quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A NOVA DISCIPLINA DA CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E A RELAÇÃO DE EMPREGO

A NOVA DISCIPLINA DA
CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
E A RELAÇÃO DE EMPREGO

Rodolfo Pamplona Filho*

Sumário: 01. Considerações introdutórias. 02. Fundamentos da consignação em pagamento. 03. A consignatória extrajudicial. 03.01. Aplicabilidade à relação de emprego. 04. A ação de consignação em pagamento. 05. O procedimento judicial trabalhista da ação de consignação em pagamento. 06. Prazo para ajuizamento da ação de consignação em pagamento. 07. Considerações finais. 08. Bibliografia consultada.

01. Considerações introdutórias.

A Lei nº 8.951, de 13.12.1994, integrante de um amplo conjunto de inovações para o vigente Código de Processo Civil, trouxe diversas e profundas modificações na disciplina da consignação em pagamento.
Estas mudanças na processualística civil não poderiam deixar de ter implicações no processo do trabalho, haja vista que não há uma regulamentação específica da consignação em pagamento trabalhista, sendo, portanto, a hipótese de aplicabilidade do art. 769 consolidado (“Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”).
Nas palavras de Valentin Carrion, ao “processo laboral se aplicam as normas, institutos e estudos da doutrina do processo geral (que é o processo civil), desde que: a) não esteja aqui regulado de outro modo (“casos omissos”, “subsidiariamente”); b) não ofendam os princípios do processo laboral (“incompatível”); c) se adapte aos mesmos princípios e às peculiaridades deste procedimento; d) não haja impossibilidade material de aplicação (institutos estranhos à relação deduzida no juízo trabalhista); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem de adaptá-las às peculiaridades próprias. Perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas. Nada de novos recursos, novas formalidades inúteis e atrancadoras”.
Este preciso comentário nos parece bastante oportuno para o tema que iremos abordar, eis que, para analisar a forma de aplicação da consignação em pagamento ao processo do trabalho, é preciso se ter em mente as próprias peculiaridades deste último.
Faz-se necessário, portanto, vislumbrar quais as adaptações necessárias para tornar efetiva esta aplicação subsidiária, de modo a evitar que este importante instituto tenha relevância apenas acadêmica para os atores sociais das relações de direito do trabalho.

02. Fundamentos da consignação em pagamento.

A consignação em pagamento, ao contrário do que se possa pensar a priori, não é um instituto típico de direito processual.
Em verdade, sua fonte é, inquestionavelmente, o direito material, constituindo-se em uma das formas legais de extinção de obrigações.
A forma ordinária de extinção das obrigações se dá, obviamente, através do pagamento. Em lapidar e feliz expressão, o pagamento é definido como “a morte natural da obrigação”.
Todavia, pode ocorrer, em determinadas relações obrigacionais, dúvida quanto à pessoa do credor ou mesmo recusa deste em receber o pagamento da forma convencionada.
Nesses casos, pode o devedor, querendo ver-se livre da obrigação, pleitear a consignação da prestação devida, extinguindo-se a relação obrigacional, mesmo sem haver o pagamento "direto".
A primeira observação, portanto, é que a consignação é, indubitavelmente, uma forma de extinção das obrigações, constituindo-se em um pagamento "indireto" da prestação avençada.
Isso porque a consignação visa a evitar que o devedor, cônscio de suas obrigações, fique com a dívida por longo tempo em seu passivo, tal qual "espada de Dâmocles" pendendo sobre sua cabeça, à mercê do arbítrio do credor.
Por isso, podemos compreender, com Antonio Carlos Marcato, que “o pagamento por consignação é instrumento de direito material destinado à solução de obrigações que têm por objeto prestações já vencidas e ainda pendentes de satisfação, pouco importando se essa pendência decorre de causa atribuível ao credor ou resulta de outra circunstância obstativa do pagamento por parte do devedor; e este vale-se de tal instrumento para liberar-se do vínculo que o submete ao accipiens e livrar-se, em conseqüência, dos ônus e dos riscos decorrentes dessa submissão”.
Uma segunda colocação é a de que a consignação em pagamento não é, em verdade, um dever, mas sim mera faculdade do devedor, que não pôde adimplir a obrigação, por culpa do credor.
É de se ressaltar, na oportunidade, que as obrigações, no que diz respeito ao local do pagamento, podem ser classificadas em duas espécies: obrigações portables, que são as obrigações pagáveis no domicílio do devedor; e as obrigações quesíveis (ou querables), que são a regra geral, em que cabe ao credor ir buscar o adimplemento da obrigação no domicílio do devedor.
No direito positivo brasileiro, até há bem pouco tempo, não tendo sido a obrigação adimplida por mora atribuída somente ao credor, dispunha o devedor única e exclusivamente da via judicial para poder livrar-se da prestação.
Hoje, todavia, em função das profundas modificações do Código de Processo Civil, criou-se um procedimento extrajudicial para resolução do problema, maior novidade no que diz respeito ao pagamento em consignação, cuja finalidade maior, sem sombra de dúvida, é, simultaneamente, aliviar o Poder Judiciário de mais esta quantidade de demandas, permitindo uma rápida resposta - e, por isto, mais efetiva - ao devedor que encontra resistência do credor em receber o que lhe é devido.
Analisaremos com mais vagar essa inovação, porém, no próximo tópico.

03. A consignatória extrajudicial.

O art. 1º. da Lei n. 8.951/94, sem modificar o caput do art. 890 do C.P.C., lhe acrescentou quatro parágrafos, instituindo o procedimento extrajudicial de consignação em pagamento.
Registre-se, entretanto, que embora constitua uma inovação para o direito positivo brasileiro, a consignatória extrajudicial já existe, com bastante eficácia, em outros sistemas jurídicos, notadamente nos países europeus.
Trata-se de verdadeira medida de dessacralização da consignação em pagamento, digna de aplausos, tendo em vista o seu nítido intento de simplificar a solução de conflitos.
O procedimento é por demais singelo, o que demonstra, ainda mais, a busca pela "desburocratização e desformalização, sem violência, mínima que seja, às garantias constitucionais do processo", valendo-nos das palavras do ilustre Calmon de Passos.
"Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa". É o que determina o § 1º do art. 890.
A priori, deve-se observar, de logo, que este procedimento extrajudicial somente é aplicável às obrigações pecuniárias, não sendo possível sua aplicação em relações obrigacionais relacionadas com a entrega de coisa. A consignação de coisa continua somente se dando através da via judicial, o que se explica até mesmo pela falta de uma estrutura específica, de natureza extrajudicial, suficientemente idônea para atuar como depositária do bem consignado.
A determinação de que o depósito deve ser feito em banco oficial parece-nos, contudo, apenas uma preferência legal que objetiva a facilitar eventual procedimento judicial posterior. A inexistência de estabelecimento bancário oficial, na localidade onde deveria ser procedido o pagamento, não deve impedir o devedor de se valer do procedimento, se tem acesso a estabelecimento bancário privado.
A regra, portanto, deve ser compreendida como sendo que o depósito deve ser efetuado em banco oficial, onde houver, podendo ser efetuado em banco privado, na hipótese de inexistência do primeiro . Arriscaríamos, inclusive, a afirmar que provavelmente deve ter havido algum erro de digitação na publicação da lei nº 8.951/94, pois haveria mais sentido se a vírgula registrada após a palavra “oficial” tivesse sido colocada após a expressão “estabelecimento bancário”, lendo-se o dispositivo da seguinte forma: “Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa” (grifos nossos).
Como não há determinação legal expressa, entendemos, ainda, que a cientificação do depósito pode ser procedida tanto pelo estabelecimento bancário (se tiver previsão de procedimento específico), pela via postal, ou mesmo pelo próprio devedor pessoalmente. Exigir-se que tal cientificação somente possa dar-se através do banco soa como um formalismo desnecessário, incompatível e inexplicável se comparado com a proposta de simplificação.
O mais relevante, porém, é que não se abra mão, obviamente, da prova efetiva da ciência ao credor da realização do depósito, bem como a que título entende o autor da consignatória ser devida tal verba. O aviso de recebimento, a que se refere o § 1º, tem justamente esta finalidade.
A expressão "conta com correção monetária" não deve ser interpretada no seu sentido meramente econômico, mas sim jurídico, ou seja, conta com rendimentos que evitem a perda de seu poder aquisitivo, com o desgaste da moeda (atualização monetária). Tal observação se justifica pela possibilidade de a correção monetária não estar instituída expressamente, o que é algo que não se pode deixar de cogitar, principalmente depois dos últimos planos de estabilização econômica.
"Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada" (§ 2º do art. 890).
O prazo de 10 (dez) dias, fixado no § 1º., deve ter seu termo inicial, de acordo com a atual orientação legislativa e jurisprudencial, a partir da data em que foi efetivamente cientificado o credor, e não, como ocorria outrora no processo judicial comum, do retorno do aviso de recebimento.
A liberação da obrigação, pelo menos nas relações reguladas pelo direito civil comum, se dá sem ressalvas, desde que, logicamente, tenham sido observadas todas as regras legais, notadamente, a prova do silêncio do credor ante a notificação do devedor.
Este é um aspecto que deve ser constantemente relembrado, pois o devedor precisa se precaver de todas as cautelas possíveis para que não haja qualquer nulidade na cientificação. Um interessante exemplo é a possibilidade de o credor estar judicialmente interditado, pelo que seu curador é que deve ser notificado, especificando-se todas as nuances da relação obrigacional a que se refere a consignatória.
Há, portanto, uma presunção da quitação da obrigação avençada, pelo silêncio do credor, somente se admitindo discussão desta se o credor demonstrar alguma irregularidade na sua aceitação tácita do valor depositado. Dessa forma, não podemos concordar in totum com Sérgio Bermudes, para quem "a falta de recusa não obsta à propositura das ações, que o credor tiver contra o devedor, incumbindo ao primeiro opor ao argumento de que não se manifestou as alegações que tiver, como as de não recebimento da carta, de inexistência da mora accipiendi, ou de insuficiência do depósito" . Efetivamente, não só podem, como devem ser conhecidas as alegações de não recebimento da carta, mas jamais se pode aceitar a rediscussão de matéria que deveria ter sido ventilada quando da resposta/recusa ao depósito, sob pena de tirar qualquer validade a essa modalidade extrajudicial de pagamento por consignação.
A hipótese de recusa está prevista no § 3º. do art. 890, que determina que esta deva ser manifestada por escrito ao estabelecimento bancário.
Aí está outro aspecto que nos parece bastante interessante.
A recusa deve ser formulada perante o estabelecimento bancário, e não necessariamente ao devedor/consignante. Isto porque, conforme se pode verificar do § 4º, existe previsão de possibilidade de levantamento do depósito pelo consignante, na hipótese de recusa do credor. Ora, se o depósito é efetuado em nome do credor, por ser quantia que o depositante lhe entende devida, é preciso que o estabelecimento bancário tenha conhecimento da recusa para que possa proceder a liberação do valor ao devedor, caso seja do seu interesse.
Note-se, ainda, que o § 3º fixa também o prazo de 30 (trinta) dias, no caso de haver recusa do recebimento da importância consignada, para que o devedor (ou terceiro) possa propor a ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa, determinando o § 4º que, caso não seja proposta a ação no referido prazo, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o depositante.
Sobre tais dispositivos, entendemos que a expressão “ficará sem efeito o depósito” é bastante imprecisa tecnicamente, tendo em vista que o depósito de uma quantia é um fato jurídico, sendo completamente inócua a determinação legal, eis que, permanecendo depositada, continuará a importância a ser atualizada monetariamente, tal como se tivesse efetivamente passado para o patrimônio jurídico do credor.
Da mesma forma, mesmo ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias, parece-nos absurdo pensar numa preclusão da possibilidade de ajuizamento da ação de consignação, pois, como veremos a posteriori, enquanto há débito, sempre há a possibilidade de consigná-lo.
Sendo assim, entendemos a fixação do prazo de 30 (trinta) dias somente como uma limitação temporal para o devedor levantar o depósito, na hipótese de haver recusa (vez que havendo aceitação, tácita ou expressa, o valor se transfere ao patrimônio do credor), sendo lógico que, enquanto não houver pronunciamento do consignado (prazo de espera de 10 dias), pode o consignante sacar livremente a quantia depositada.
Neste sentido, concordamos totalmente com Cândido Rangel Dinamarco, quando afirma que a “lei não teve a inconstitucional intenção de fechar o caminho do processo ao devedor que não proponha a demanda naquele prazo de trinta dias: somente facultou-lhe o levantamento do depósito, findo esse prazo. Se ele não o levantar, contudo, nem por isso ficará obstado de propor a ação de consignação em pagamento e exibir a prova do depósito (§ 3º). O legislador não deve tampouco ter pretendido que o devedor levante o depósito e faça outro incontinenti, querendo propor a demanda em juízo após os trinta dias. Carece de eficácia no sistema, também a locução ficando sem efeito o depósito (sempre, § 3º)”.
Encerrando esta breve análise geral da consignatória extrajudicial, consideramos relevante lembrar que ela não se constitui, de forma alguma, em procedimento preparatório necessário para o ajuizamento posterior da ação de consignação em pagamento, mas sim mera faculdade legal, podendo o credor, se desejar, ajuizar diretamente a ação judicial de consignação.

03.01. Aplicabilidade à relação de emprego.

Após analisarmos a inovação legislativa da consignatória extrajudicial, cabe perguntar: tal procedimento é aplicável às relações trabalhistas?
A resposta, baseada na melhor doutrina, não pode deixar de ser positiva.
Inexiste qualquer regulação específica, quanto à matéria, nas relações de trabalho, o que demonstra a omissão do consolidador, bem como a necessidade da subsidiariedade. Da mesma forma, não há incompatibilidade entre o procedimento regulado pelos parágrafos do art. 890 do C.P.C. e os princípios do processo laboral ou mesmo das relações de direito material.
Sendo assim, não existem motivos para se propugnar pela incompatibilidade do novo instituto e todo o seu procedimento com o direito do trabalho.
Todavia, acreditamos sinceramente que, na prática das relações laborais, pouca utilização terá a consignatória extrajudicial.
Nossa convicção se dá, ao contrário de outros ilustres doutrinadores que elencam diversos óbices , por um motivo básico:
O art. 477 consolidado, em seu § 1º, determina que o “pedido de demissão ou recibo de quitação do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho” (grifos nossos).
O estabelecimento bancário, mesmo oficial, não pode ser substitutivo do sindicato da categoria profissional ou do representante do Ministério do Trabalho (ou mesmo do Ministério Público, Defensor Público ou Juiz de Paz, para observar a ordem subsidiária do § 3º do art. 477).
Se há expressa determinação legal de que o recibo de quitação, no caso do empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só terá validade quando observada esta homologação, não há como se reconhecer a quitação total e irrevogável através do singelo procedimento extrajudicial aqui analisado.
Obviamente, embora não valha como recibo de quitação das parcelas, não hesitamos em afirmar que, ausente qualquer vício de consentimento, a consignatória extrajudicial fará prova, pelo menos, do pagamento das importâncias que o empregador/consignante considera devidas. Contudo, reconhecemos que isto é efetivamente muito pouco para a segurança das relações jurídicas e empresariais, pelo que o tempo demonstrará que os devedores trabalhistas preferiram optar diretamente pela via judicial para a consignação das importâncias devidas.
Sendo assim, lembramos, neste aspecto, as considerações do Mestre José Augusto Rodrigues Pinto, para quem, “embora impregnada da virtude de aliviar a carga de trabalho do Poder Judiciário, a consignação extrajudicial nos parece ter pouca chance de prosperar na área da relação de emprego, seja pela relativa complexidade do procedimento, envolvendo a participação de estabelecimentos que a média dos trabalhadores não se habituou a freqüentar nem a confiar, como é o caso dos bancos, seja pela tensão natural entre as classes dirigente e trabalhadora, que leva esta última a só confiar nas soluções judiciais, mesmo que nas pesquisas da mídia costume dizer que não confia na Justiça, seja, principalmente, pelos atritos que suscita, graças às diferenças de ordem estrutural do direito material trabalhista e civil”.
Vejamos, agora, algumas noções da ação de consignação em pagamento para, depois, expormos seu procedimento no processo do trabalho.

04. A ação de consignação em pagamento.

A competência ratione loci para julgar a ação de consignação em pagamento continua se dando pelo local avençado para ser procedido ordinariamente o adimplemento da obrigação, conforme se observa do art. 891 (“Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente”).
A lei nº 8.951/94 reformulou, entretanto, a redação do art. 893, no que diz respeito aos requerimentos obrigatórios a serem formulados na petição inicial, que passaram a ser “o depósito da quantia ou da coisa devida, a ser efetivado no prazo de 5 (cinco) dias contados do deferimento, ressalvada a hipótese do § 3º do art. 890” (inciso I) e “a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta” (inciso II).
Ressalte-se que, pelo rito anterior, o consignado era citado para, “em lugar, dia e hora determinado, vir ou mandar receber a quantia ou a coisa devida, sob pena de ser feito o respectivo depósito”.
Agora, de maneira muito mais célere, o depósito é requerido desde a inicial (podendo já ter sido procedido mesmo antes do ajuizamento, no caso da consignatória extrajudicial - ressalva feita, inclusive, no final do inciso I) e o réu citado, não somente para dizer se aceita o valor, mas também para, na hipótese de recusa, apresentar sua resposta, o que economiza diversos atos processuais.
Note-se, aqui, a precisão técnica do legislador, ao utilizar a expressão genérica “oferecer resposta”, o que implica que o réu poderá não somente contestar, mas também apresentar reconvenção ou exceção.
Obviamente, a diligência da citação do réu somente deve ser procedida após a comprovação do depósito determinado pelo juiz, no prazo previsto no inciso I, do art. 893.
E se, por acaso, este depósito não for realizado?
A hipótese nos parece de extinção do processo sem julgamento do mérito, com indeferimento da petição inicial, pela aplicação analógica do art. 267, I, combinado com o parágrafo único do artigo 284, ambos do C.P.C.
Isso porque sendo o depósito um dos pressupostos necessários para a determinação de citação do réu/consignado, a sua não efetivação impede o curso natural do processo e o conhecimento das alegações fáticas contidas na petição inicial.
Quanto ao prazo para resposta, vale lembrar que houve modificação legislativa neste sentido. O texto original do art. 896 determinava que a “contestação será oferecida no prazo de 10 (dez) dias, contados da data designada para recebimento”. Hoje, contudo, foi suprimida essa fixação específica de prazo para a contestação da consignatória, pelo que deve ser aplicada a regra geral de prazos para resposta do réu no processo de conhecimento, expressa no art. 297 do vigente Código de Processo Civil (“Art. 297. O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção.”).
No nosso entendimento, esse prazo legal de 15 (quinze) dias, no processo civil, tanto serve para oferecer resposta, quanto para levantar o depósito, devendo, em ambos os casos, ser dirigida petição escrita ao magistrado competente.
De acordo com a inteligência da atual redação do art. 896, na contestação, “o réu poderá alegar que:
I - não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida;
II - foi justa a recusa;
III - o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;
IV - o depósito não é integral.
Parágrafo único. No caso do inciso IV, a alegação será admissível se o réu indicar o montante que entende devido.”
Trata-se, efetivamente, de um rol das matérias típicas suscitáveis na contestação à consignação em pagamento, eis que este procedimento especial, como já vimos, tem cabimento justamente quando há uma mora accipiendi, ou seja, um atraso ou recusa injustificável do credor em receber a prestação que lhe é devida.
A novidade é a inserção do parágrafo único, que condiciona a possibilidade de alegação da não integralidade do depósito à indicação, pelo credor, do montante que entende devido.
Esta modificação, no preciso comentário de Rodrigues Pinto, “corresponde a uma atitude que vem tomando o legislador, comum ou trabalhista, no sentido de evitar a contestação genérica na discussão de valores, via de regra usada para somente protelar o desfecho da demanda.”
Nossa compreensão da matéria é que se trata efetivamente de uma medida salutar, pois evita a imprecisa defesa por negação geral, possibilitando tanto à parte contrária quanto ao juiz uma melhor visualização dos aspectos controversos do litígio.
As repercussões desta modificação ao processo do trabalho, com a polêmica acerca de sua aplicabilidade, serão analisadas, contudo, no item posterior (“O procedimento judicial trabalhista da ação de consignação em pagamento”).
O art. 897 (“Não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o juiz julgará procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários advocatícios”) também foi recentemente modificado, somente para explicitar que, deixando o consignado transcorrer “in albis” o prazo para contestação, devem-se operar os efeitos da revelia, o que, na nossa visão, apenas acrescentou o óbvio, eis que a revelia é um estado de fato, somente se aplicando seus efeitos jurídicos, cujo mais importante é a confissão quanto a matéria de fato, se coerentes com as demais provas constantes nos autos.
Por fim, para encerrar esta análise das modificações da disciplina da ação de consignação em pagamento, impõe-se a verificação do art. 899, cujo caput manteve-se inalterado, mas que ganhou dois parágrafos, nos seguintes termos:
“Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.
§ 1º. Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.
§ 2º. A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos.”
Sobre esta possibilidade de complementação do depósito, comenta Humberto Theodoro Júnior:
“O credor não é obrigado a receber prestação menor ou diversa daquela pela qual se obrigou o devedor. Por isso, o art. 896, nº IV, arrola, entre as defesas úteis, a da insuficiência do depósito efetuado pelo promovente da consignatória. Provada essa defesa, a conseqüência natural seria a improcedência do pedido. A lei, no entanto, por política de economia processual e pela preocupação de eliminar o litígio, instituiu uma faculdade especial para o devedor, quando a defesa se referir apenas à insuficiência do depósito: em semelhante situação, faculta-se ao autor a complementação em 10 dias (art. 899).
É bom lembrar que esse depósito complementar não foi condicionado pela lei nem a erro nem a boa fé do autor, de sorte que se mostra irrelevante o motivo da insuficiência do depósito. Desde que o devedor concorde com a alegação do réu e se disponha a complementar o depósito, aberta lhe será a faculdade do art. 899.”
A introdução do § 1º. é medida de grande utilidade prática, pois evita que haja maior demora do feito, normalmente já bastante lento, quanto à importância incontroversa, prosseguindo o litígio somente quanto à discussão da existência ou não de valores inadimplidos.
No que diz respeito à parte incontroversa, o processo fica, portanto, extinto com julgamento do mérito, eis que houve um “reconhecimento parcial da procedência do pedido”, hipótese que pode ser adequada à previsão do art. 267, II, do Código de Processo Civil.
A única objeção ao levantamento do depósito é bastante razoável, constituindo-se na ressalva do caput do art. 899, no que diz respeito à possibilidade de o depósito corresponder à prestação cujo descumprimento importe na resilição contratual, como é o caso de aluguéis, em que a controvérsia somente pode ser julgada em sua integralidade, mantendo-se o depósito até o julgamento final pelo magistrado competente.
O § 2º se caracteriza como outra saudável medida de simplificação e economia processuais, pois, caso a recusa tenha ocorrido somente pela não integralidade do depósito e restando demonstrada esta alegativa, não precisará o credor ter reconvindo ou mesmo ajuizado ação autônoma, pois a própria sentença que reconhecer a insuficiência do depósito será título executivo judicial em favor do consignante.

05. O procedimento judicial trabalhista da ação de consignação em pagamento.

A ação de consignação em pagamento é, hoje, incontestavelmente admissível no processo do trabalho , não havendo grandes dificuldades em se proceder a adaptação do procedimento previsto no Código de Processo Civil ao rito ordinário do processo do trabalho, de acordo com a orientação do art. 765 da Consolidação das Leis do Trabalho.
No que se refere à petição inicial, apesar de não haver nenhuma determinação expressa neste sentido, recomenda-se que seja feita na forma escrita, até mesmo por analogia a outra ação trabalhista proposta por empregador, que é o inquérito judicial para apuração de falta grave, que somente admite a peça inaugural por escrito (vide art. 853 consolidado).
No processo do trabalho, como sabemos, a relação jurídica processual somente se angulariza (e, portanto, se completa) no momento em que o juiz entra em contato com os autos, o que normalmente só ocorre em mesa de audiência.
Desta forma, em que pese dever constar na vestibular o requerimento de depósito da quantia considerada como devida, a apreciação de tal pleito apenas se dará, na prática, quando da realização da audiência.
Nada impede, porém, que seja criado procedimento administrativo interno na secretaria da J.C.J. ou, onde houver, no setor de distribuição de feitos, para que, ajuizada a petição inicial, seja determinada, de logo, a notificação do autor para proceder o depósito da quantia consignada,
Essa medida, inclusive, é muito mais compatível com o procedimento ordinário do processo do trabalho, principalmente no que diz respeito à regra de concentração de atos em audiência, com a resposta do réu, tentativas de conciliação, instrução e julgamento em uma única sessão. A realização de todos esses atos processuais na mesma data não será possível se a determinação do depósito somente acontecer quando do comparecimento das partes a juízo, haja vista que o consignado terá o prazo de 05 (cinco) dias para procedê-lo.
Determinada com antecedência, portanto, a realização do depósito pelo consignante, sem que esse tenha diligenciado tempestivamente tal mister, o rigor técnico imporá a extinção do processo sem julgamento do mérito, o que é inquestionável, do ponto de vista formal.
Todavia, inexiste obstáculo legal para que, comparecendo os litigantes em juízo para a audiência designada, renuncie o consignado o direito de ter o processo extinto sem julgamento do mérito, aceitando que seja renovada a oportunidade para que o consignante apresente, em audiência, o valor consignado.
Essa conclusão é obtida por uma questão de economia processual, bem como pela regra inscrita no art. 794 consolidado, pelo qual “só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes”.
Na hipótese em tela, o excessivo formalismo processual de determinar a extinção do processo sem julgamento do mérito, com as partes presentes e o consignado disposto a aceitar a renovação da oportunidade de depósito, implicará apenas no adiamento da apreciação do conflito, o que pode ser muito conveniente para o juiz, que terá um processo a menos para julgar, mas, definitivamente, não o é para os litigantes e, muito menos, para a realização da justiça no caso concreto.
Contudo, se não foi determinado previamente ao consignante que procedesse o depósito, mas tendo sido o consignado notificado (terminologia da CLT), este comparecerá à audiência para receber a importância discriminada na inicial (ou já adrede depositada, na hipótese de eventual consignatória extrajudicial, com recusa do credor trabalhista) ou apresentar resposta (contestação, exceção e/ou reconvenção).
Não comparecendo o consignante, a hipótese será, neste caso inquestionavelmente, de “arquivamento” da ação de consignação, por aplicação analógica do procedimento determinado no art. 844 consolidado, que equivale à extinção do processo sem julgamento do mérito.
Não comparecendo o consignado, apesar de devidamente notificado, declarar-se-á sua revelia, operando-se as conseqüências previstas no art. 897 do C.P.C., com a extinção da obrigação, após o depósito da quantia considerada devida pelo empregador. Excetuam-se da condenação somente os honorários advocatícios, caso não sejam atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 e Enunciado nº 329 do colendo Tribunal Superior do Trabalho, que regem a matéria na espécie.
Comparecendo o empregado e aceitando a importância consignada, sem ressalvas, o Juízo proferirá decisão, julgando totalmente procedente a consignação, nos termos do parágrafo único do art. 897. A res judicata operar-se-á, obviamente, somente quanto a quitação dos títulos consignados, não abrangendo outras parcelas que não tenham sido objeto da postulação do consignante, podendo o empregado/credor pleiteá-las pela via judicial em ação autônoma, se já não as tiver postulado por reconvenção nos mesmos autos da consignatória.
É lógico que isto não impede que os litigantes transacionem, em audiência, outras ou mesmo todas as parcelas decorrentes da relação de emprego, hipótese em que o termo respectivo, devidamente homologado pelo Juízo trabalhista, valerá como sentença irrecorrível, dando quitação total do vínculo empregatício.
Finalmente, comparecendo o empregado, mas recusando a importância consignada, deferirá o Juiz Presidente o requerimento, formulado pelo empregador, de depósito da quantia considerada devida (caso já não tenha procedido o depósito bancário extrajudicial), tendo o consignante o prazo legal de 05 (cinco) dias para efetuar o depósito.
Havendo apresentação de exceção ou reconvenção, esta será processada da mesma forma que no procedimento ordinário trabalhista, não havendo nenhum aspecto relevante a ser destacado.
Quanto à contestação, a matéria a ser ventilada é, indubitavelmente, a elencada nos incisos do art. 896 do C.P.C., inclusive o inciso IV (“o depósito não é integral”), pois ainda que a determinação para a realização do depósito somente tenha ocorrido naquela oportunidade, o autor da consignação já descreveu, desde a inicial, qual o valor que entende devido, bem como discriminou a que parcelas se refere tal importância.
Há ilustres vozes, como a do ilustre professor e juiz paranaense Manoel Antonio Teixeira Filho, que entendem que o parágrafo único (“No caso do inciso IV, a alegação será admissível se o réu indicar o montante que entende devido.”) do art. 896 seria inaplicável ao processo do trabalho, como se verifica das seguintes considerações:
“Em nossas primeiras impressões sobre o tema, chegamos a aceitar a aplicação dessa regra ao processo do trabalho. Melhor refletindo, porém, assumimos outro posicionamento. Assim o fizemos porque se, em regra, o réu, na ação de consignação em pagamento, é o trabalhador, e se o princípio a ser observado nos direitos material e processual do trabalho é de que o devedor (empregador) só se libera da obrigação até o limite do valor depositado, a opinião, por nós antes sustentada, de que o empregado deveria indigitar, na contestação, o quanto julgava ser-lhe devido, poderia fazer com que o devedor ficasse inteiramente liberado da obrigação, caso o trabalhador deixasse de fazer aquela indicação.
Assim, revendo a primitiva opinião, concluimos que não se aplica ao processo do trabalho o disposto no parágrafo único do art. 896 do CPC, sob pena de antagonismo com o princípio de que o empregador só se libera da obrigação até o limite do valor depositado.
Em suma, a nosso ver, basta que o trabalhador alegue em juízo que o depósito não é integral - como sempre fez, aliás. Se, eventualmente, vier-se a exigir que ele deva apontar o valor a que entende fazer jus, essa exigência terá o caráter de mera informação processual, cuja falta, por isso, não fará com que o devedor fique integralmente liberado da obrigação, máxime se o trabalhador, além de haver contestado, reconveio.”
Com o devido respeito ao ilustre propedeuta, partilhamos definitivamente de outra opinião.
Com efeito, a norma prevista no parágrafo único do art. 896 visa, como já dito anteriormente, a evitar a contestação genérica, expediente utilizado, muitas vezes, com finalidade meramente protelatória.
O fundamento principal dos que defendem a inaplicabilidade do parágrafo único do art. 896 reside no princípio da proteção ao hipossuficiente econômico, vez que o empregado não teria condições de, sozinho, apontar o montante que entende devido.
Afora a discussão de ser esse princípio de direito material aplicável ao direito processual trabalhista, consideramos que, em verdade, o cerne da polêmica está numa fuga inconsciente da tentativa de conciliação entre o jus postulandi pessoal das partes e o ônus processual determinado pela inovação legislativa.
Acreditamos sinceramente que se possa atribuir ao termo “montante” um sentido mais amplo do que o gramatical para se fazer justiça no caso concreto, sem abrir mão da restrição à impugnação genérica.
Como afirmou o juiz mineiro Raul Moreira Pinto, em elucidativo artigo, nada “impede que o empregado-réu, na defesa, simplesmente negue os fatos da inicial ou invoque outros, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Isto é, afirme que o quantum ofertado é insuficiente porque, v.g., o salário tomado para cálculo de verbas rescisórias não é o efetivamente percebido, ou que há ganhos com horas extras que não foram considerados no cálculo daquelas, ou, mais, que o saldo salarial é maior do que o reconhecido pelo empregador.
Ao elencar os fatos que embasam sua discordância está a lançar sua pretensão de receber valor maior, pretensão esta que o iudicium duplex da consignatória autoriza. Com efeito, retornando aos exemplos acima, o empregado-reú dirá o quantum salarial ajustado, quantas horas extras prestava e qual o valor do salário retido.”
E isto não é novidade no processo do trabalho.
A título exemplificativo, temos a hipótese do § 2º do art. 879 da C.L.T., que determina que “Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz poderá abrir às partes prazo sucessivo de 10 (dez) dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob pena de preclusão”.
É lógico que, ao pé da letra, a exigência legal é de que o impugnante, na liquidação, apresente contas específicas sobre os valores objeto da controvérsia.
Contudo, não há como se negar que a jurisprudência tem “amenizado” o rigor da norma, conhecendo da impugnação apresentada, mesmo sem cálculos, mas que explicita, um a um, os aspectos discordantes em relação às contas originalmente apresentadas.
Ademais, um outro detalhe não pode ser esquecido.
O § 2º do art. 899, já analisado em tópico anterior, determina que a “sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos” (grifos nossos).
Ora, se toda vez que se alegasse a insuficiência do depósito (inciso IV do art. 896), a indicação aritmética do valor total devido ao consignado fosse obrigatória, não haveria motivo para o legislador inserir a expressão “sempre que possível”
Isso porque inexistiria qualquer impossibilidade, haja vista que a liquidação da sentença seria obtida com uma mera conta de subtração (valor consignado subtraído do valor apontado pelo consignado), acrescida de juros e correção monetária, operação matemática esta que qualquer pessoa, com o mínimo conhecimento de aritmética, é capaz de fazer.
Desta forma, entendemos que, ainda que o consignado não apresente contas demonstrando o valor que entende correto, a sua alegação de que o depósito é insuficiente pode ser conhecida, desde que aponte os motivos pelos quais a importância consignada não corresponde à efetivamente devida.
Com esta visão, consideramos que se tutela de maneira satisfatória o empregado consignado, ao mesmo tempo em que se afasta a simples e pueril alegação de que o valor apresentado pelo consignante é pouco para a remuneração do seu esforço.
Ainda no que diz respeito à alegação de insuficiência do depósito, perfeitamente aplicáveis são também as regras do art. 899, caput, bem como de seu § 1º, que possibilitam a complementação do depósito pelo consignante e o levantamento do valor incontroverso pelo consignado.
Tais medidas possibilitam maior celeridade do processo, devendo ser ressaltado que, de acordo com a estrutura do procedimento dos dissídios individuais do trabalho, o levantamento da importância incontroversa será procedido mediante homologação de conciliação parcial perante o juízo trabalhista, que prosseguirá na instrução da parte controvertida.
Por fim, quanto à sentença, a inovação legislativa conferiu à ação consignatória, na hipótese de depósito incompleto, a natureza de ação dúplice, ao permitir a condenação do autor por força da acolhida da contestação do demandado, sem depender do manejo da reconvenção.
Esta peculiaridade já existia no ordenamento positivo brasileiro para outros tipos de ações, como as de prestação de contas (arts. 914/919 do C.P.C.) e possessórias (vide art. 922 do C.P.C.), bem como a ação de desapropriação, em legislação extravagante.
Tal modificação atende plenamente aos interesses do processo do trabalho, na medida em que aparelha o empregado, de forma imediata, com um título executivo judicial, sem a necessidade de ter de ajuizar ação autônoma para executar a obrigação.
De outro lado, caso seja reconhecido que o valor depositado foi integral, a decisão final será predominantemente declarativa, pois se limitará a reconhecer a eficácia liberatória do depósito promovido pelo devedor. Sendo assim, o que extingue a dívida não é a sentença, mas o depósito do devedor, apenas proclamando a decisão essa extinção.

06. Prazo para ajuizamento da ação de consignação em pagamento.

Um tema que nos parece normalmente olvidado pela maioria dos doutrinadores, mesmo civilistas, que escrevem sobre a consignação em pagamento, é a questão do prazo para seu ajuizamento.
Não se está falando aqui, logicamente, em prescrição, mas sim apenas em momento para ajuizamento da ação correspondente, o que nos parece bastante importante para o processo do trabalho. Isto porque é preciso se lembrar que os §§ 6º e 8º do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho dispõem, “in verbis”:
“Art. 477. É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.
(...)
§ 6º. O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou
b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.
(...)
§ 8º. A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação da BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora”.

Como se vê, a multa prevista no dispositivo supramencionado tem uma razão de ser objetiva que é o atraso no pagamento das verbas rescisórias.
O empregador consignante, desta forma, para evitar a incidência desta multa, terá que ajuizar a ação de consignação no menor prazo possível para demonstrar seu animus de adimplir a obrigação devida.
Lembra Wilson de Souza Campos Batalha que o “art. 477, § 8º, da CLT (redação da Lei n. 7.855, de 24.10.89) comina multa ao empregador que não efetuar o pagamento das quantias devidas ao ensejo da rescisão do contrato de trabalho até o décimo dia contado da data de notificação da rescisão. O pagamento poderá retardar-se por motivos alheios à vontade do empregador, por haver necessidade de assistência do sindicato representativo da categoria profissional ou do Ministério do Trabalho e por haver possibilidade de não comparecimento do empregado no prazo devido. Enseja-se, na hipótese, ao empregador a possibilidade de ingressar em juízo com a ação de consignação em pagamento evitando a aplicação da multa, os juros e a correção monetária, face ao efeito liberatório do depósito.”
O ajuizamento da consignação em data posterior ao vencimento do decêndio legal não implica necessariamente ser automaticamente devida a multa. Para que isto não ocorra, caberá ao empregador o ônus de provar que a mora não se deu por sua culpa exclusiva.
Nas palavras de Arnoldo Wald, “desde que se comprove a mora do credor, não importa que a consignação tenha sido intentada após o vencimento do débito, pois ocorre, no caso, uma simples faculdade e não um dever jurídico por parte do devedor. É todavia recomendável que se faça na data do vencimento do débito ou no dia seguinte.”

07. Considerações finais.

A consignação em pagamento é, como visto, um importante procedimento especial, perfeitamente aplicável ao direito do trabalho.
As inovações trazidas pela Lei nº 8.951/94 trouxeram novas possibilidades na sua utilização, tanto pela instituição da consignatória extrajudicial, quanto pela possibilidade de levantamento do valor incontroverso ou pela nova conotação de actio duplex, na medida em que outorga eficácia executiva à sentença que concluir pela insuficiência do depósito, permitindo ao réu-credor a execução pela diferença.
Entretanto, a eficácia destes novos procedimentos, notadamente no processo do trabalho, dependerá, sem qualquer dúvida, da utilização que os militantes nas lides laborais fizerem deles, sobretudo no que diz respeito a evitar o desvirtuamento dos seus institutos.
O que aqui se defende é que a consignatória seja efetivamente usada como um meio real de solução de controvérsias, e não instrumento de burla aos direitos trabalhistas.

08. Bibliografia consultada.

BATALHA, Wilson de Souza Campos, Tratado de Direito Judiciário do Trabalho, v. II, São Paulo, LTr Editora, 1995.
BERMUDES, Sérgio, A Reforma do Código de Processo Civil, 2ª. ed., São Paulo, Saraiva, 1996.
CALMON DE PASSOS, J. J., Inovações no Código de Processo Civil, 2ª. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 1995.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 21ª ed., São Paulo, Saraiva, 1996.
DINAMARCO, Cândido Rangel, A Reforma do Código de Processo Civil, 3ª. ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1996.
GIGLIO, Wagner, Direito Processual do Trabalho, 8.ª ed., São Paulo, LTr Editora, 1993.
GOMES, Orlando, Obrigações, 9ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1994.
MARCATO, Antonio Carlos, Ação de Consignação em Pagamento, 5ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1996.
PINTO, Raul Moreira. “Ação de Consignação em Pagamento - Aplicabilidade dos Novos Dispositivos da Lei nº 8.951/94 no Processo do Trabalho” in Revista “Trabalho & Processo”, vol. 7, São Paulo, Editora Saraiva, Dezembro/1995.
RODRIGUES PINTO, José Augusto, A Modernização do CPC e o Processo do Trabalho, 1ª ed., São Paulo, LTr Editora, 1996.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, As Alterações no CPC e suas Repercussões no Processo do Trabalho, 4ª ed., São Paulo, LTr Editora, 1996.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol III - “Procedimentos Especiais”, 8.ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol. II - “Obrigações e Contratos”, 12ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1995.

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