terça-feira, 2 de novembro de 2010

Convênio BACEN/TST: primeiras dúvidas

Rodolfo Pamplona Filho

Sumário: 01. Introdução. 02. Objetivo do Convênio e do BACEN JUD. 03. Algumas questões suscitadas e respectivas primeiras impressões. 03.01. Conflitos (aparentes) entre a Aplicação do Convênio e Princípios Regentes da Execução. 03.02. Competência Executiva e Determinação do Bloqueio de Contas. 03.03. Momento Processual para a Determinação do Bloqueio de Contas. 04. Considerações Finais.

01. Introdução – objetivo do trabalho.

Instados a escrever rápidas linhas sobre o convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e o Tribunal Superior do Trabalho, ainda em fase de implantação em vários Regionais (inclusive no TRT da 5ª Região, ao qual estou vinculado), refletimos sobre a conveniência de se fazer uma crítica a uma proposta em tão prematuro momento.
Resolvemos, pois, não fazer uma análise minuciosa de todos os eventuais questionamentos surgidos com a inovação, mas sim apenas apresentar nossas modestas opiniões sobre alguns aspectos que decorrerão certamente da aplicação desse convênio no dia a dia forense, sendo esse, portanto, o objetivo desse trabalho.

02. Objetivo do Convênio e do BACEN JUD.

O objetivo do Convênio mencionado é permitir que o TST e os demais Tribunais Regionais do Trabalho signatários de termo de adesão possam, dentro de suas áreas de competência, ter acesso, via internet, ao Sistema de Solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central do Brasil, o chamado BACEN JUD.
E o que é tal sistema?
Em verdade, trata-se de um programa, criado pelo Banco Central, que permite acesso rápido e, conseqüentemente, célere cumprimento de determinações judiciais de bloqueio e desbloqueio de contas e ativos financeiros, bem como comunicação de decretação e extinção de falências, solicitação de informações sobre a existência de contas correntes e de aplicações financeiras.
E como se operacionaliza tal sistema?
A idéia é que, em cada Regional, haja dois magistrados designados formalmente – os chamados "fiéis" - responsáveis conjunta e autonomamente pela gerência do convênio e cadastramento das demais senhas. O cadastramento de cada “fiel” é feito, portanto, por indicação do Tribunal, preenchendo-se formulário do BACEN, posteriormente encaminhado ao TST, para que possa ter amplo acesso ao sistema. Esses magistrados receberão as solicitações mencionadas adrede de todos os seus colegas da região e procederão às diligências determinadas, sem que se precise expedir ofícios isoladamente ao Banco Central, o que significa uma economia de tempo e dinheiro.
E tal sistema não implicaria em violação da regra de sigilo bancário?
De forma alguma! Por força de norma legal, já é permitido aos juízes determinar o bloqueio de ativos financeiros e obter de entidades públicas ou privadas as informações necessárias para a instrução de processos, respeitadas as regras constitucionais e processuais vigentes.
Mas se o programa é tão bom assim, por que, antes mesmo de sua efetiva aplicação, já se vislumbram algumas polêmicas?
É o que veremos nos próximos tópicos.

03. Algumas questões suscitadas e respectivas primeiras impressões.

A atividade judiciária, por envolver os interesses mais relevantes do cidadão (vida, liberdade e patrimônio), sempre acarreta polêmicas, quando se pretende fazer alguma inovação.
Em relação ao convênio, isso também não é diferente, mas, na nossa visão, tais questões podem ser resolvidas rapidamente com uma interpretação mais razoável das regras jurídicas correspondentes.
Senão, vejamos.

03.01. Conflitos (aparentes) entre a Aplicação do Convênio e Princípios Regentes da Execução.

Um dos primeiros questionamentos que se ouve é se, na aplicação do Convênio, não poderá haver conflito com os princípios e regras da execução, como, por exemplo, a idéia de que a execução deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor.
Em que pese existir polêmica doutrinária se tal regra, advinda do Direito Processual Civil, é aplicável ou não ao processo trabalhista, o fato é que, independentemente disso, não há qualquer conflito no caso concreto.
De fato, na forma do rol inscrito no art.655 do CPC, exigível no processo trabalhista por força do art.882 da Consolidação das Leis do Trabalho, dinheiro é o bem penhorável por excelência, não havendo motivo para se afastar a penhora de tal bem fungível, quando, conforme verificaremos no tópico 03.03, não há mais controvérsia acerca do quantum devido.

03.02. Competência Executiva e Determinação do Bloqueio de Contas.

Outra dúvida que tem sido suscitada é: como conciliar as normas atinentes à competência para a execução da sentença trabalhista com o convênio, que transfere para os magistrados “fiéis” a competência para o bloqueio de contas?
Em verdade, essa dúvida é um verdadeiro sofisma, pois está baseada em uma premissa equivocada.
Com efeito, não há qualquer transferência de competência para os “fiéis” do bloqueio de contas, mas sim apenas a outorga de uma diligência específica, a ser cumprida por este órgão, como uma “longa manus” do juízo da execução.
A comparação com o juízo deprecado, em carta precatórias executórias, é inevitável, pois, nesse caso, o “fiel” apenas procede ao cumprimento da solicitação feita, por exemplo, de informação ou bloqueio de contas.
Se há delegação nesse convênio, ela foi feita, na realidade, pelo Banco Central, que passou ao magistrado designado a atribuição de cumprir a diligência que, outrora, tinha de ser cumprida pelos seus prepostos.
Nessa linha de raciocínio, entrando em “campo minado”, ousamos afirmar que nos parece superada a proibição de penhora on line, objeto de manifestação normativa recente do ilustre ex-Ministro Corregedor Geral da Justiça do Trabalho, uma vez que não faria sentido o Tribunal Superior do Trabalho firmar um convênio permitindo o bloqueio de ativos financeiros diretamente pelo magistrado designado – o que demonstra uma preocupação com os avanços tecnológicos – e, ainda assim, exigir que, para o cumprimento de tal ordem, houvesse a necessidade de voltar ao velho dispêndio de tempo e dinheiro, com a expedição de cartas precatórias para que outro magistrado solicite a outro “fiel” que proceda o que o primeiro já poderia ter realizado...

03.03. Momento Processual para a Determinação do Bloqueio de Contas.

Um último questionamento relevante, porém, é sobre a fase da execução em que o bloqueio de contas pode ser utilizado.
E aqui, talvez discordando de uma prática bastante comum, parece-nos que o convênio deve ser usado com alguma moderação.
Isso porque há, no método tradicional de execução de sentenças trabalhistas (previstos nos arts.880/884 da Consolidação das Leis do Trabalho), uma evidente interpenetração dos atos de acertamento e constrição.
Nesse caso, iniciar a execução com bloqueio de ativos financeiros, havendo pendência efetiva na discussão do “quantum debeatur” – e a militância diuturna na Justiça do Trabalho autoriza concluir sobre a temeridade de tal conduta, ante o disparate dos cálculos que são confrontados em sede de embargos à execução – é uma conduta que transborda os limites de qualquer razoabilidade.
Assim, havendo controvérsia real sobre o valor a ser pago, a prudência recomenda que a diligência de bloqueio autorizada pelo convênio somente seja feita, após a formação do contraditório no que diz respeito às contas de liquidação.
Nada impede, portanto, que, apresentados os embargos à execução e, conseqüentemente, reconhecida a existência de valor incontroverso, seja procedida a substituição da penhora realizada (por exemplo, em bem de difícil conversibilidade pecuniária) por dinheiro.
Da mesma forma, sendo líquida a sentença exeqüenda, aí sim, pode a constrição judicial se perfazer desde o início em valores.
Esta cautela se justifica para evitar que a execução abarque parcela patrimonial superior à necessária satisfação do crédito, bem como retire a disponibilidade do capital de giro do executado sem justificativa razoável, uma vez que, bloqueados valores acima do efetivamente devido, estar-se-ia impondo um ônus não querido pelo Direito, conduta cujo estímulo é inconcebível.

04. Considerações Finais.

Feitas estas rápidas considerações, parece-nos importante concluir que o Convênio, realmente, será um importante aliado para a efetiva satisfação de créditos reconhecidos em sentenças trabalhistas.
As primeiras dúvidas que se suscitam nas leituras apressadas do convênio parecem-nos dissipar-se com uma digressão mais razoável dos institutos jurídicos envolvidos, pressuposto necessário de toda atividade jurisdicional que se preze.
Se os resultados esperados se realizarão, porém, somente o tempo, senhor de toda a razão, como já se disse alhures, é que poderá responder...

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