sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E A OBRIGAÇÃO DE FAZER APLICADA NO PROCESSO DO TRABALHO.

A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E A OBRIGAÇÃO DE FAZER APLICADA NO PROCESSO DO TRABALHO.

Tercio Roberto Peixoto Souza – Procurador do Município do Salvador, lotado a Procuradoria Especializada Judicial Trabalhista, Advogado, Professor da UNIFACS – Universidade Salvador, Pós Graduado em Direito Público pela UNIFACS – Universidade Salvador e Mestre em Direito pela UFBA – Universidade Federal da Bahia.

Endereço completo para correspondência – Rua Frederico Simões, nº. 153, Sala 1206, Cep. 41820-774, Caminho das Árvores, Salvador, Bahia.
Telefax (71) 3342-6755

e-mail: tercio@msampaioadvogados.com.br

Relação da produção intelectual anterior:
• • SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. Flexibilização Trabalhista: Entre o Pleno Emprego e o Direito Fundamental do Trabalhador. Revista de Direito do Trabalho, v. 130, ano 2008.
• SOUZA, Tercio Roberto Peixoto . Contrato de trabalho suspenso e a extinção do estabelecimento: o que fazer?. JURID Publicações Eletrônicas, v. III, p. 693, 2007.
• SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. Novo tratamento do preposto do empregador no processo do trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1458, 29 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2010.
• SOUZA, Tercio Roberto Peixoto. CIPA e a fiscalização de terceirizados . Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2539, 14 jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2010.

Palavras-chave: Responsabilidade; Administração Pública; Obrigação Processual.

Keywords: Responsability; Public Administration; Procedural Imposition.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 DO REGIME GERAL DA RESPONSABILIDADE TRABALHISTA. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO. 3 SOBRE A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NO PROCESSO EXECUTIVO. 4 DA OBRIGAÇÃO DE FAZER. 5 DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DO NÃO CABIMENTO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ENQUANTO DEVEDOR SUBSIDIÁRIO. 6 CONCLUSÕES. BIBLIOGRAFIA.


1. INTRODUÇÃO

Nos tempos modernos, as terceirizações, longe de serem uma exceção, tratam-se de uma inconteste regra. Sem entrar no mérito dos eventuais benefícios ou prejuízos que são causados aos prestadores, aos tomadores ou aos próprios trabalhadores, no que tange à utilização de tal expediente, o fato é que tem sido uma constante a contratação de terceiros para a prestação de serviços, seja por particulares, ou pela própria Administração pública.

Tal contratação teria por finalidade permitir uma maior especialização, por parte do prestador do serviço, bem como uma otimização de custos, por parte do contratante, sendo permitida não apenas implícita, mas explicitamente pelo ordenamento pátrio em relação à Administração Pública (tal qual se depreende da própria Lei 8666/93).

Dado o seu caráter eminentemente tuitivo, consagrado no princípio da proteção ao hipossuficiente, coube ao Direito do Trabalho apresentar alguns delineamentos acerca do regime da responsabilidade do tomador dos serviços, visando impedir o desamparo do próprio trabalhador que, em diversas oportunidades, viu-se vítima da fraude.

Com efeito, a partir da utilização indiscriminada subcontratação, notou-se a interposição de pessoas físicas ou jurídicas sem qualquer capacidade econômica de assegurar o adimplemento das obrigações trabalhistas, que fraudulentamente passaram a figurar entre o trabalhador e o beneficiário final dos serviços, o contratante.

Como não havia o vinculo de emprego entre o contratante e o trabalhador que lhe prestou serviços, não havia mecanismos para a responsabilização do tomador do serviço.

Insatisfeito com tal estado de coisas, o Poder Judiciário, notadamente o Especializado Trabalhista, consagrou entendimento no sentido de que cabe ao tomador do serviço a responsabilidade pelo adimplemento das parcelas decorrentes daquela relação. No influxo da ‘não-responsabilidade’ a prática tem identificado o intuito da ‘total-responsabilidade’ por parte do Tomador.

Ou seja, o Poder Judiciário tem entendido que cumpre ao tomador, responsabilizado na forma da Súmula 331 do TST, a responsabilidade pelo pagamento de todas as obrigações, inclusive processuais, tais como custas, multas e demais despesas eventualmente deferidas em favor do trabalhador.

Ocorre que, quando a terceirização envolve diretamente a Administração Pública, a questão acaba tornando-se um tanto mais complexa, dada a diversidade de regimes jurídicos implicados na relação entre a Administração, o contratado e o trabalhador.

Com efeito, a contratação pública demanda formalidades específicas e a execução do mesmo contrato impõe limites não apenas à atuação do Poder Público, mas em relação ao próprio regime da sua responsabilidade.

Quando tal realidade é apresentada no contexto processual trabalhista, agravam-se as dúvidas, críticas e o tratamento assistemático da matéria. Isso porque não se tem discutido, na esfera processual trabalhista, como conciliar a eventual obrigação de fazer imposta ao devedor principal com a responsabilidade da Administração Pública, demandada como responsável subsidiária na demanda.

Daí, em hipótese concreta, facilmente apurada nas lides trabalhistas, nota-se verdadeiro ‘Deus nos acuda’ diante dos consectários daquela questão: Pode o Juízo impor ao ente público, na condição de devedor subsidiário, obrigação de fazer inicialmente devida ao verdadeiro empregador? Poderia o Município ser instado a, por exemplo, assinar a CTPS de um determinado trabalhador, para proceder-lhe a baixa do vínculo, em lugar da empresa prestadora do serviço? Poderia ser cominada multa em desfavor da Municipalidade pelo não cumprimento da obrigação pelo devedor principal?

Através do presente, busca-se o delineamento dos adequados contornos da matéria, a fim de que se desconstrua a noção de responsabilidade total e absoluta que se pretende impor à Administração, respondendo-se as perguntas acima dentro de alguma lógica sistêmica.

2. DO REGIME GERAL DA RESPONSABILIDADE TRABALHISTA. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO.

O primeiro aspecto a que se deve fazer menção é o de que, em regra, cumpre apenas ao empregador a responsabilidade pelo adimplemento das parcelas decorrentes do contrato de trabalho.

Contudo, a Lei do Trabalho Temporário (Lei nº. 6019/74) imputou como solidária a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços em relação às verbas de contribuições previdenciárias, remuneração e indenização na hipótese de falência da empresa de trabalho temporário (art. 16).

Ocorre que, como bem destaca Maurício Godinho Delgado a solidariedade estava restrita ao pagamento daquelas verbas, com a condição de decretação de falência da empresa de trabalho temporário.

Diversos foram os esforços no sentido de se consagrar a responsabilidade que, a partir do entendimento de uma série de dispositivos legais e constitucionais, culminou com o atual entendimento fixado na Súmula nº. 331 do E. Tribunal Superior do Trabalho. Aquela Súmula está assim vazada:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida)
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

O entendimento constante da Súmula nº. 331 do E. Tribunal Superior do Trabalho tem por objetivo cessar o possível conluio entre empresas tomadoras e prestadoras de serviços que estejam com o intuito de fraudar a legislação trabalhista e, conseqüentemente, não pagar as verbas trabalhistas de seus empregados.

A mais alta Corte Trabalhista pretendeu, ao transformar em Súmula o entendimento em apreço, proteger o empregado de situação que se tornou corriqueira no País, qual seja, o fechamento repentino de empresas prestadoras de serviços que deixavam em desamparo os empregados a estas vinculados, os quais não tinham contra quem reclamar perante a Justiça do Trabalho.

Tal enunciado da posição dominante do TST indica claramente que na hipótese de terceirização, não há como se proceder ao reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a Administração Pública, na forma do art. 37 da CF/88 (inciso II da Súmula), mas igualmente demonstra que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações( Inciso IV).

Segundo Maurício Godinho Delgado tal esforço hermenêutico se deu:

“seja por analogia com preceitos próprios ao Direito do Trabalho (art. 16, Lei 6.019/74); art. 2º da CLT, que trata da assunção dos riscos por aquele que toma trabalho subordinado, não-eventual, pessoal e oneroso; art. 8º, CLT, dispõe sobre a integração jurídica), seja por analogia com preceitos inerentes ao próprio Direito comum (arts. 159 e 160, I, in fine, CCB/1916, por exemplo)”.

Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimento demonstra que a intenção da aludida Súmula 331 fora justamente o de apurar o princípio finalístico da prestação do serviço, qual seja o de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

Afinal, em ultima instância, o tomador teria sido beneficiário do serviço prestado pelo trabalhador, além de ser responsável pela escolha inadequada, capaz de ensejar prejuízos para os obreiros.

No que toca especialmente ao entendimento indicado no inciso IV da aludida Súmula, que trata da responsabilidade do tomador do serviço, cumpre especial atenção ao Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 297751/1996, relatado pelo Min. Milton de Moura França, através do qual foi autorizada a redação atual daquela parte da Súmula.

Sem ingressar no mérito da argumentação apresentada pelo E. TST, as suas razões de decidir foram assim pontuadas:

“Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à contratante a responsabilidade subsidiária.
(...)
Registre-se, por outro lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a terceiro. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo.

(...) Por força da norma em exame, a irresponsabilidade da Administração Pública, em decorrência de inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte daquele com quem contratou a execução de obra ou serviço, assenta-se no fato de sua atuação adequar-se aos limites e padrões da normatividade disciplinadora da relação contratual.
(...)
Evidenciado, no entanto, que o descumprimento das obrigações, por parte do contratado, decorreu igualmente de seu comportamento omisso ou irregular em não fiscalizá-lo, em típica culpa in vigilando, inaceitável que não possa pelo menos responder subsidiariamente pelas conseqüências do contrato administrativo que atinge a esfera jurídica de terceiro, no caso, o empregado.
(...)
Realmente, admitir-se o contrário, partindo de uma interpretação meramente literal da norma em exame, em detrimento de uma exegese sistemática, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas sobretudo, pelo da moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo que pratica.
(...)
Aliás, outra não é a dicção do art. 173 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, que ao dispor, "que a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de seus subsidiários que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços", enfatiza em seu inciso III que referidas pessoas deverão observar, em relação à licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, os princípios da administração pública.
(...)
Some-se aos fundamentos expostos que o art. 195, § 3º também da Constituição Federal é expresso ao preconizar que "a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público, nem dele receber incentivos ou benefícios fiscais", o mesmo ocorrendo com o art. 29, IV da Lei nº 8.666/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 8.883/94, ao dispor que "prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei", providências essas todas evidenciadoras do dever que tem a Administração Pública de se acautelar com aqueles que com ela pretendam contratar, exigindo que tenham comportamento pautado dentro da idoneidade econômico-financeira para suportar os riscos da atividade objeto do contrato administrativo.
(...)
Registre-se, finalmente, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que cause danos a terceiro.
(...)
Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo.
Como ensina Hely Lopes Meirelles, em caso de dano resultante de obra, que, guardada a peculiaridade, mas perfeitamente aplicável à hipótese em exame, porque evidencia a natureza da responsabilidade sem culpa da Administração, "o só fato da obra causar danos aos particulares, por estes danos responde objetivamente a Administração que ordenou os serviços, mas, se tais danos resultam não da obra em si mesma, porém da má execução dos trabalhos pelo empreiteiro, a responsabilidade é originariamente do executor da obra, que, como particular, há de indenizar os lesados pela imperfeição de sua atividade profissional e, subsidiariamente, da Administração, como dona da obra que escolheu mal o empreiteiro" (Direito Administrativo - 16ª Edição RT. pág. 553 - 1991).(...)

Ou seja, fora reconhecida pelo E. TST como premissa para o seu raciocínio que é constitucionalmente válida a imputação de responsabilidade patrimonial à Administração porque inegável as parcelas a que se pretende proteger, no caso os direitos materiais dos trabalhadores e, diante da consagração da responsabilidade administrativa sob a modalidade do risco administrativo, a Constituição Federal autorizaria a imposição de ‘responsabilidade sem culpa da Administração.

É nesse sentido que o E. Tribunal Superior do Trabalho compreende a questão da responsabilidade, que nos dizeres do Ministro Ives Gandra Martins da Silva Filho , podem ser assim pontuados:

4. "In casu", a responsabilidade subsidiária decorre de dois fatores: a) a prestação direta dos serviços do empregado é para a empresa estatal, que se beneficia da força de trabalho alheia; e b) se a prestadora dos serviços que forneceu a mão-de-obra não é idônea ou não paga os salários de seus empregados, a estatal que a contratou tem culpa "in eligendo" ou "in vigilando" com relação à empresa terceirizada.
5. O que não se admite em matéria de Direito do Trabalho é a empresa tomadora dos serviços beneficiar-se do esforço humano produtivo e depois o trabalhador que o despendeu ficar sem receber a retribuição que tem caráter alimentar.
6. Assim, não há que se falar em violação do art. 37, "caput", da Constituição Federal, que prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, uma vez que não se discutiu, na decisão rescindenda, se era ou não necessário o concurso público antes da Constituição Federal de 1988, até porque reconhecida a inexistência de vínculo empregatício entre a Reclamante e o Banco, pois o foco da controvérsia voltou-se para o fato de que este beneficiou-se do labor da Autora (digitadora), uma vez que ela exercia função típica de sua atividade-fim, de modo que o "decisum" está devidamente respaldado numa interpretação sistemática do ordenamento jurídico-trabalhista”.

Ou seja, o fundamento apresentado pelo E. Tribunal Superior do Trabalho para a consolidação do entendimento apontado na Súmula 331 é justamente a afetação da riqueza gerada pelo trabalhador em favor do pagamento das suas verbas contratuais, de um lado, e a responsabilidade civil do tomador que, dada a sua culpa eligendo ou in vigilando, de outro, pode permitir que sejam causados danos em desfavor dos trabalhadores.

É justamente nesse sentido que têm sido proferidos diversos julgados, em todo o Poder Judiciário Trabalhista, inclusive no âmbito do E. Tribunal Superior do Trabalho:

“RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NÃO-CONHECIMENTO – DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENUNCIADO Nº 331, IV, DO TST – VIOLAÇÃO DO ARTIGO 71 DA LEI Nº 8666/93 NÃO CONFIGURADA – Embora o artigo 71 da Lei nº 8666/93 contemple a ausência de responsabilidade da Administração Pública pelo pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, é de se consignar que a aplicação do referido dispositivo somente se verifica na hipótese em que o contratado agiu dentro de regras e procedimentos normais de desenvolvimento de suas atividades, assim como de que o próprio órgão da administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões da normatividade pertinente. Com efeito, evidenciado, posteriormente, o descumprimento de obrigações, por parte do contratado, entre elas as relativas aos encargos trabalhistas, deve ser imposta à contratante a responsabilidade subsidiária. Realmente, nessa hipótese, não se pode deixar de lhe imputar, em decorrência desse seu comportamento omisso ou irregular, ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo contratado, em típica culpa in vigilando, a responsabilidade subsidiária e, conseqüentemente, seu dever de responder, igualmente, pelas conseqüências do inadimplemento do contrato. Admitir-se o contrário, seria menosprezar todo um arcabouço jurídico de proteção ao empregado e, mais do que isso, olvidar que a Administração Pública deve pautar seus atos não apenas atenta aos princípios da legalidade, da impessoalidade, mas, sobretudo, pelo da moralidade pública, que não aceita e não pode aceitar, num contexto de evidente ação omissiva ou comissiva, geradora de prejuízos a terceiro, que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo que pratica. Registre-se, por outro lado, que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo, estabelecendo, portanto, sua obrigação de indenizar sempre que causar danos a terceiro. Pouco importa que esse dano se origine diretamente da Administração, ou, indiretamente, de terceiro que com ela contratou e executou a obra ou serviço, por força ou decorrência de ato administrativo. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 471868 – 4ª T. – Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 31.08.2001 – p. 650)

O entendimento apontado acima, aparentemente contraria expressa disposição legal. Isso porque a Lei Federal 8.666, de 21/06/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e institui normas para Licitações e Contratos da Administração Pública, em seu art. 71, dispõe que:

“O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento...”

A declaração de constitucionalidade do aludido dispositivo encontra-se subordinada ao controle concentrado de constitucionalidade pelo E. Supremo Tribunal Federal, através da ADC-DF nº. 16-9, não cabendo a esse estudo a sua análise.

De todo modo, parte-se da premissa fática de que tem-se imputado a responsabilidade subsidiária à Administração, quando na condição de tomador, na hipótese de não adimplemento das verbas trabalhistas pelo devedor principal, o real empregador.

Contudo, é preciso indicar tais premissas, para que se possa, com, efeito, conhecer os problemas que permeiam o objeto do presente trabalho. Tal qual denuncia Popper “um, assim chamado, assunto científico é, meramente, um conglomerado de problemas e soluções tentadas, demarcado de uma forma artificial. O que realmente existe são problemas e soluções e tradições científicas” .

3. SOBRE A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL NO PROCESSO EXECUTIVO

Tal qual indicam Fredie Didier, Rafael Oliveira e outros o direito a uma prestação é o poder jurídico de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação que, caso inadimplida, recairão sobre o patrimônio do devedor ou de terceiros previstos em lei.

Daí porque a responsabilidade patrimonial seria a sujeição do patrimônio do devedor, ou de terceiros responsáveis, às providências executivas voltadas à efetiva satisfação da obrigação.

Contudo, é preciso trazer à lume a explicação daqueles no que toca às regras sobre responsabilidade patrimonial, fazendo a necessária distinção acerca do teor material ou processual da lei que assim disponha.

Com efeito :
‘uma regra sobre responsabilidade patrimonial, ao determinar qual é o sujeito que deve responder pelo cumprimento da obrigação, é uma regra de Direito material. Cuida de regular o processo obrigacional, definindo as posições jurídicas que os sujeitos devem assumir em determinada relação jurídica. Serve ao órgão jurisdicional como diretriz para a tomada de suas decisões. É o Direito material que determina quem é o responsável pela obrigação. Uma norma de direito material é uma norma de decisão: serve para a solução do problema jurídico posto à apreciação do órgão jurisdicional. E as regras sobre responsabilidade patrimonial têm essa função.
As regras que estabelecem limitações à responsabilidade patrimonial, impedindo que determinados bens sirvam à garantia da obrigação, são, porém, regras processuais, pois servem de controle ao exercício da função jurisdicional executiva. Uma regra é processual quando serve para definir o modo pelo qual o poder pode ser exercido. Ao impedir a penhora sobre determinado bem, a regra jurídica funciona como regra de Direito Processual.”

Pois bem, feitas tais considerações, facilmente se depreende que, de fato, as regras definidoras da responsabilidade patrimonial da Administração Pública, inclusive aquelas ‘previstas’ na Súmula 331 do TST, possuem natureza eminentemente material, dado que definem, ao fim e ao cabo, a possibilidade de responsabilização do ente público, na hipótese de inadimplemento.

Não se tratam, portanto, de regras de caráter processual, dado que somente podem assim considerar aquelas que impõe, por exemplo, a impenhorabilidade do patrimônio público, segundo a lição acima indicada.

De outro lado, é preciso que se note que a prática judiciária tem equiparado a responsabilidade da Administração à posição do fiador, dentro da regra de responsabilidade geral, prevista no Código de Processo Civil.

Nesse sentido, os seguintes precedentes demonstram claramente tal entendimento, servindo este, inclusive, como fundamento para uma série de parcelas, dentre as quais, a própria multa prevista no artigo 477 ou 467, ambos da CLT:

ADMINISTRAÇAO PÚBLICA DIRETA/INDIRETA. TOMADORA DE SERVIÇOS.RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA . A responsabilidade subsidiária não pode ser afastada com base no parágrafo 1º do art. 71 da Lei 8666/93 eis que tal dispositivo legal somente poderá beneficiar a Administração Pública quando esta comprovar que fiscalizou a efetiva satisfação das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte da empresa que lhe oferece mão de obra,exigindo que esta comprove mensalmente o cumprimento das referidas obrigações, sendo certo que o ente público pode reter os pagamentos referentes à execução do contrato, ou até mesmo rescindi-lo, como forma de coibir a infringência de leis trabalhistas e previdenciárias por parte da prestadora de serviços. O dispositivo legal invocado pela recorrente não pode favorecer a Administração Pública quando esta, por omissão, participa da lesão perpetrada contra trabalhadores de cuja mão de obra se beneficia.2- Responsabilidade Subsidiária. Abrangência;. O responsável subsidiariamente, assemelha-se a figura do avalista ou fiador, está na relação jurídica única e exclusivamente para garantir a satisfação total do credor e portanto responde por todos os créditos deferidos ao reclamante, inclusive multa do artigo 477 e multa do artigo 467 da CLT. Entendimento congruente aos termos da Súmula 331, IV do C. TST .

EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Para que haja a responsabilização subsidiária do segundo reclamado, faz-se necessário o inadimplemento por parte da empregadora. Restando evidenciada a inexistência de bens da executada principal e de valores nas contas bancárias da empregadora, incumbia ao agravante indicar bens do devedor principal para que se desobrigasse de responder pelos débitos devidos ao exeqüente, a exemplo do que ocorre com o fiador (artigo 827, parágrafo único do Código Civil e artigo 595, "caput" do CPC), o que não se verificou. Agravo improvido.

No mesmo sentido, o E. Tribunal Superior do Trabalho , sobre o tema assim se pronunciou:
(...) DIREITO DO TRABALHO - RSPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DOS SERVIÇOS - ENTE PÚBLICO. Para o Direito do Trabalho, que tem o intuito de proteger os trabalhadores quanto à liquidez dos seus créditos, importa apenas que empresas e/ou instituições distintas e autônomas, com o escopo de bem desenvolverem suas atividades econômicas ou não, se associaram contratualmente e intermediaram mão-de-obra, dando causa à responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços, na forma do item IV da Súmula 331 do c. TST, o qual se encontra em perfeita consonância com a Constituição Federal, em seus artigos 1º, III e IV; 5º, 6º, 7º, 100, 170, caput e 173, § 1º, e Lei Complementar nº 5.172/62. (...) Como se vê, o tomador dos serviços de empregado terceirizado, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial, responde subsidiariamente por todas as obrigações trabalhistas imputadas ao contratado, empregador direto, sendo absolutamente irrelevante, para eximi-lo dessa responsabilidade, não ter contribuído para esse descumprimento ou não ter tido possibilidade de evitá-lo. Afinal, o responsável subsidiário tem, nesse caso, posição jurídica semelhante à do fiador ou do avalista de obrigações civis ou cambiais: sua responsabilidade integral decorre, pura e simplesmente, do inadimplemento das obrigações por eles garantidas, não se podendo pretender que respondam apenas pela parte daquelas obrigações para cujo descumprimento tenham de alguma forma contribuído. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao Agravo. ISTO POSTO. ACORDAM os Senhores Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho em, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.Brasília, 02 de maio de 2007.José Pedro De Camargo. Juiz Convocado Relator

Sendo assim, o presente estudo deve remeter à análise do art. 595 do CPC, que ainda segundo a lição de Fredie Didier e Rafael Oliveira impõe ao fiador a condição de devedor e responsável, embora a sua obrigação seja tão somente acessória.

Ou seja, em relação ao fiador, o benefício de ordem previsto no CPC autoriza o benefício e excussão, autorizando, inclusive que o mesmo indique bens em nome do devedor, na tentativa de deixar à salvo os seus, assim como pode o fiador exigir a respectiva reparação dos danos sofridos frente ao devedor principal, em caso de pagamento do débito desse último.

Feita tal análise, cumpre agora aduzir acerca do regime da execução específica, das obrigações de fazer, de não-fazer e de entregar coisa distinta de dinheiro.

4. DA OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO-FAZER E ENTREGAR COISA.

No que tange ao regime geral das obrigações de fazer, não-fazer ou entregar coisa, é preciso mais uma vez remeter ao CPC, desta feita em relação aos arts. 461 e 461-A, os quais positivaram, definitivamente, as chamadas sentenças mandamentais e executivas lato sensu, assim vazados:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.
§ 1o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha; cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.
§ 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.
§ 3o Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1o a 6o do art. 461.

Não obstante não seja da essência desse trabalho um estudo exauriente à respeito daqueles dispositivos, para o presente estudo faz-se necessário indicar as bases elementares acerca da compreensão do instituto.

Para tanto, em primeiro plano, cumpre evidenciar a posição de Arruda Alvim que de longa data apresenta o tema sob os seguintes dizeres:

“A execução das obrigações de fazer e de não fazer, à luz da disciplina concretizada no art. 461 do Código de Processo Civil, com a redação decorrente da Lei nº. 8.952, de 13-12-1994, deve ser havida como modalidade de execução indireta com o fito de obter a especificidade da prestação, em que se aspira por excelência a uma modificação de comportamento do devedor, que não cumpre a obrigação, mas que, compelido pelo Judiciário, eficientemente, acaba realizando aquilo o que se obrigara. Nesta modalidade de execução, portanto, não há propriamente sub-rogação, senão que ela pode e deve decorrer da conduta do próprio obrigado”.

Ou seja, segundo tal entendimento, a finalidade da imposição é justamente para que seja compelido o próprio devedor ao cumprimento daquilo o que se obrigara, ou seja, seja produzido em seu espírito uma modificação de comportamento, para que, pessoalmente, o devedor cumpra à obrigação.

Avançando-se sobre tal questão, admite-se como noção elementar, prevista em lei, a de que o Juiz pode determinar as medidas necessárias no sentido de prover a efetivação da tutela ou obtenção do resultado prático equivalente.

Sendo assim, a função daquele instituto é tão somente a imposição da obrigação de fazer ou não-fazer à parte, sendo certo que tal obrigação somente se converterá em perdas e danos na hipótese de optar o autor por tal expediente, ou ser impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Nesses casos, a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa prevista no artigo 287 do CPC (astreintes) incidente em caso de descumprimento da obrigação fixada judicialmente.

Isso porque, é preciso que se diga, as astreintes constituem-se em multa, aplicada ao devedor recalcitrante, sendo independentes das eventuais perdas e danos. Com efeito, ‘a a astreinte foi uma criação da jurisprudência, e sua história é dominada por uma ruptura progressiva com a teoria das perdas e danos. Vale dizer, se inicialmente as multas eram representativas do que viriam a ser as perdas e danos, sucessivamente, ocorreu desvinculação, do que resultou a autonomia das astreintes.’ .

É preciso, ainda, indicar com clareza que a imposição daquela multa (astreinte) deve ser compatível com a própria obrigação. Daí porque Carlos Henrique Bezerra Leite menciona expressamente que:

“(...) o juiz poderá, na sentença, impor multa diária (astreinte) ao réu (provimento judicial executivo lato sensu), independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Ou seja, de acordo com a lição daquele mestre, a fixação daquela imposição deve, em primeiro lugar, ser compatível com a obrigação judicialmente fixada.

Não por outra razão, Nelson Nery Junior assim se posiciona sobre as aludidas multas:

“deve ser imposta a multa de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar valor em quantia pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo Juiz”

No mesmo sentido, Mauro Schiavi :

“Pensamos que o valor da multa deve ser razoável em compasso com a natureza da obrigação, a probabilidade de cumprimento, o comportamento do devedor e a efetividade do cumprimento da obrigação. As astreintes podem ser majoradas ou reduzidas de ofício pelo Juiz se se tornou excessiva ou insuficiente a garantia da execução, conforme faculta o §6º do art. 461, do CPC.”

Sendo assim, na fixação daquelas multas, é preciso não apenas a aferição da sua identidade com a própria obrigação, e a sua natureza (material), bem como, ao que parece, a apuração da própria relação processual em destaque.

Por isso, impossível a imposição de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública quando na condição típica de devedor subsidiário. Veja-se.

5. DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DO NÃO CABIMENTO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ENQUANTO DEVEDOR SUBSIDIÁRIO

A imposição de obrigação de fazer ao devedor principal não pode repercutir, sob qualquer aspecto, em face do devedor subsidiário, como a Fazenda Pública, nas reclamações trabalhistas, fundado na S. 331 do TST.

Em primeiro lugar, porque a obrigação de fazer, tal qual mencionado, visa, por essência, a responsabilidade pessoal e indelegável do obrigado. Ou seja, a tutela específica visa, tal qual já abordado, precipuamente que o próprio devedor assuma, ou melhor, cumpra o encargo a que, por lei ou avença se obrigara.

No mesmo sentido, Fredie Didier e Rafael Oliveira :

“As obrigações (repita-se: em sentido amplo) tuteladas pelo art. 461 do CPC são aquelas que têm por objeto imediato uma conduta positiva ou negativa do devedor e que têm por objeto mediato uma prestação de fato, assim entendida aquela que exige uma atividade pessoal do devedor.”

Se é assim, então não se poderia exigir de um terceiro o efetivo cumprimento daquela obrigação de fazer ou não-fazer ou entregar. Daí porque é evidente o descabimento da cominação daquela obrigação em desfavor do mero devedor subsidiário que, efetivamente, não possui qualquer obrigação, seja legal, seja contratual, de assim proceder.

No mesmo sentido, e ainda de acordo com a natureza daquela tutela específica, é preciso identificar que a verdadeira efetividade da decisão judicial estaria não na mera imposição do cumprimento, por parte do devedor principal da obrigação, mas na imposição judicial, direta, dos efeitos pretendidos.

Mauro Schiavi indica alguns exemplos freqüentes de obrigações de fazer executáveis na Justiça do Trabalho, entre as quais a reintegração de empregado estável, a anotação do registro do contrato de trabalho na CPTS do trabalhador, a determinação de promoção do empregado, a obrigação de entrega das guias de seguro-desemprego e/ou TRCT, para fins de saque do FGTS.

Nessas hipóteses, evidente que a tutela jurisdicional se daria de forma muito mais efetiva se o próprio Juízo determinasse, através de alvará, a liberação do FGTS eventualmente depositado, bem como a concessão do seguro-desemprego ou, determinar à Secretaria da Vara a anotação na CTPS do trabalhador, somente a título de exemplo.

Sobre essa última hipótese, o regime geral da obrigação de anotação da CTPS do trabalhador está prevista nos arts. 29 e seguintes da CLT, não havendo dúvida quanto à obrigação do empregador em proceder às anotações previstas em lei.

Contudo, tal obrigação de fazer não se adéqua à relação jurídica existente em relação ao devedor subsidiário, dado que esse não poderia, jamais, por exemplo, proceder validamente as anotações devidas nas CTPS dos trabalhadores, embora eventualmente a administração seja responsável pelo adimplemento das verbas trabalhistas devidas ao trabalhador, na forma da Súmula 331 do TST.

Por isso mesmo que algumas cortes pátrias, inclusive o E. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, acertadamente entendem ser impossível a fixação de imposição de obrigação de fazer, quando a decisão judicial correspondente à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador se dará de maneira muito mais efetiva com a determinação da anotação pela própria Secretaria da Vara do Trabalho, na forma do art. 39 da CLT:

ANOTAÇÃO DA CTPS. MULTA DIÁRIA. Ante a possibilidade de a Secretaria da Vara do Trabalho realizar a anotação da CTPS, se descumprida pelo empregador, incabível a imposição de multa diária.

MULTA DIÁRIA. ASSINATURA DE CTPS. Não se pode impor a multa por mora patronal, já que o art. 39 da CLT autoriza a que a Secretaria da vara do trabalho de origem faça as anotações necessárias do vínculo de emprego, na Carteira de trabalho e previdência social do obreiro. Inteligência dos arts. 247 do Código Civil, e 461, § 1º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicados.

Por isso Cassio Scarpinella Bueno indica que a ‘diferença entre a tutela específica e o resultado prático equivalente ao do adimplemento repousa muito mais nos mecanismos a serem empregados jurisdicionalmente para obtenção do cumprimento da obrigação (pedido imediato) do que, propriamente, no bem da vida pretendido pelo autor (pedido mediato)’. O resultado prático é o mais relevante.

Identificado o não cabimento daquela obrigação, pela sua não identificação com a natureza da prestação a que se busca, é preciso, ainda, indicar o não cabimento da conseqüente multa por inadimplemento.

Isso porque, sendo impossível a cominação da obrigação de fazer, evidente o não cabimento da conseqüente multa por inadimplemento (287 do CPC), bem como a sua exigibilidade em caso de responsabilidade subsidiária.

Nesse sentido é possível mencionar a posição de alguns Tribunais que claramente indicam tal impropriedade:

“DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇAO DE FAZER. MULTA COMINATÓRIA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO EMPREGADOR. A obrigação de registro é do empregador, em caso de descumprimento, da Secretaria da Vara. Assim, não tendo o tomador de serviço como evitar tal descumprimento, a ele não pode ser imputada a responsabilidade subsidiária, pois se na constância do contrato entre as partes até se poderia exigir do Estado contratante a responsabilidade in vigilando, após a rescisão, e sendo cominado em juízo obrigação que cabe, exclusivamente, à prestadora de serviço, não há como o Ente recorrente compelir ao cumprimento de tal obrigação.

Ainda faz-se necessária a análise da questão sob a ótica exclusivamente da responsabilidade.

Com efeito, tal qual já mencionado, a responsabilidade da Administração, segundo o entendimento firmado, no âmbito da Súmula 331 do E. TST, trata-se do reconhecimento de obrigação de ordem material.

A responsabilidade pelo débito, segundo posição consolidada na jurisprudência, e tal qual mencionado, decorre categoricamente da relação jurídico material existente entre o trabalhador e a Administração, unidos pelo liame da responsabilidade.

Tal qual mencionado, a responsabilidade de adimplir aos eventuais débitos não pagos por parte do tomador do serviço frente ao trabalhador decorre diretamente da ‘regra’ de direito material consagrada no entendimento sumulado. Isso porque, o item IV, da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, está assim vazada:

O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”

Sendo assim, a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas é a única, ao fim e ao cabo, que se poderia exigir da própria Administração, segundo o entendimento consolidado.

Portanto, mesmo o entendimento sumular veda expressamente a imposição de responsabilidade ao tomador do serviço quando a natureza da obrigação em jogo não for aquela qualificada como ‘obrigação trabalhista’.

Daí porque, facilmente se pode identificar, que a imposição de uma determinada obrigação de fazer, longe de constituir-se em uma obrigação trabalhista, trata-se de evidente cominação de ordem processual, já que fundado, exclusivamente, no preceito do art. 461 do CPC.

Fora justamente tal a justificativa apresentada pelo E. STJ, na compreensão do instituto, capaz de infirmar, segundo o quando demonstra o aresto abaixo, a possibilidade de limitação daquela multa.

Ou seja, dado o caráter eminentemente processual, autônomo, portanto, do instituto, não caberia a limitação daquela cominação:

PROCESSUAL CIVIL. 1) EXECUÇAO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA IMPOSTA NO DESPACHO INICIAL. VALIDADE.2) "ASTREINTE", CONSISTENTE EM ELEVADA MULTA, FIXADA LIMINARMENTE PARA A OUTORGA DE ESCRITURA. VALIDADE. 3) ALEGAÇÃO DE INSUBSISTÊNCIA DA MULTA, EM VIRTUDE DA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO, AFASTADA;
4) EMBARGOS DO DEVEDOR REJEITADOS DIANTE DE ANTERIOR JULGAMENTO;
5) VALOR DA MULTA COMINATÓRIA COM NATUREZA DE "ASTREINTE", TÍMIDA MODALIDADE BRASILEIRA DO "CONTEMPT OF COURT", DERIVA DE SANÇÃO PROCESSUAL, QUE NÃO SOFRE A LIMITAÇÃO DA NORMA DE DIREITO CIVIL PELA QUAL O VALOR DA MULTA NÃO PODE ULTRAPASSAR O DO PRINCIPAL. (...) 4.- A limitação, no âmbito do direito contratual, do valor da multa ao valor da obrigação principal (art. 920 do Cód. Civil/1916) não se aplica à multa de natureza de "astreinte", a qual constitui eficaz instrumento processual de coerção indireta para a efetividade do processo de execução, ainda, no processo nacional, tímido instrumento, se comparado com o "contempt of Court" do Direito anglo-anglo-americano, que responsabiliza mais fortemente a parte recalcitrante e o próprio patrocínio temerário desta. 5.- O valor da multa cominatória como "astreinte" há de ser naturalmente elevado, no caso de dirigir-se a devedor de grande capacidade econômica, para que se torne efetiva a coerção indireta ao cumprimento sem delongas da decisão judicial. 6.- Recurso Especial improvido.

No mesmo sentido:

AGRAVO DE PETIÇAO. OBRIGAÇAO DE FAZER. MULTA DIÁRIA FIXADA NO TÍTULO JUDICIAL EXEQÜENDO. COISA JULGADA. INCIDÊNCIA. Demonstrado nos autos que o Município-agravante não se atentou para os comandos inseridos no dispositivo da sentença, vez que a pretendida incorporação salarial somente veio a ser materializada em outubro/2007, no curso do processo de execução forçada, deve ser aplicada multa "astreintes", de natureza processual, em obediência à coisa julgada material. Agravo improvido.

Portanto, seguindo o entendimento firmado, dada a natureza eminentemente processual da parcela, é evidente que o devedor subsidiário, com base na S. 331 do TST, não possui qualquer responsabilidade quanto ao seu eventual adimplemento, seja direta, seja indiretamente.

Por fim, ainda é preciso mencionar a incompatibilidade daquela responsabilidade à própria noção de fiança, defendida como alguns como sendo o equivalente à responsabilidade subsidiária, tal qual já mencionado.

Pontes de Miranda ao conceituar a fiança indica claramente que o fiador se obriga (ou é obrigado) ao adimplemento apenas do contrato ou negócio jurídico, sem qualquer outra dívida que decorreu, decorre ou decorrerá daquela obrigação. Verbis:

A fiança é promessa de ato-fato jurídico ou de outro ato jurídico, porque o que se promete é o adimplemento do contrato, ou do negócio jurídico unilateral, nu de outra fonte de dívida, de que se irradiou, ou se irradia. ou vai irradiar-se a divida de outrem.
(...)
O fiador vincula-se à prática do ato de outrem, que é o. devedor principal: o fiador tem de adimplir o que prometeu.. Em conseqüência disso, é devedor daquilo que prometeu: o ato--fato jurídico do pagamento, ou outro ato jurídico de adimplemente

Sendo assim, mesmo diante da equiparação da responsabilidade subsidiária com a fiança, como têm insistido alguns Tribunais pátrios, fica clara a impropriedade da imposição de qualquer obrigação processual ao responsável subsidiário.

Por óbvio, diante daquela limitação, a vedação persiste não apenas em relação à imposição da obrigação processual, como em relação à multa cominatória dele decorrente ou mesmo as eventuais perdas e danos passíveis de serem exigidas do devedor principal em face do seu inadimplemento.

Afinal, não fora o ente público o responsável pelo descumprimento, tampouco eventuais prejuízos sofridos pelo descumprimento da ordem judicial.

Evidente, assim, o não cabimento da imposição de qualquer obrigação de fazer em desfavor do obrigado subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas devidas ao trabalhador.

6. CONCLUSÕES

A partir do quanto fora apresentado é evidente a infirmação da pretensa verdade que se apresenta, qual seja, a que pretende impor responsabilidade, ampla, geral e irrestrita ao devedor subsidiário pelas obrigações deferidas, em Juízo, em favor do trabalhador terceirizado.

A partir das premissas ora postas, restou evidente o não cabimento de cominação de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública, quando o ente público figura em Juízo na condição de devedor subsidiário,quando tal obrigação de fazer inicialmente era devida ao verdadeiro empregador.

Da mesma forma, restou demonstrado que, tão somente a título de exemplo, é ilegítima a imposição ao ente público, a, por exemplo, assinar a CTPS de um determinado trabalhador, para proceder-lhe a baixa do vínculo, em lugar da empresa prestadora do serviço, bem como outras obrigações de fazer cuja eficácia, no particular, restarão absolutamente manietadas.

Dada a impropriedade mencionada, manifesta a impossibilidade de imposição de multa ou mesmo de responsabilidade pelas perdas e danos em desfavor da Municipalidade pelo não cumprimento da obrigação pelo devedor principal. E sendo assim, não poderão ser imputadas em seus efeitos ao Poder Público, no particular.

Resta evidente que, a partir de um delineamento sensato, seguindo os adequados contornos da matéria, evidente a falsidade da premissa que pretende a responsabilidade total e absoluta da Administração, no particular.

A submissão de tal resposta à testabilidade, refutabilidade ou falsificabilidade é importante critério de demarcação da tese como fruto do pensamento científico.

No particular, é relevante demonstrar que as conclusões a que se busca nesta oportunidade não são fruto de uma mera ideologia. Aliás, é justamente um apego exagerado a determinadas ideologias, afetos a verdadeiro dogmatismo, que impede um adequado desenvolvimento do Direito do Trabalho.

O presente questionamento trata-se da tentativa de reafirmar a incoerência das respostas atribuídas até então, às questões mencionadas. Fora demonstrada a falta de razão do posicionamento que pretende a responsabilidade irrestrita da Administração. Se a imposição da própria responsabilidade subsidiária à Administração é questionável, tal qual evidenciado, não se pode, sem qualquer razão legítima, impor a responsabilidade de todos os cidadãos, meramente representados pelo ente público, ao adimplemento de obrigação de ordem eminentemente processual, devida por um terceiro. Essa, sim, é a verdadeira premissa.

BIBLIOGRAFIA

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Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 10 Região. Agravo De Peticao: Ap 233200401810008 Df 00233-2004-018-10-00-8. Relator(a): Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos. Julgamento: 19/05/2008. Órgão Julgador: 1ª Turma. Publicação: 30/05/2008.
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14 Região - Recurso Ordinario: Ro 90820074041400 Ro 00908.2007.404.14.00. Relator(a): Juiza Vania Maria Da Rocha Abensur. Julgamento: 29/10/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma. Publicação: Detrt14 n.204, de 03/11/2008.
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. AGRAVO DE PETICAO: AP 19520071111400 RO. 00195.2007.111.14.00. Relator(a): JUÍZA ELANA CARDOSO LOPES LEIVA DE FARIA. Julgamento: 18/12/2008. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. Publicação: DETRT14 n.241, de 26/12/2008.
Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ex-Officio e Ordinario: 953200706802006 SP 00953-2007-068-02-00-6. Relator(a): Marcelo Freire Gonçalves. Julgamento: 08/04/2010. Órgão Julgador: 12ª turma. Publicação: 20/04/2010.
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Repensando a Exegese do Art. 455 da C.L.T.

Luciano Dórea Martinez Carreiro
Rodolfo M. V Pamplona Filho

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O art. 455 da CLT: sua interpretação; 2.1. Distinção entre empreitada simples e subempreitada. 2.2. Da responsabilidade do subempreiteiro diante do caráter personalíssimo da relação de emprego (na perspectiva do empregador). 3. Da composição da relação processual. 3.1. Da reclamação ajuizada unicamente contra o subempreiteiro. 3.2. Da demanda destinada unicamente contra o empreiteiro principal (da inexistência de litisconsórcio passivo necessário na hipótese prevista no art. 455, da CLT). 3.2.1. Resposta do subempreiteiro integrado à lide. 3.2.2. O inadimplemento a que se refere o art. 455 da CLT. 3.3. Da demanda destinada contra empreiteiro e subempreiteiro (em litisconsórcio facultativo). 4. A análise da responsabilidade solidária ou subsidiária. 5. Relações entre empreiteiro e subempreiteiro constituindo ato ilícito. 6. Conclusões; 7. Bibliografia Consultada;

1. Considerações iniciais.

Um dos temas trabalhistas que tem suscitado bastante controvérsia, no dia-a-dia da nossa atividade profissional, diz respeito à previsão contida no art. 455 consolidado, no que se refere à responsabilidade patrimonial do empreiteiro, frente ao inadimplemento das obrigações trabalhistas do subempreiteiro.
Ao aprofundar o estudo da matéria, constatamos aceso disenso sobre a natureza jurídica dessa previsão normativa, o que nos encorajou a escrever essas linhas, buscando a apresentar nossa contribuição pessoal a esse intrincado tema.
Não pretendemos, porém, esgotar todas as complexas implicações dogmáticas resultantes da caracterização do instituto com esta ou aquela natureza jurídica, mas tentaremos solucionar algumas dúvidas constantemente presentes na mente dos julgadores laborais.
Feitas essas rápidas considerações iniciais, passemos, de logo, a analisar o tema proposto.

2. O art. 455 da CLT: sua interpretação.

Dispõe o art. 455 consolidado, “in verbis”:

“Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a estes devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.”

Para uma adequada e fiel interpretação do dispositivo, mister se faz tecer algumas observações prévias, notadamente quanto à distinção entre a empreitada simples e a subempreitada, bem como sobre a responsabilidade patrimonial direta ante o caráter pessoal da relação de emprego.

2.1. Distinção entre empreitada simples e subempreitada.

Embora tratem-se de espécies do mesmo gênero, a empreitada simples e a subempreitada apresentam características que as tornam diversas, tanto no ponto de vista de sua formação, quando de seus efeitos.
O gênero ao qual nos referimos concerne ao vetusto contrato de locação de serviços ou de empreitada, disciplinado pelos arts. 1237 usque 1247 do Código Civil pátrio e definido pela doutrina como sendo o “contrato pelo qual um dos contraentes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra para o outro (dono da obra ou comitente), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional ao trabalho executado” .
Partindo da definição, se o empreiteiro realiza de forma direta, ou seja, pessoalmente, o serviço contratado estamos diante de uma empreitada, por nós denominada simples; se, ao contrário, existe a intercessão de terceiro para a realização dos serviços avençados, defrontamo-nos com a subempreitada. Esta, segundo Octavio Bueno Magano, “constitui modalidade da empreitada, que se particulariza por corresponder à parte separada de trabalho, confiado em conjunto a um empreiteiro principal” .

2.2. Da responsabilidade do subempreiteiro diante do caráter personalíssimo da relação de emprego (na perspectiva do empregador).

Feita a necessária distinção entre empreitada e subempreitada, voltamos ao teor do citado dispositivo consolidado, analisando as expressões e mandamentos dele constantes.
Um aspecto a ser observado diz respeito à responsabilidade originária em relação aos contratos de emprego. Neste particular, a lei é clara, porquanto explicitamente dispõe que “nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar (...)”.
Tal assertiva, ao que nos parece, destina pessoalmente ao subempreiteiro/empregador os deveres e direitos inerentes ao contrato de trabalho, cabendo a este, pois, em caráter intransferível, qualquer obligatio ad faciendum, como, v.g., aquela inserta no art. 29, da CLT (relativas às anotações da CTPS) ou a concessão de gozo de férias.
Esta intransferibilidade tem substrato no fato de que, sendo o contrato de emprego, por natureza, uma avença intuitu personae, as obrigações de fazer não passam da pessoa do obrigado.
Ressalte-se, entretanto, que a obrigação aqui referida (numa perspectiva restrita ao empregador/subempreiteiro) diz respeito a um fazer fungível, que, como se sabe, pode ser realizado indiferentemente tanto pelo próprio devedor ou por terceiro, à custa do devedor, em caso de recusa ou mora deste.
Como exemplo de cumprimento, por terceiro, de obrigação de fazer fungível, podemos lembrar a previsão do art. 39, da CLT, que preceitua, in verbis:

“Art. 39. Verificando-se que as alegações feitas pelo reclamado versam sobre a não-existência de relação de emprego, ou sendo impossível verificar essa condição pelos meios administrativos, será o processo encaminhado à Justiça do Trabalho, ficando, nesse caso, sobrestado o julgamento do auto de infração que houver sido lavrado.
§1º. Se não houver acordo, a Junta de Conciliação e Julgamento, em sua sentença, ordenará que a Secretaria efetue as devidas anotações, uma vez transitada em julgado, e faça a comunicação à autoridade competente para o fim de aplicar a multa cabível.
§ 2º. Igual procedimento observar-se-á no caso de processo trabalhista de qualquer natureza, quando for verificada a falta de anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social, devendo o Juiz, nesta hipótese, mandar proceder, desde logo, àquelas sobre as quais não houver controvérsia.” (grifos nossos)

Note-se, no particular, que se concede oportunidade (até o trânsito em julgado da decisão prolatada) para o empregador espontaneamente adimplir a referida obrigação de fazer.
Fizemos questão de explicitar essa ressalva pois é muito comum na atividade forense laboral depararmo-nos com circunstâncias em que o autor requer a anotação de sua C.T.P.S. ao empreiteiro principal (demandando-o unicamente, sob o fundamento da responsabilidade solidária), quando, em realidade, seu verdadeiro empregador é o subempreiteiro, fato muitas vezes admitido na própria exordial, o que se configura, portanto, como um absurdo lógico.

3. Da composição da relação processual.

Fixadas essas observações prévias, podemos concluir que a existência de uma subempreitada pode ensejar 03 (três) hipóteses distintas de sujeição passiva na relação jurídica processual:

a) a ação trabalhista ajuizada unicamente contra o subempreiteiro;
b) a ação trabalhista ajuizada unicamente contra o empreiteiro principal;
c) a ação trabalhista ajuizada contra o subempreiteiro e o empreiteiro principal, em litisconsórcio passivo.

Assim sendo, por uma questão metodológica, analisaremos separadamente cada uma dessas hipóteses.

3.1. Da reclamação ajuizada unicamente contra o subempreiteiro.

Essa é, definitivamente, a hipótese mais simples das supra elencadas.
Isso porque a ação trabalhista terá sido ajuizada justamente contra o verdadeiro empregador, se considerada a relação jurídica de Direito Material, qual seja, o subempreiteiro, que contrata determinados empregados para realizar as operações-fim de sua atividade empresarial.
Dessa forma, não há aqui que se falar em responsabilidade patrimonial do empreiteiro principal, vez que esse não irá participar da relação processual entre os litigantes (empregado e empregador).

3.2. Da demanda destinada unicamente contra o empreiteiro principal (da inexistência de litisconsórcio passivo necessário na hipótese prevista no art. 455, da CLT).

Conforme se verifica da parte final do caput do art. 455, pode o trabalhador ajuizar sua reclamação trabalhista diretamente contra o empreiteiro principal, pelo inadimplemento das obrigações de seu empregador, que é, em verdade, o subempreiteiro.
Tendo em vista o disposto no sub-tópico anterior, afirmamos ser recomendável, sempre que se trate de hipótese de subempreitada legalmente pactuada, que o subempreiteiro faça parte da relação processual, eis que, como já dito, ele é o responsável principal.
Ocorre, todavia, que o recomendável nem sempre é observado. Dizemos isto porque, calcados no argumento de que indiferentemente podem ser demandados empreiteiro ou subempreiteiro, os reclamantes, em regra, buscam a satisfação de seus créditos junto àquele que tenha maiores condições de adimplir uma eventual condenação, no caso específico, o empreiteiro principal.
Ademais, outro fundamento para que a ação trabalhista seja dirigida unicamente ao empreiteiro principal diz respeito ao fato de que, quase sempre, o subempreiteiro não possui domicílio conhecido por seus empregados. Tais empregados sabem, quando da contratação (também em regra), apenas o nome da obra em que irão laborar, e, por via de conseqüência, através das insígnias espalhadas no campo de trabalho, os dados necessários para a interposição da reclamação contra o empreiteiro principal.
Com efeito, admitindo-se que o empreiteiro principal possa ser demandado unicamente, chegamos à seguinte consideração: o art. 455 consolidado permite a demanda direta contra o empreiteiro principal, não ressalvando qualquer aspecto no que diz respeito ao citado adimplemento.
Tanto isto é verdade que o parágrafo único, do mencionado artigo, garante a ação regressiva contra o subempreiteiro. Note-se que, se a obrigação do empreiteiro principal fosse originária, não se haveria de falar em ação regressiva, nem tampouco de retenção das importâncias eventualmente devidas.
Cabe-nos, outrossim, por amor à discussão, refutar os argumentos daqueles que asseveram que a relação processual havida entre empreiteiro principal e subempreiteiro constituiria uma hipótese de litisconsórcio necessário.
Discordamos desta tese porque somente haveria formação do litisconsórcio necessário se: a) a lei assim determinasse; b) o juiz, pela natureza da relação jurídica, tivesse de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes.
Como se sabe, não existe no nosso ordenamento jurídico nenhum dispositivo que imponha a formação de litisconsórcio necessário entre empreiteiro e subempreiteiro.
Ademais, a necessidade de decisão uniforme tem cabimento quando a ação é constitutiva necessária (os pedidos de tutela meramente declaratória também atingem este fim, eis que seria um contra-senso exigir-se, após a prestação da tutela declaratória no sentido de que determinado ato é nulo, o ajuizamento da citada ação constitutiva. Se nulo é o ato, não há que se questionar a sua desconstituição pela simples declaração, ainda que não exista pedido expresso neste sentido), haja vista que a sua inobservância jamais ensejaria uma buscada mudança do estado jurídico . As ações condenatórias (a reclamação trabalhista, por exemplo), portanto, ficam fora deste plexo, salvo, como acima dito, quando houver previsão legal, o que não é o caso.
Acrescente-se que o fato de o juiz decidir a lide de modo uniforme para as partes que compõem o pólo passivo da relação não pode, por si só, servir de referencial para a caraterização do litisconsórcio necessário, mas, sim, do litisconsórcio unitário.
É verdade que todo litisconsórcio necessário é unitário, mas o contrário não ocorre, eis que se pode vislumbrar exemplos em que, apesar de unitário em relação aos efeitos, o litisconsórcio é facultativo quanto a formação. Basta lembrar a clássica hipótese, citada por Celso Agrícola Barbi , de ação proposta por dois acionistas para anular deliberação da assembléia geral de sociedade por ações: “a decisão deve ser uniforme, porque a deliberação não pode, na mesma sentença, ser declarada nula e não nula (litisconsórcio necessário); mas a formação do litisconsórcio ativo depende exclusivamente da vontade dos autores”.
Calcados, ainda, na assertiva de que todo o litisconsórcio necessário é unitário, lembramos, para corroborar a tese acima expendida, a situação em que o juiz condena apenas o subempreiteiro, e não o empreiteiro principal, embora no mesmo título judicial — por exemplo, a condenação do subempreiteiro quanto a obrigação de anotar a CTPS do autor, que é intransferível, o que afasta também a caracterização da previsão do art. 455 como de litisconsórcio necessário.
Voltando à discussão relativa à demanda unicamente direcionada ao empreiteiro principal, entendemos lhe serem possíveis as seguintes opções de resposta:

a) 1ª. opção:

Pode o empreiteiro principal negar a existência da subempreitada, bem como de qualquer relação com o reclamante, hipótese em que o ônus probatório sobre este recairá totalmente.

b) 2ª. opção:

Pode o empreiteiro principal reconhecer a existência de subempreitada e requerer a integração do subempreiterio à lide, medida que, por utilidade processual, pode ser (e recomenda-se que seja) deferida pelo juiz, tendo em vista que o subempreiteiro é o empregador (verdadeiro sujeito passivo da relação jurídica de direito material).
Note-se que, embora recomendável, o juiz não está obrigado a deferir o pedido de integração do subempreiteiro na lide. Em tal circunstância cabe à parte requerente, acaso se julgue prejudicada, o direito de exarar o seu inconformismo em ata para posterior alegação de cerceio do direito de defesa, em recurso da decisão definitiva (§1.º, do art. 893, da CLT).
O deferimento do pedido de integração do subempreiteiro à lide imporá a suspensão do processo, para que sejam providenciadas as medidas necessárias à notificação do subempreiteiro. Marcar-se-á, então, nova audiência para a entrega, em conjunto, das respostas do empreiteiro principal e do subempreiteiro integrado à lide, podendo a ausência de qualquer das partes ensejar as hipóteses previstas no art. 844, da CLT.
Acrescente-se, ainda, que, ao nosso ver, o juiz não pode ex officio determinar a integração do subempreiteiro na lide, eis que não se trata de uma imposição legal (não é hipótese, como já visto, de litisconsórcio necessário), nem tampouco uma medida de impulso processual ou de determinação quanto a produção de provas necessárias à instrução do feito (art. 130, do CPC).
Trata-se, sim, de situação em que se busca efetiva tutela jurisdicional (art. 2.º do C.P.C. É de notar-se que o juiz efetivamente decide quanto ao deferimento ou não do pedido), sendo vedada quando não motivada pela parte interessada.
Atente-se para o fato de que, mesmo requerendo a citada integração, o empreiteiro principal não se exime da responsabilidade pelo inadimplemento do subempreiteiro, garantindo, em caráter subsidiário (eis que a ele é atribuído benefício de ordem de excussão), o adimplemento da condenação.
Outrossim, o empreiteiro principal, nestas circunstâncias, já dispõe de uma declaração judicial, em consonância com o parágrafo único, do art. 455, da CLT, no sentido de que ficou demonstrado o fato gerador para a ação regressiva ou retenção de quantias devidas ao subempreiteiro.

c) 3ª. opção:

Pode o empreiteiro principal reconhecer a existência de subempreitada e deixar de requerer a integração do subempreiteiro, hipótese em que assumirá o ônus da prova do adimplemento por parte deste, bem como a obrigação de pagar eventual condenação. Ainda assim, poderá o empreiteiro principal demandar em ação regressiva o subempreiteiro, não dispondo, entretanto, de nenhuma prova constituída em juízo para este fim.

Antes de enfrentar a última hipótese possível de sujeição passiva na relação processual, que é a demanda destinada simultaneamente contra o empreiteiro e o subempreiteiro, em litisconsórcio facultativo, cabe-nos analisar duas situações intimamente relacionadas com o presente tópico, que são a resposta do subempreiteiro integrado à lide e, por fim, a devida compreensão do inadimplemento a que se refere o art. 455.

3.2.1. Resposta do subempreiteiro integrado à lide.

Requerida, no prazo para a resposta, a integração do subempreiteiro na lide, o juiz, deferindo o pedido (o fará, pelo princípio da oralidade, em audiência), ordenará a sua notificação, que se fará acompanhar de cópia da inicial.
Como em todas as hipóteses de intervenção de terceiro, o processo ficará suspenso até que o subempreiteiro seja integrado na lide.
A resposta far-se-á em audiência, juntamente com a resposta do réu originário (o empreiteiro) garantindo-se, de qualquer sorte, um interstício mínimo de 5 (cinco) dias, a partir da notificação.
Três opções de atitudes são reservadas ao subempreiteiro:

a) 1ª. opção:

Comparece, assumindo a posição de litisconsorte, mas contesta sua condição de subempreiteiro, o que, se apurado como veraz, garantirá a rejeição da pretensão do autor em relação a ele.
Não apurado como veraz o substrato de sua contestação, sofrerá o subempreiteiro os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal.

b) 2ª. opção:

Comparece, assumindo a posição de litisconsorte, e aceita a condição de subempreiteiro, mas contesta os termos da inicial. Não apurado como veraz o substrato de sua contestação, sofrerá o subempreiteiro os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal.

c) 3ª. opção:

Não comparece, hipótese em que será declarado revel e, consequentemente, confesso quanto a sua condição de subempreiteiro e quanto a matéria fática inserta na inicial. Sofrerá os efeitos de eventual condenação, na qualidade de devedor principal

3.2.2. O inadimplemento a que se refere o art. 455 da CLT

A demanda dirigida unicamente ao empreiteiro principal nos leva aos seguintes questionamentos:

a) o quem vem a ser o inadimplemento referido no art. 455, da CLT?
b) como pode ser evidenciado o referido inadimplemento?
c) a quem cabe o ônus probatório do inadimplemento do subempreiteiro, quando este não compõe a relação jurídica de direito processual?

Objetivando a sistematização do raciocínio, respondamos cada uma das questões separadamente:

a) “Falta de cumprimento dum contrato ou de qualquer de suas condições; descumprimento, inadimplência”, assim é definido o inadimplemento pelo dicionarista Aurélio Buarque de Holanda .
Assim, não pode ser entendido de outro modo, senão como uma ofensa ao próprio contrato celebrado; mas restrito, no tocante à responsabilidade do empreiteiro principal, é bom que se frise, às obrigações de dar, tanto é que se ressalva a este ação regressiva contra o devedor principal e o direito de retenção (somente exercido sobre bens corpóreos, objetos de obrigação de dar) de importâncias a ele devidas.

b) Acerca da mencionada inadimplência dispõe o referido artigo que cabe aos empregados o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento do subempreiteiro.
Extrai-se daí que o referido inadimplemento é aquele percebido antes mesmo da interposição de qualquer reclamatória, porque depois desta haveria apenas corroboração ou elisão (por demonstração de fato modificativo, impeditivo ou extintivo das obrigações firmadas) dos fundamentos constantes da petição inicial.
Queremos com isto afirmar que, em realidade, o “inadimplemento” apenas se constitui, antes de provado de forma inequívoca, num fundamento fático da pretensão deduzida em juízo. A prova inequívoca da falta de pagamento (obrigação de dar), para ser considerada como tal, insta pela bilateralidade que a tornará conhecida da parte contra quem ela aproveita.
Ressalte-se, outrossim, que o indigitado inadimplemento autorizador da investidura contra o empreiteiro principal é percebido extrajudicialmente, não necessitando, pois, de título judicial para que se configure como tal (ressalte-se que não existe preceito legal onde conte esta exigência).
Assim nos manifestamos porque há, por absurdo, quem entenda que se faz necessário o ajuizamento de processo de cognição contra o subempreiteiro para que, constatado o inadimplemento deste, pudesse ser finalmente demandado o empreiteiro principal.
Acerca do tema manifestou-se o douto Délio Maranhão , no sentido de que “os empregados têm direito de reclamar do empreiteiro principal o que lhe for devido pelo subempreiteiro inadimplente (art. 455 da Consolidação). Inadimplente e não insolvente. Desde que o subempreiteiro não cumpra as obrigações contratuais, podem os empregados ajuizar ação contra o empreiteiro principal, ficando este com o direito de ação regressiva, ou de retenção, de que trata o parágrafo único do artigo citado”.

c) Tal intróito se fez necessário para que pudéssemos investigar o ônus da prova do inadimplemento do subempreiteiro, na hipótese de a reclamação ter sido interposta unicamente contra o empreiteiro principal.
Reclamando diretamente contra o empreiteiro principal (calcando-se numa pura e simples solidariedade), surge a questão relativa à indagação acerca de quem possui o ônus probatório de demonstrar o inadimplemento do subempreiteiro.
Sobre a matéria, duas tendências distintas se formaram.
A primeira corrente assevera que existe uma presunção que milita em favor do empregado no sentido de que o subempreiteiro seria inadimplente, cabendo ao empreiteiro principal demonstrar o contrário. Os críticos de tal posicionamento sustentam ser o mesmo inviável porque levaria a exigir que a prova acerca de pagamento pudesse ser feita por quem não o efetuou.
O segundo posicionamento assertiva que, provando o empreiteiro principal o pagamento das verbas devidas ao subempreiteiro, a questão do inadimplemento reverter-se-ia contra o empregado. Tal posição também é criticável, haja vista que nestes termos buscaria o magistrado a prova de fato negativo.

Sobre o ônus da prova, estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

No mesmo sentido, determina a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 818, que a “prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.
Ora, a pretensão do autor nada mais é do que ver quitadas suas verbas resilitórias, decorrentes da relação de emprego travada com o subempreiteiro. Logo, o ônus que lhe cabe é justamente da prova da existência dessa relação de emprego, fato constitutivo do direito pleiteado judicialmente.
O pagamento das verbas devidas pelo subempreiteiro (verdadeiro empregador do demandante), por sua vez, nada mais é do que justamente o fato impeditivo da pretensão do autor em relação ao demandado (empreiteiro principal), pelo que somente pode caber a este último o ônus probatório, na espécie.
Por tais fundamentos, parece-nos bastante razoável o prudente arbítrio do juiz na autorização da integração à lide do subempreiteiro, como um meio de prova a disposição do empreiteiro reclamado, pois, inegavelmente, é seu o ônus da prova do adimplemento, haja vista a expressa possibilidade legal de ajuizamento de ação diretamente contra si.
O que se recomenda, portanto, é que os empreiteiros, toda vez que pretenderem contratar uma subempreitada, busquem fiscalizar (exigindo, inclusive, cópias de documentos relativos às relações de emprego travadas) o cumprimento das obrigações trabalhistas do subempreiteiro, quanto aos trabalhadores que irão laborar na obra sob sua responsabilidade.
Assim sendo, evita-se simultaneamente o descumprimento aos direitos trabalhistas dos empregados dos subempreiteiros, bem como a possibilidade de responsabilização patrimonial do empreiteiro principal.

3.2. Da Demanda Destinada contra Empreiteiro e Subempreiteiro (em litisconsórcio facultativo).

Estudada a hipótese em que o autor, numa subempreitada autêntica (legal), demanda unicamente contra o empreiteiro principal, cabe-nos referenciar circunstância em que ambos, subempreiteiro e empreiteiro principal, são demandados numa mesma reclamação.
Trata-se, ao nosso ver, do exercício da recomendável faculdade inserta no inciso I, do art. 46, do CPC.
Veja que a formação do mencionado litisconsórcio passivo facultativo, conforme o dizer de Agrícola Barbi , “decorre da existência de comunhão criada pelo direito substancial”, que, no caso, diz respeito ao aqui discutido art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Tal comunhão gera, como dito, apenas a faculdade de ajuizamento da reclamação mediante litisconsórcio. Daí, havemos de prever circunstância em que o demandante ajuíze reclamações distintas contra empreiteiro e subempreiteiro.
Nessa situação, para evitar o risco de prolação de decisões contraditórias, cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes (vide art. 301, VII e §4.ºc/c art. 105, ambos do CPC), ordenar a reunião das ações propostas em separado, haja vista a hipótese de conexão quanto a causa de pedir.
Por derrradeiro, cabe-nos fazer referência quanto ao procedimento, no particular.
Aqui, tratando-se de ação em litisconsórcio passivo facultativo ou de ações reunidas por conexão, empreiteiro principal e subempreiteiro apresentarão as suas respostas em momento único. Todavia, os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão o outro, senão quando se tratar de produção de provas.
Neste tópico vale lembrar que, “excluído o caso de confissão por um litisconsorte, as provas apresentadas por quaisquer deles podem beneficiar, mas podem também prejudicar os demais. Isso se deve à circunstância de que as provas são do juízo, não importando a quem coube a iniciativa de apresentá-las. É o chamado princípio da comunhão da prova, que prevalece no direito moderno” .
E a condenação? Será imposta ao empreiteiro principal e ao subempreiteiro solidariamente ou subsidiariamente?
É o que veremos no próximo tópico.

4. A análise da responsabilidade solidária ou subsidiária.

Consoante ressaltado por Magano , que muito bem expõe sobre o tema, as legislações que disciplinam a figura dos empreiteiros (intermediários) o fazem para evitar a fraude, usando, para tanto, de dois procedimentos: “ou consideram o intermediário como mero representante do empregador, a quem atribuem todos os encargos da contratação; ou impõem a ambos a regra da solidariedade.
A primeira orientação é a que prevalece no México, falando Nestor de Buen em ‘sub-rogação pessoal’; a segunda é a que tem voga na Argentina, assinalando Vasques Vialard que a lei não proíbe a indicada modalidade de contratação, limitando-se a tornar responsável, em forma solidária, tanto o que celebrou o contrato de trabalho, como aquele que recebeu a prestação respectiva”.
A legislação brasileira, ao contrário do que ficou acima expendido, nada expõe acerca da responsabilidade do dono da obra, e quando se refere ao empreiteiro (exceto nas hipóteses em que a contratação se dá para o exercício de tarefas inerentes à atividade-fim do contraente, porque aí incide o preceito constante do art. 1518 do Código Civil, em decorrência do quanto expresso nos arts. 8.º e 9.º da CLT, como se verá a seguir), só o responsabiliza pelas obrigações do subempreiteiro quando este se torna inadimplente, independentemente do fato de estar extinto o vínculo empregatício celebrado entre o empregado/reclamante e o subempreiteiro (lembramos que deste plexo ficam excluídas as obrigações de fazer).
A interpretação do dispositivo insculpido no art. 455 consolidado, leva-nos a crer que restou estabelecida a solidariedade do empreiteiro principal no que tange às obrigações inadimplidas pelo subempreiteiro; solidariedade esta qualificada pelo benefício da ordem de excussão dos bens do devedor principal (o subempreiteiro). É como se a subsidiariedade surgisse na fase de execução, onde a constrição atingiria inicialmente os bens do devedor principal, findo os quais poderiam ser excutidos bens daquele que subsidiariamente garante a execução.

5. Relações entre empreiteiro e subempreiteiro constituindo ato ilícito.

Ainda buscando a interpretação do dispositivo inserto no art. 455, da CLT, causa-nos a impressão que a forma imperativa do verbo responder (“responderá”) impõe ao subempreiteiro demandado a satisfação dos créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos sempre que se tratar de subempreitada legalmente pactuada.
Para a inteligência desta afirmativa, mister se faz a caracterização de duas modalidades de empreitada (em sentido lato, também aplicável às subempreitadas, é óbvio), quais sejam, a empreitada legalmente avençada e a empreitada ilegalmente avençada.
A empreitada legal resta caracterizada quando o tomador do serviço realiza a contratação do prestador para a execução de serviços ligados a sua atividade-meio, o que se considera admissível, eis que não seria razoável exigir-se do comitente que contratasse empregados sempre que fosse realizar tarefas não habituais.
A empreitada ilegal, a contrario sensu, ocorre sempre que o tomador do serviço contrata o prestador para a execução de tarefas inerentes a sua atividade-fim. O mesmo raciocínio é aplicado em relação ao empreiteiro que contrata subempreitada para a prossecução de serviços ou tarefas próprias de sua atividade básica. Tal interposição é por nós considerada ilegal, consoante regra inserta no art. 9.º consolidado, eis que visa à fraude e ao desvirtuamento de preceitos trabalhistas, retirando do empregado vantagens que teria se mantivesse o vínculo diretamente com o empreiteiro (ou tomador).
Acerca deste assunto manifesta-se Valentin Carrion , intitulando a hipótese acima citada de “falsa subempreitada”, no sentido de que o responsável pela angariação dos trabalhadores “os coloca simplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quem recebem as ordens com quem se relacionam constante e diretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço, muito mais do que no de quem os contratou e os remunera; o locador é apenas um intermediário que se intromete entre ambos comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seu patrão natural; em seu grau máximo, quando, sem mais, apenas avilta o salário do trabalhador e lucra o intermediário”.
Nestes termos, caracterizada a falsa subempreitada, não há que se questionar, em função da incidência do já referido art. 9.º, da CLT, a nulidade do contrato celebrado entre o prestador e o tomador do serviço intermediado. Tal circunstância gera a fusão da titularidade patronal, ou seja, respondem, como se um só empregador fossem, o empreiteiro e o subempreiteiro. Trata-se de uma reflexão do preceito contido no art. 1518, do Código Civil, in verbis:

“Art. 1518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo Único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art.1521.”

Como resultado prático da mencionada reflexão, usando mais um vez das palavras do douto Valentin Carrion , “a sentença poderá condenar ambos solidariamente: a) declarando ou não a existência do vínculo empregatício com o tomador do serviço; b) conferindo ao trabalhador os direitos mais benéficos, da categoria do tomador ou do locador, quanto à jornada de trabalho, salário normativo etc.“. Vale dizer: considerando a citada fusão da titularidade patronal, poderá o juiz, comparando as fontes de direito, aplicar a norma que lhe for mais favorável (teoria do conglobamento).
No caso sub oculis, a demanda poderá ser dirigida, apenas, contra um dos responsáveis pelo acima expendido ato ilícito, ficando o ônus probatório desta circunstância a cargo do autor. Vale dizer, poderá o empregado, na hipótese da falsa subempreitada, reclamar unicamente contra o empreiteiro, contra o subempreiteiro, ou contra ambos, cabendo-lhe, entretanto, provar a alegada interposição ilegal da subempreiteira.
É bom que se ressalte, em matéria de responsabilização, que a hipótese da subempreitada legalmente avençada difere da ilegalmente pactuada em virtude de não haver em relação a esta qualquer benefício de ordem na execução.

6. Conclusões.

A título de conclusão, o presente trabalho teve como objetivo demonstrar que:

1) o art. 455 da CLT versa acerca de responsabilidade solidária entre empreiteiro e subempreiteiro, com benefício de ordem de excussão em favor do primeiro;
2) a responsabilidade solidária (sem benefício de ordem de excussão) terá lugar exclusivamente se a ação praticada por empreiteiro e subempreiteiro constituir ato ilícito;
3) a intervenção de terceiros, na hipótese do art. 455 CLT, constitui uma peculiaridade do processo do trabalho que não desnatura o caráter laboral da demanda.

7. Bibliografia Consultada.

BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v.1, Rio de Janeiro: Forense, item n.º 301.
CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
CHIOVENDA Giuseppe, Instituições, vol 1, item n.º 39-B, São Paulo: Saraiva, 1965.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, São Paulo: Saraíva, 1989.
HOLANDA, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S/A, 1994.
LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil, vol. 1, item n.º 470, 3ª ed., São Paulo, 1969.
MAGANO, Octavio Bueno, Manual de Direito do Trabalho, v. II, São Paulo: LTr, 1988.
MARANHÃO, Délio, Instituições do Direito do Trabalho, v.1, São Paulo: LTr Editora, 1991.