorários, contudo, em favor do ente sindical. Vale dizer: deu-se um retrocesso, uma sensível limitação, em detrimento do trabalhador, no tocante ao direito a honorários de sucumbências, não mais condicionado simplesmente ao fato de ser beneficiário da assistência judiciária.

A propósito, argumenta, e muito bem, o desembargador Milton Varela Dutra:

"A assistência judiciária, no processo do trabalho, em tempo algum, antes ou após o advento constitucional, constituiu monopólio sindical, pelo que não é nem nunca foi restrita aos ditames da Lei nº 5.584/70, sendo neste plenamente aplicáveis os preceitos da Lei nº 1.060/50, além de assegurado ao trabalhador pobre a assistência judiciária por dever estatal (CF, arts. 5º, LXXIV, e 134)."

Em sua Súmula nº 450, o STF havia julgado (genericamente) "serem devidos honorários sempre que vencedor o beneficiário de Justiça Gratuita".

É certo que outra súmula do STF (nº 633) reza que verba honorária é indevida em recurso extraordinário interposto em processos trabalhistas, o que pode ser interpretado, por seu caráter ambíguo, no sentido de que a vedação a honorários advocatícios estaria restrita a recursos nessa derradeira fase processual. Ainda que assim não fosse, não se tratando de súmula vinculativa, seu enunciado não obrigaria à Justiça Especializada.

Seja como for, não existe na legislação nenhum dispositivo vedando o direito da parte vencedora de perceber honorários advocatícios na Justiça do Trabalho.

Indispensabilidade do Advogado

Não obstante ter sido reconhecido por preceito constitucional ser "o advogado indispensável à administração da Justiça", o Enunciado do TST nº 329 estabeleceu que "mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado nº 219".

Em outras palavras, o TST considera que o princípio da indispensabilidade do advogado, estatuído no art. 133 da Lei Maior, não se aplica à Justiça do Trabalho, com o que criou uma exceção que dele não consta, entendimento conflitante, pois, com o preceito constitucional. Julgou como se a norma constitucional tivesse excluído a Justiça do Trabalho do Poder Judiciário.

Após a Emenda nº 45/04, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, o TST aprovou a Instrução Normativa nº 27, de 22.02.05, admitindo honorários de sucumbência nas lides envolvendo relação de trabalho. Criou, com esse entendimento, tratamento desigual e discriminatório, na mesma Justiça, com quebra frontal do princípio constitucional da isonomia.

Posteriormente, em 29 de abril de 2010, o Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Súmula nº 425, com o seguinte teor:

"Jus postulandi das partes na Justiça do Trabalho. Alcance. O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos da competência do Tribunal Superior do Trabalho."

Ao retirar o direito das partes de atuarem pessoalmente na mais alta corte da Justiça do Trabalho, o TST derrogou o questionado art. 791 da Consolidação Trabalhista, que permite a empregados e empregadores reclamarem pessoalmente e (sem ressalva) "acompanhar as suas reclamações até o final". E, em seu § 2º, faculta-lhes "a assistência por advogados nos dissídios coletivos".

E a súmula o fez, certamente, por considerar que os processos da competência da mais alta Corte trabalhista são de natureza exclusivamente jurídica, técnica, impossível de serem conduzidos e exercidos por leigos.

Da mesma forma, para excluir na aludida súmula a atuação direta das partes nos processos de mandado de segurança, ações rescisórias e cautelares nos processos submetidos às Varas e Tribunais Regionais do Trabalho, o fundamento do TST é, seguramente, o mesmo; ou seja, que nas aludidas ações a matéria discutida é exclusivamente de direito, essencialmente técnica, só acessível aos profissionais especializados, insuscetível de ser conhecida e exercitada por quem não possui habilitação para advogar.

Causa estranheza, antes de tudo, que só agora, depois de décadas, o TST tenha chegado a essa evidência, à tão óbvia conclusão. Mas, ainda que essa interpretação represente um avanço, é ele tímido, incompleto, equivocado, incoerente, como é fácil de constatar.

Com efeito, vai longe o tempo em que a Justiça do Trabalho era uma Justiça menor, secundária, desimportante, carente de estrutura, em que seus juízes percebiam vencimentos ínfimos, irrisórios, aviltantes, a ponto de só se interessarem por ingressar em sua magistratura aqueles vocacionados ou advogados frustrados na profissão.

Como é notório, a Justiça do Trabalho cresceu, seus órgãos se multiplicaram em todo território nacional, hipertrofiou-se, tornou-se complexa. As sedes de seus Tribunais tornaram-se suntuosas, seus integrantes passaram a intitular-se desembargadores, a usufruírem mordomias, como carro, motorista, assessores e gabinetes, nos quais muitos costumavam (antes que fosse vedado o nepotismo) empregar parentes e amigos.

A própria CLT sofreu, nas cabeças dos seus artigos, parágrafos, itens, alíneas, incisos, e até de Capítulos, mais de mil alterações. Paralelamente, editou-se uma legislação esparsa complementar, extravagante, mais numerosa do que o aludido Estatuto Trabalhista básico.

A isso, acresçam-se os institutos processuais civis e normas de direito comum aplicados ou aplicáveis à Justiça do Trabalho, enumerando-se, entre os primeiros: abuso de direito; desistência da ação; ação de atentado; ação anulatória; ação declaratória; ação de consignação; agravo regimental; ato atentatório à dignidade da Justiça; arresto; atraso do juiz no comparecimento à audiência; cobrança de honorários advocatícios; conflito de competência; contradita à testemunha; depositário infiel; embargos à adjudicação; exceção de pré-executividade; exibição de documentos; habeas corpus; litispendência; honorários advocatícios; imunidades de jurisdição; incidente de falsidade; litisconsórcio; prevenção; ação monitória; decadência; interrupção da prescrição; denunciação da lide; preclusão; penhora on-line; pré-questionamento; embargos de declaração; embargos de terceiro; desconsideração da pessoa jurídica; hipoteca judicial; credor hipotecário; ordem de nomeação de bens à penhora; bem de família; habilitação em falência; imunidade de jurisdição; litigância de má-fé; pré-constituição de prova; pedido de reavaliação; substituição de bem penhorado; aditamento e inépcia da inicial; precatório; incidente de falsidade; prova emprestada; reconvenção; lide simulada; recurso adesivo; inovação da lide; acidente de trabalho; julgamento extra e ultra petita; cerceamento de defesa; multa na execução forçada; prescrição intercorrente; sobrestamento de processo; prazo de validade de procuração; rito sumaríssimo; orientação jurisprudencial; liquidação extrajudicial; antecipação de tutela; crédito no rosto dos autos; concurso de credores; pré-executividade da execução; simulação; reintegração de posse; sequestro de bens; substituição processual; transação; Comissão de Conciliação Prévia.

Na súmula em questão, o TST excluiu o jus postulandi também nos processos de ação rescisória, mandado de segurança e ação cautelar submetidos às Varas e Tribunais Regionais do Trabalho.

Cabe, então, indagar se os institutos processuais retro enumerados são, porventura, menos técnicos e menos complexos, envolvem menos questões especiais de direito do que o recurso de revista, o mandado de segurança, as ações rescisórias e cautelares.

Incoerência da Súmula nº 425

Salvo melhor juízo, a súmula ora analisada, se realmente teve por fundamento o apontado e criticado no presente trabalho, é inconsequente, constitui um contrassenso, reveste-se de flagrante incongruência.

Para ser coerente, teria – isto sim – de extinguir o jus postulandi na Justiça do Trabalho, como agora propugnado pelo Ministro Arnaldo Süssekind, coautor da inserção desse instituto na CLT, e que acaba de, junto com o elaborador do presente ensaio e do Conselheiro da OAB/RJ Nicola Pirainho, assinar anteprojeto propondo a indispensabilidade de advogado e de verba honorária na Justiça Especializada 2.

Diante das transformações sociais, econômicas e culturais por que passou o Brasil desde as mais de cinco décadas, da data em que foi editada a CLT, o Ministro Arnaldo Süssekind, corresponsável pela instituição do jus postulandi no processo trabalhista, face à nova realidade que se criou, com a honestidade intelectual característica de sua personalidade, reformulou seu entendimento, e agora pugna pela adoção de honorários de sucumbência e a supressão da faculdade de auto-representação da parte, direito que, conquanto adequado à época em que foi concebido, já cumpriu seu papel histórico, tornando-se, há muito, obsoleto, anacrônico.

Anteprojeto sobre Honorários e Obrigatoriedade de Advogado

Não se objete mais que, nos caso de sucumbência, condenado a pagar honorários, o trabalhador não teria como arcar com tal ônus, uma vez que, via de regra, é ele beneficiário da assistência jurídica e, poucas vezes, totalmente sucumbente. E, segundo o referido projeto de lei, só em caso de improcedência total da ação seria ele, não sendo beneficiário da Justiça Gratuita, responsabilizado pela verba honorária. Nem é razoável nem justo que, detentor de boa situação econômica, de confortáveis condições financeiras, portador de status, se condenado em honorários advocatícios decorrente da sucumbência, fique o empregado isento de tal pagamento.

A existência desse risco, a possibilidade de incidência em tal ônus, desestimularia, por certo, reclamações infundadas, pleitos temerários, pedidos exagerados, por parte de trabalhadores, bem como de empregadores inescrupulosos, sonegadores de direitos trabalhistas, autores de recursos e expedientes protelatórios, o que, por outro lado, muito contribuiria para desafogar o Judiciário Trabalhista.

Seja como for, se a súmula em exame tornou privativa de advogado, a atuação nos processos submetidos ao TST teria, sob pena de estar sendo inconsequente, incongruente, de, no caso de sucumbência – e nisso ela é omissa – tornar também obrigatória a condenação na verba honorária, uma vez que o fundamento legal para a inadmissão desta é a faculdade dada à parte de, prescindindo de advogado, se autorrepresentar na Justiça do Trabalho "até final do processo".

Registre-se que, na prática, a reclamação oral, formulada pela própria parte, está virtualmente abolida, sobrevivendo apenas na Pará e em mais um ou dois estados.

Por não admitir honorários de sucumbências, é que a Justiça do Trabalho continua a ser vista com reserva por um pequeno segmento de operadores do Direito e, pela mesma razão, não atrai advogados de renome nacional, os quais, quando nela atuam, o fazem, na grande maioria dos casos, como patronos de grandes empresas. É comum observar-se que advogados que ganharam experiência como patrono de trabalhadores e, ao longo do tempo, tornaram-se conhecidos como técnicos na área do Direito do Trabalho, são cooptados para defesa de causas de empresários, cujo poder econômico lhes proporciona melhor remuneração.

Como bem observou o Desembargador Antonio Álvares da Silva:

"Os fatos vão-no (o jus postulandi) superando paulatinamente. É de prever que, em futuro não muito distante, toda reclamação na presença de um advogado. As estatísticas citadas confirmam o fato." 3

NOTAS
1 - Às vésperas da Constituição de 1946, foram nomeados juízes, sem concurso, entre outros juristas, Délio Maranhão (na opinião de Arnaldo Süssekind e do autor deste breve ensaio, o mais completo magistrado trabalhista de todos os tempos) e Geraldo Bezerra de Menezes, o qual ascendeu do cargo de Presidente da 2ª Junta, que até então exercia, imediatamente à Presidência do recém-criado Tribunal Superior do Trabalho.
2 - O anteprojeto, agora transformado na Câmara dos Deputados em projeto de lei, recebeu o nº 3.592/09, e tem o seguinte teor: “Lei nº_______ de ______. Dá nova redação à disposição da CLT. Art. 1º Os arts. 839 e 876 da Consolidação das Leis do Trabalho passam a viger com a seguinte redação: ‘Art. 839. A reclamação será apresentada: a) Por advogado legalmente habilitado, que poderá também atuar em causa própria; b) Pelo Ministério Público do Trabalho.’ ‘Art. 876. (...) § 1º Serão devidos honorários de sucumbência ao advogado que patrocinou a demanda judicial, fixados entre 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, e, ao arbítrio do juiz, será estipulado o valor monetário indenizatório. § 2º Fica vedada a condenação recíproca e proporcional da sucumbência. § 3º Os honorários advocatícios serão devidos pelo vencido, exceto se este for beneficiário da gratuidade da justiça. § 4º No caso da assistência processual por advogado de entidade sindical, os honorários de sucumbências, pagos pelo vencido, serão revertidos ao profissional que patrocinou e atuou na causa. § 5º Serão executados ex officio créditos previdenciários resultantes de condenação ou homologação do acordo. § 6º Ficam revogados o art. 791 da CLT e os arts. 16 e 18 da Lei nº 5.558, de 26 de junho de 1970 e demais dispositivos incompatíveis com a presente Lei.’ Art. 2º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.”
3 - Suplemento Especial “O Trabalho” de doutrina em fascículos, fev. 2010.


Informações bibliográficas:
BOMFIM, Benedito Calheiros. A Súmula nº 425 e a Incoerência do TST. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 02 fev. 2011. Disponível em: - http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=923 -. Acesso em: 02 fev. 2011.